Filme do Dia: Cartas Venenosas (1951), Otto Preminger

 


Cartas Venenosas (The 13th Letter, EUA, 1951). Direção: Otto Preminger. Rot. Adaptado: Howard Koch, a partir do argumento de Louis Chavance para O Corvo. Fotografia: Joseph LasShelle. Música: Alex North. Montagem: Louis R. Loeffler. Dir. de arte: Maurice Lansford & Lyle R. Wheleer. Cenografia: Thomas Little & Walter M. Scott. Figurinos: Charles Le Maire & Edward Stevenson. Com: Michael Rennie, Linda Darnell, Charles Boyer, Constance Smith, Françoise Rosay, Judith Evelyn, Guy Sorel, June Hedin.

Dr. Pearson (Rennie) é um medico recém-chegado de Londres que passa a trabalhar numa pequena vila canadense. Uma série de cartas anônimas põem a vila em polvorosa, acusando Pearson de manter uma relação com Cora (Smith), mulher do psiquiatra Paul (Boyer). Uma das cartas anônimas acaba sendo enviada a um paciente terminal do hospital, um jovem herói de guerra, que se suicida ao saber através dessa que é paciente terminal. Todas as suspeitas recaem sobre a irmã de Denise (Darnell), jovem por quem o médico se envolve,  Marie Corbin (Evelyn). Porém, mesmo depois de presa, numa missa de ação de graças pelo fim dos episódios que provocaram a discórdia na comunidade, uma nova carta anônima é lançada, afirmando que o autor das mesmas não é Corbin. A polícia investiga quem dos 18 que se encontravam no piso superior da igreja é o autor através de um exame de grafia.

Talvez seja o tipo de filme que o espectador não assistindo sua fonte de adaptação, no caso o filme de Clouzot O Corvo (1943), possa ser apreciado com maior deferência. Porém, assisti-lo após a produção francesa é acabar por se fazer as incontornáveis comparações. E se o filme de Preminger possui seus méritos, esses tornam-se pequenos diante daquele, sobretudo ao deslocar o tom propositalmente um acorde acima do realismo convencional havia sido  o segredo do sucesso daquele. No filme de Clouzot tanto as magistrais interpretações como a exuberante fotografia parecem se encontrar um pouco acima das convenções realistas e quase a um passo do fantástico. É esse difícil equilíbrio que Preminger não faz questão ou não percebe como importante para sua adaptação que, pelo contrário, acena para um maior realismo desde o seu início, quando acusa o fato de ter sido filmado integralmente em locações de uma pequena cidade canadense. A comparação dos elencos então é um tanto constrangedora. Quando se obseva as nuances do psiquiatra vivido por Lerquay com a interpretação de Boyer ou mesmo do médico de Fresnay com o canastrão Rennie, habitualmente escalado em filmes B  ou de gêneros de pequena exigência dramática como a ficção-científica (O Dia em Que a Terra Parou), tem-se mais uma medida da diferença. E a mudança para o ritmo da produção industrial americana, mesmo a mais independente, parece igualmente reduzir o que havia de dimensão autoral no original para o espectro limitador do gênero, no caso em questão, o do suspense noir. O que implica igualmente no padronizado olhar de súplica da heroína de Darnell e no final feliz protocolar. Assim como na atenuação de toda as implicações envolvidas nas acusações, como a de gravidez e de abortos praticados pelo médico, incompatíveis com o código moral americano. E igualmente da ambigüidade que era igualmente um dos trunfos do original,  já que naquele não se sabia até que ponto eram verdadeiras ou não as mesmas. Aqui, se o vilão não fica evidente, por motivos óbvios, o mocinho é bem destacado, tornando-se deslocada a cena na qual o psiquiatra faz menção ao quão redutor é se reduzir tudo aos extremos do maniqueísmo, cena central para a compreensão da moral um tanto amoral do filme de Clouzot. O próprio processo de desmascaramento do assassino, que na produção francesa ganha um ritmo alucinado de tão intenso, move-se em um registro praticamente anêmico, sendo que se naquele a alusão subliminar dos episódios descritos era ocupação alemã do regime de Vichy,  pode-se pensar no clima de paranoia macarthista contemporânea nos Estados Unidos. 20th Century-Fox Film. 85 minutos

 

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