Filme do Dia: Emília Perez (2024), Jacques Audiard

 


Emilia Pérez (França/México/Bélgica, 2024). Direção Jacques Audiard. Rot. Adaptado Jacques Audiard & Thomas Bidegain, a partir do romance de Boris Razon. Fotografia Paul Guilhaume. Música Camillé & Clement Ducol. Montagem Juliette Welfling. Dir. de arte Emmannuelle Duplay & Sandrine Jarron. Cenografia Cécile Deleu. Figurinos Virginie Montel. Maquiagem e Cabelos Roxane Bruneton & Jane Brizard. Com Zoe Saldaña, Karla Sofia Gascón, Selena Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramírez, Mark Ivanir, Eduardo Aladro, Emiliano Hasan.

O traficante Manitas (Gascón) sequestra a advogada Rita (Saldaña) para que ela organize a sua cirurgia de transição de gênero, com o intuito de viver tranquilamente na Suíça, já que no México lhe esperam a prisão ou a morte. Tudo acontece como planejado e sua esposa, Jessi (Gomez), chora ao ver a notícia de sua execução na TV. “Renascido” como Emília Perez, após três anos ele organiza um jantar na qual está presente, não por coincidência, Rita. Ele agora deseja da advogada a possibilidade de retornar ao México como tia de seus filhos, desconhecida de Jessi. Ela retorna e inicia uma campanha para encontrar os desaparecidos pelo tráfico, vivos ou mortos. A empreitada ganha repercussão nacional, e Emília se apaixona por uma mã, Epifania (Paz),  que vai conversar com ela atrás do marido com uma faca, achando que ele por lá estivesse, mas se encontra morto.

Uma das poucas originalidades trazidas pelo filme seria a mescla entre musical e filme de gângster, embora o uso heterodoxo do musical é praticamente uma característica do cinema contemporâneo há pelo menos um quarto de século (basta citarmos ao acaso, Dançando no Escuro, Nha Fala ou A Fábrica de Nada). “Novidade” que, aliás, já estivera presente no histórico e fonte primária do gênero,  como Scorsese lembrara ao menos de dois exemplos em seu Uma Viagem com Martin Scorsese pelo CinemaAmericano – Parte 1. E, mais importante, para o caso em questão, que alternando entre o canto em meio aos diálogos e uma situação plenamente crível (como em Agora Seremos Felizes, também citado por Scorsese em seu documentário) e situações mais tipicamente fantasiosas do gênero, não traz nada exatamente excepcional. Já a transição de gênero da figura-título sendo acompanhada de uma mudança de temperamento, não apenas a nível pessoal, mas também em termos de intervenção social, acolhendo as vítimas de traficantes como ela própria quando era ele, pode ser pensada como uma atualização do viés melodramático hollywoodiano do rosto feminino desfigurado associado a uma vilania que pode ser transformado (e com ele a moralidade da mulher), através de uma cirurgia. Ao servir igualmente como estratégia de fuga do traficante atualiza, uma vez mais, outro protocolo clássico hollywoodiano, o da heroína (antes o herói) que foge da justiça pois suas intenções são mais beneméritas para a comunidade do que ser mantida encalacrada em um presídio. Porém, quando entra em questão temores a assaltarem seu próprio âmago, como não mais morar com suas crianças, sua voz e atitude se transformam, pois ressurge Manitas. Outra atualização facilmente passível de paralelos é a de uma caricatura de um país ou cidade por um realizador francês – Marcel Camus já o tinha demonstrado em outro filme premiado em Cannes, Orfeu do Carnaval, muitas décadas atrás, com o Rio sendo somente alegria e festa (ao menos nos dias deste) e, no caso em questão, do México associado somente com a violência e a morte. A favor de Camus, igualmente, havia um elenco brasileiro, filmagens em locação e uma trilha sonora maravilhosa, de artistas brasileiros, o que não vale, a rigor, em nenhum dos quesitos nesta produção. Assim como um genuíno deslumbramento do realizador por um outro país, voltando inclusive para outro longa-metragem.  É difícil crer que haja ganho o prêmio coletivo de interpretação feminina em Cannes (além do prêmio especial do Júri) com interpretações tão diferenciadas em um leque indo da constrangedora Selena Gomez, passando pela mediana Karla Sofia Gascón até as melhores, de Zoe Saldaña e, com bem menor participação, Paz. Sai-se do filme com a certeza que a impressão nada marcante provocada o fará esquecê-lo com a rapidez com a qual se consome o capítulo de uma novela. |Why Not Prod./Page 114/Pathé/France 2 Cinéma/Saint Laurent/Estudio 13/Prima Linea Prod. 132 minutos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso