Filme do Dia: Os Desgraçados Não Choram (1950), Vincent Sherman
Os Desgraçados Não Choram (The
Damned Don’t Cry, EUA, 1950). Direção Vincent Sherman. Rot.
Adaptado Harold Medford & Jerome Weidman, a partir do conto Case History,
de Gertrude Walker. Fotografia
Ted D. McCord. Música Daniele Amfitheatrof. Montagem Rudi Fehr. Dir. De arte
Robert M. Haas. Cenografia William L. Kuehl. Figurinos
Sheila O’Brien. Com Joan Crawford, David Brian, Steve Cochran, Kent Smith, Hugh
Sanders, Selena Royle, Jacqueline deWit, Morris Ankrun, Richard Egan, Sara
Perry.
Ethel
(Crawford), traumatizada com a morte do filho, abandona o marido, o operário
Roy (Egan), logo após o enterro do primeiro, jurando retornar em situação
econômica melhor. Ela inicia como balconista, e lá chama a atenção de um
modista, tornando-se modelo. Descobre, como vizinho de escritório, um ingênuo
contabilista, Martin “Marty” Blackford (Smith), que seduz e manipula para que
passe a fazer a contabilidade do influente e perigoso gangster George Castleman
(Brian). Mesmo com reservas e, ao menos inicialmente, sem grandes ambições,
Marty aceita, apenas para ficar próximo e eventualmente casar-se com Ethel.
Essa, no entanto, dispensa-o, quando percebe que pode ficar com Castleman.
Esse, casado, a mantem em um apartamento de luxo, agora sobre o nome de Lorna
Hansen Forbes, pretensa herdeira de um magnata do petróleo. A vida de socialite
de Lorna chega a um momento decisório,
quando se faz necessário que Castlemen enfrente seu ex-subordinado, o ousado
Nick Prenta (Cochran), e destina Lorna para a tarefa de matá-lo.
A
contribuição não creditada de Crawford no roteiro do filme talvez explique
algumas similaridades de sua personagem com sua trajetória
pessoal-profissional (para além da
motivação original do conto no qual se inspira, e vagamente inspirado na
relação do gangster Bugsy com uma modelo) e ser uma das estrelas prototípicas
do firmamento hollywoodiano; assim ela surge como uma verdadeira estrela,
filmada que foi por uma bitola não professional, divertindo-se – aliás, outro
ponto comum com as imagens domésticas amadoras que seriam tornadas públicas
décadas após com um dos amantes de Crawford, relação também mantida em sigilo,
por também se tratar de um homem casado e influente. Como Crawford, a
personagem é proveniente de parcas condições monetárias. E o poder da atriz
também aflui ao ponto de, no momento em
que surge, desviar temporariamente o filme da rota do noir, abraçando um melodrama muito
próximo do que passa a ser identificado com ela nesse momento de sua carreira,
o melhor, em que abandona mulheres modernas em filmes que habitualmente lidavam
com triângulos amorosos em meio a ambientes sofisticados e se tornam
personagens transidas por tormentos e inseguranças, porém antes da produção que
recriará a persona de Crawford sob o signo da histeria e do sensacionalismo. A
essência rousseauniana de Ethel será maculada de forma drástica após o trauma
de testemunhar a morte trágica do filho. Põe-se aí na conta a sua prostituição,
trabalhada de forma relativamente explícita para a época, seguindo os passos de
sua colega modelo, a falta de escrúpulos bastante calculista e ardilosa de que
poderá tirar proveito de Marty, etc. Seu renascimento enquanto Lorna, sinaliza
uma vez mais para a identidade de estrela, já que Crawford, como a maior parte
das estrelas, teve seu nome original modificado, mesmo que aqui operando em
sinal inverso a de sua constituição de identidade, que ela positivava a partir
de seu nome artístico, e tentativa de esquecimento do de batismo. No enredo,
Ethel remonta a essa reserva de humanidade, que apenas Marty continuará a
insistir em chamar. E o reconhecimento de Castleman como um igual, inclusive
com nome também forjado, já que o seu original era o de Joe Caveny – com a diferença
que nele, era sinônimo de pequeno rufião – e que ela é detentora da informação,
traz pontos de identidade dela com Gable, de quem foi amante de vários anos, e
que também tivera um passado pobre e certo senso de inadequação ao mundo da
riqueza e da fama. Torsões são possíveis nesse aparente esquematismo, e o filme
joga bem com elas. Em uma das cenas mais interessantes Ethel, quando renega o
amor de Marty, e ainda sai com Castleman diante dele, afirmara ao primeiro não poder jogar somente nela o abdicar de
seus princípios, pois ele poderia largar tudo ainda naquele momento e voltar ao
seu mal pago, mas honesto, emprego. E ele, evidentemente, não o faz. As ilusões de Ethel são reduzidas
literalmente a pó em seu final. E, numa
última alusão autobiográfica, a perda do filho pode ser ligada aos vários
abortos naturais sofridos por Crawford, que a levaram a adoção, quando já não
mais se encontrava casada com nenhum de seus maridos também atores. Warner
Bros. 103 minutos.

Comentários
Postar um comentário