O Dicionário Biográfico de Cinema#160: Akim Tamiroff



 Akim Tamiroff (1899-1972), n. Baku, Rússia

Tamiroff foi um atarracado vagabundo, pronto a te vender um ícone falso ou uma fotografia suja; seu rosto modificou-se tão prontamente em um sorriso de júbilo ou um desprezo desdenhoso; ele nunca poderia escapar de uma pitada de suor e dificuldade de respirar ou a ideia de alguns alojamentos miseráveis de onde ele emergia todos os dias com implausível elegância. E, no entanto, conseguiu ser um dos homens mais sedutores do cinema, um especialista da louca vida de estrada como ator coadjuvante. 

Foi chamado a mais tortuosa arte de atuar numa época em que a seriedade era a nova moda russa. Em 1920, uniu-se ao Teatro de Arte de Moscou, então comandado por Stanislavski. Ele esperou que o Teatro levasse Tchecov e Górki aos Estados Unidos em 1923, e caiu em algum lugar no meio do caminho, optando pela personagem do perpétuo refugiado. Isto foi dez anos antes dele entrar para o cinema: tempo de aprender inglês, e então decorá-lo com um sotaque que se movia, em uma palavra, do gemido ao rosnado.

Os anos 1930 foi a era dos intérpretes coadjuvantes: trabalharam em diversos filmes à época, um mercador de haxixe na Paramount esta semana; na próxima semana, nos Warners, um escorregadio intermediário em um mercado de escravos brancos. Diretores confiaram em homens como Tamiroff inventassem seus próprios personagens, e lhe foi permitida grande liberdade tão longe estivesse contente com sua vilania lúgubre e monótona. Mas o sistema hollywoodiano nunca levou os vilões à sério; raramente os permitiu a serem bravos, inteligentes, engenhosos, ternos ou criativos - todas qualidades que tornam os vilões da vida real tão interessantes. Tamiroff reconheceu esta deficiência e criou um vilão unicamente covarde, um mentiroso tão ineficiente e chantageador, com aquele desamparado brilho insosso: um  homemzinho atarracado com um carranca insegura e um rosnado ansioso, alarmado por qualquer outra coisa que não a submissão imediata de suas vítimas. 

Os filmes de Tamiroff hoje circulam quando as pessoas respeitáveis já foram para a cama. É apenas um maçante entre eles, ou alguém que não ganha vida durante os vinte minutos em que floresce: Okay America [Okay America!] (32, Tay Garnett); Gabriel Over the White House [O Despertar de uma Nação] (33, Gregory La Cava); Storm at Daybreak [Aurora de Duas Vidas] (33, Richard Boleslavski); Queen Christina [Rainha Christina] (33, Rouben Mamoulian); Sadie McKee [Três Amores] (34, Clarence Brown); The Merry Widow [A Viúva Alegre] (34, Ernst Lubitsch); The Captain Hates the Sea [O Capitão Odeia o Mar] (34, Lewis Milestone, colega exilado russo que utilizou Tamiroff meia-dúzia de vezes); Lives of a Bengal Lancer [Lanceiros da Índia] (35, Henry Hathaway); China Seas [Mares da China] (35, Tay Garnett); The Story of Louis Pasteur [A História de Louis Pasteur] (35, William Dieterle); Anthony Adverse [Adversidade] (36, Mervyn LeRoy); The General Died at Dawn [O General Morreu ao Amanhecer] (36, Milestone), como um chinês; Desire [Desejo] (36, Frank Borzage); King of Gamblers [O Amor é como um Jogo] (37, Robert Florey); The Great Gambini [O Famoso Gambini] (37, Charles Vidor); High, Wide and Handsome [Alegre e Feliz] (37, Mamoulian); Dangerous to Know [Verdugo de Si Mesmo] (38, Florey); The Buccaneer [Lafite, o Corsário] (38, Cecil B.DeMille); Spawn of the North [Lobos do Norte] (38, Hathaway); interpretando dois papéis - o presidente de uma república de bananas e um mascarado - em The Magnificent Fraud [Caviar para Sua Excelência] (39, Florey); King of Chinatown [O Rei do Bairro Chinês] (39, Nick Grinde); Union Pacific [Aliança de Aço] (39, DeMille); Disputed Passage [Deuses de Barro] (39, Borzage); North West Mounted Police [Legião de Heróis] (40, DeMille); The Great McGinty [O Homem que Se Vendeu] (40, Preston Sturges); The Corsican Brothers [Os Irmãos Corsos] (41, Gregory Ratoff); Tortilla Flat [Boêmios Errantes] (42, Victor Fleming); Five Graves to Cairo [Cinco Covas no Egito] (43, Billy Wilder); For Whom the Bell Tolls [Por Quem os Sinos Dobram] (43, Sam Wood); His Butler's Sister [A Irmã do Mordomo] (43, Borzage); The Bridge of San Luis Rey [A Ponte de São Luís Rei] (44, Rowland V. Lee); Dragon Seed [A Estirpe do Dragão] (44, Jack Conway); como fantoche para o Vidocq, de George Sanders, em A Scandal in Paris [Vidocq] (46, Douglas Sirk); Fiesta [Festa Brava] (47, Richard Thorpe); My Girl Tisa [Anos de Inocência] (48, Elliott Nugent); Outpost in Morocco [Posto Avançado em Marrocos] (49, Florey); Black Magic [Memórias de um Médico] (49, Ratoff), seu primeiro filme com Orson Welles; Desert Legion [Legião do Deserto] (53, Joseph Pevney); They Who Dare (54, Milestone); The Widow [La Vedova X] (55, Milestone); Anastacia [Anastácia, a Princesa Esquecida] (56, Anatole Litvak); The Black Sleep [A Torre dos Monstros] (56, Reginald Le Borg); como um oficial chinês em Yangtse Incident (57, Michael Anderson); Me and the Colonel [Eu e o Coronel] (58, Peter Glenville); Ocean's 11 [Onze Homens e um Segredo] (60, Milestone); Romanoff and Juliet [Romanoff e Julieta] (61, Peter Ustinov); Il Giudizio Universale [O Juízo Universal] (61, Vittorio De Sica); como "Monsignor Cupido", com Gina Lollobrigida, como um besouro em sua montanha russa de curvas em La Bambole [As Bonecas] (64, Mauro Bolognini); Topkapi (64, Jules Dassin); Lord Jim (65, Richard Brooks); Marie-Chantal Contre le Docteur Kha (65, Claude Chabrol); Caccia alla Volpe [O Fino da Vigarice] (66, De Sica); Great Catherine [Catarina da Rússia] (Gordon Flemyng, 68); e Then Came Bronson (70, William A. Graham).

Sua elegante e astuta servilidade foram feitas para a monumental auto-glorificação de Welles. Em três filmes juntos, apresentaram o mesmo espetáculo duplicado de Akim escondendo-se temeroso sob a grande barriga de sultão. Em Confidential Report [Grilhões do Passado] (55), Tamiroff foi Jacob Zouk, um companheiro do crime eleiminado por Welles. Em Touch of Evil [A Marca da Maldade] (58), respirava alho ansiosamente como Tio Joe Grandi, o petulante rufião da fronteira, tão confuso e nervoso, que quando se move rapidamente sua peruca cai. Uma vez mais, foi assassinado, estrangulado pelo corrupto chefe de polícia de Welles. E em The Trial [O Processo], foi Bloch, o cliente desesperado para o advogado indiferente de Welles, humilhado mas ainda dependente. Por então, Kafka pode ter parecido para ele quase um escritor documental. 

O Processo foi todo rodado na Europa, quando o dinheiro e as oportunidades coincidiam; em forma nada dessemelhante, desde que Tamiroff havia interpretado Sancho Pança no Don Quixote, de Welles. Mas, uma vez os papéis de coadjuvante tendo rareado, Tamiroff vagou de um empreendimento bizarro a outro. Um filme captou exatamente sua situação de pária: Alphaville (65), de Jean-Luc Godard, no qual interpretou Henri Dickson, um fatigado detetive particular, morrendo em um esquálido hotel de algum glacial subúrbio da cidade computadorizada. Seu final chega neste filme, quando tenta reavivar nas armas frias de uma "sedutora de segunda classe". Recorda-se de um passado sublime, não muito distante do ator do Teatro de Arte de Moscou, que preferiu os frios e efêmeros palcos de som do mundo: "Obrigado, Madame Pompadour...ah, Madame Bovary...Maria Antonieta...este amor...o amor...e sei ele em russo também...ah, querida."

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2595-98. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar