Filme do Dia: O Herói (2004), Zezé Gamboa

 


O Herói (Angola/França/Portugal, 2004). Direção: Zézé Gamboa. Rot. Original: Carla Baptista, Pierre-Marie Goulet & Fernando Vendrell. Fotografia: Mário Masini. Música: David Linx & Diederik Wissels. Montagem: Ana Ruiz. Dir. de arte e Figurinos: Lucha d’Orey. Com: Makena Diop, Milton “Santo” Coelho, Maria Ceiça, Patrícia Bull, Neuza Borges, Orlando Sérgio, Catarina Matos, Mateus Salvador.

Vitorio (Diop), é um veterano da guerra, que dorme na rua e após muitos anos consegue uma prótese para substituir a perna que perdeu em uma mina como milhares de outros angolanos. Já Manu (Coelho) é um garoto que sonha reencontrar o pai, desaparecido de guerra como também milhares de outros. Sua mãe tampouco lhe criou, papel que coube a avó, Flora (Borges). Uma das professoras de Manu é Joana (Bull), que vive na casa do pai, ausente no exterior. Vitorio passa a frequentar uma casa noturna e certa noite, embriagado e expulso da casa após causar confusão, tem sua perna roubada por uma gangue de garotos. Judite (Ceiça), uma prostituta que trabalha no local, acolhe-o. Joana reencontra com um ex-namorado, que fora estudar nos Estados Unidos, Pedro, e que é sobrinho de um ministro do governo (Orlando Sérgio). Em uma saída Pedro atropela acidentalmente um garoto que cruza a pista. Joana o leva ao hospital e lá conhece o drama de Vitorio. Comovida e algo atraída também por ele, Joana sugere que Pedro convença o tio a tirar proveito político da situação, fazendo com que os dois participem de um programa de rádio.

Gamboa aproveita-se do jeitinho angolano de resolver as dificuldades associando-o com os cacoetes do melodrama não muito distante do televisivo. Dentre as facilidades dramáticas se encontra as oportunas coincidências que fazem com que as trajetórias das personagens se cruzem e voltem a se cruzar ao sabor do avanço da trama. Punindo abertamente por uma linguagem de fácil acesso a um público mais amplo, Gamboa toca em alguns dos dramas vividos por seu país (a superpopulação da capital Luanda, as dificuldades de inserção social dos veteranos de guerra, os órfãos da guerra, uma brutal desigualdade social) através de um retrato que se apropria de algumas de suas tensões sociais, mas as trabalha na chave dos sentimentos e dos clichês (a prostituta de bom coração, o herói desempregado e morador de rua mas digno, o político egoísta e seu discurso populista, com breves lampejos de contra-estratégias pensadas pela população pobre, algo que vai dos furtos ao conhecimento de alguém bem situado socialmente ou com capacidade de fazer contatos junto às autoridades. O filme soa, e a música ao final, assim como suas imagens aéreas de Luanda, e o fato de Vitorio ter encampado a ideia de ser o pai simbólico de Manu, como uma ode a um projeto de nação que, longe de concretizado, apresenta soluções possíveis, como é o caso da conquista do emprego por Vitorio, por mais que essas se deem por tráfico de influência e possibilitem pequenas contravenções por parte dos empregados – como o motorista de um carro oficial que ganha um extra fazendo as vezes de táxi ou Vitorio chamando o garoto Manu para um passeio no carro do patrão. E se o filme não se furta da aberta pieguice, sobretudo na figura de Manu, mas também na pouco verossímil Flora, sensível a todo e qualquer drama que testemunha, e se sua elaboração dramatúrgica pelo elenco soa por demais limitada, sobretudo quando confrontada com imagens de cunho documental das próprias vítimas da guerra em seu testemunho a um programa de TV, muito mais contidas que o arremedo tosco apresentado por Maria Ceiça, tampouco deixa de demonstrar soluções inteligentes dentro das convenções que abraçou. É o caso, por exemplo, do flerte entre Joana e Vitorio, pertencentes a dois mundos sociais distintos, mas que ao final permanecem polares – com o gesto de solidariedade de Joana não extinguindo as distinções sociais abissais entre ambos, ela saindo com Pedro de carro após o programa de rádio e Vitorio a se deslocar com dificuldade com sua muleta. E a própria ação se dando através de uma espécie de “troca de favores” em que ambos os lados sairiam beneficiados. Destaque para um elenco multinacional que vai do senegalês Diop, passando pelas brasileiras Maria Ceiça e Neuza Borges e chegando à portuguesa Patrícia Bull.  David & Golias/Les Films de l’Après-Midi/Gamboa & Gamboa. 97 minutos.

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