Filme do Dia: Sargento York (1941), Howard Hawks
Sargento York (Sargeant York, EUA, 1941). Direção:
Howard Hawks. Rot. Adaptado: Abem Finkel, Harry Chandlee, Howard Koch &
John Huston, a partir dos diários de Alvin C. York. Fotografia: Sol Polito. Música: Max Steiner.
Montagem: William Holmes. Dir. de arte: John Hughes. Cenografia: Fred M.
MacLean. Com: Gary Cooper, Walter Brennan, Joan Leslie, George Tobias, Stanley
Ridges, Margaret Wycherly, Ward Bond, Dickie Moore, June Lockhart, Gig Young.
1916-1917. Alvin York (Cooper) um caipira
encrenqueiro e bêbado do Tennessee, que apenas traz desgostos para sua velha
mãe (Wycherly), muda de comportamento após conhecer e se apaixonar pela bela
Gracie Williams (Leslie), tornando-se religioso sob a acolhida do Pastor Pile
(Brennan). York fica revoltado quando é convocado pelo Exército, pois fazer
parte de ações que provocarão mortes vai, a seu ver, contra a ética da bíblia. O Major Buxton
(Ridges), impressionado com sua capacidade de tiro, tenta convencê-lo a mudar
de ideia, emprestando-lhe um livro sobre grandes figuras da nação e lhe dando
dez dias de folga para retornar à sua terra e pensar a respeito. York, dividido
entre sua fé e sua nação, decide retornar ao exército e empreende uma ação
heroica na França, matando sozinho mais de duas dezenas de homens e conseguindo capturar, com mais sete
colegas, acima de 130 soldados alemães. Homenageado com medalhas dos governos
francês, britânico e americano, é saudado com enormes festejos em Nova
York, recusando propostas milionárias de
vender sua história ao cinema, dentre outras e retornando ao seu querido
Tennessee, sendo recepcionado por uma grande festa dos moradores locais. Grace
apresenta-lhe a propriedade de 30 acres com majestosa casa que o povo comprou
para eles.
Esse xaroposo
e ufano filme de para-propraganda de guerra – afinal os Estados Unidos
sequer haviam entrado em guerra – desde o início trai seu caráter ao apresentar
em seus créditos iniciais, caracteres que evocam as listras e estrelas da
bandeira americana mesclado ao hino britânico e cartelas elegíacas para
construir uma narrativa típica do herói americano, que consegue emplacar sua
ação a partir de seu esforço individual, primeiro na sua luta contra a
auto-complacência e o álcool, depois por suas ações impulsivas e sem nenhum
planejamento que resultam num massacre tão pouco crível quanto o de um único
herói pioneiro contra índios nos westerns contemporâneos. Não por acaso para
estrela-lo se buscou Cooper, que além de sua persona formada no western – a
quem o filme deve sua primeira metade – também havia emplacado na memória mais
recente como figura capital na sentimental apologia da América provinciana de
Capra (O Galante Mr. Deeds, Adorável Vagabundo) sem esquecer o
gênero com o qual sua estrela emergiu (O
Galante Aventureiro). Como nos filmes de Capra, e talvez esse seja o maior
pecado do filme, o York de Cooper é tratado com um paternalismo embaraçoso de
quem se canta a pureza (ou idiotia) numa tradição que persistirá em filmes como
Forrest Gump. De fato, o personagem
apenas toma as duas guinadas que transformarão sua vida a partir de figuras
“paternas” que o orientam para a Igreja e o Exército, respectivamente o Pastor
Pile e o Major Buxton. Suas referências à bíblia são tão
robóticas que apenas parecem servir como desculpa a si próprio enquanto repetição para que não
recaia novamente em outra compulsão, a da bebida. E quanto as figuras célebres
do livro que lhe devota Buxton, ele já possui um contato algo visceral com o
mítico Daniel Boone, cujas árvores onde passeia ainda se encontra inscrições do
mesmo, sendo que o próprio York evidentemente se tornará mais uma página desse
livro de heróis nacionais, mesmo – e principalmente – de forma inadvertida e
despretensiosa. É curioso que
justamente os dois símbolos máximos utilizados por Eisenstein para descrever o
reacionarismo que se abate no processo revolucionário que se segue ao
surgimento da União Soviética em Outubro,
pátria e religião, sejam justamente o esteio que selam a fama de York, assim
como sua divisão, representada numa caricatamente simplória sequencia. Se
sua integridade e/ou ingenuidade acima de qualquer suspeita fica patente no momento em que recusa as
diversas possibilidades de faturar com seu próprio feito, como se explica a
existência da própria produção dirigida por Hawks? Essa pasteurização
sentimental dos valores de uma América Profunda não seria estranha a outros
cineastas célebres do período, para além de Capra, como é o caso de Ford, que
ainda assim consegue melhores resultados ocasionalmente com filmes como A Mocidade de Lincoln. Embora a narrativa se desenrole durante a I
Guerra Mundial é evidente que encontra um momento propício para ser lançada
quando a II Guerra já devasta boa parte da Europa. Quando comparado as
experimentações realistas empreendidas contemporaneamente na Itália e igualmente vinculadas ao gênero do filme de
guerra, como Rossellini e seu La Nave Bianca, essa produção soa em tudo mais convencional e datada. Mesmo o filme
inovando ao apresentar motivos mais próximos de um gênero para depois abraçar,
ao menos superficialmente, outro (o do filme de guerra), o preço pago por tal
relativa ousadia é a de uma primeira parte um tanto modorrenta e cansativa. Nem
é preciso dizer que a morte do melhor amigo de York, “Pusher” Ross, já se
encontrava anunciada desde quase o surgimento da personagem e tampouco que o
“inusitado” pedido de York ao chegar em Nova York tenha sido o de andar na
linha de metrô do Bronx, sempre referida pelo amigo. Nem mesmo alguns diálogos,
onde se faz presente a discreta insolência do realizador ou o momento em que um
embaraçado, rígido e viril herói é beijado em saudação por um alto oficial
francês conseguem salvar o filme de seu lugar-comum. National Film Registry
em 2008. Warner Bros. 134 minutos.
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