Diretoras de Cinema#9: Agnieszka Holland

 


HOLLAND, AGNIESZKA (1948). Polônia/França/Alemanha/Estados Unidos. A carreira formidável de Agnieszka Holland vai do filme de fantasia infantil The Secret Garden (O Jardim Secreto, 1993) ao longamente censurado thriller político Goraczka (Fever, 1981). Holland é uma autora de cinema cujo selo pessoal de realismo mágico é distinto e notável. Sua abordagem da violência, seja política ou familiar exala, como o crítico Frederick Jameson nota "uma estranha e poética realidade visual." (p. 305). Nascida em Varsóvia, Polônia, em 28 de novembro de 1948, Agnieszka Holland é judia. Vivenciou de primeira mão os horrores do anti-semitismo, quando a família inteira de seu lado paterno foi assassinada sobre o regime nazista na Segunda Guerra Mundial. Holland foi educada na Tchecoslováquia. Graduou-se em 1971 pela Escola de Cinema de Praga. Seus primeiros filmes foram produções para a televisão tchecoslovaca. Holland co-dirigiu Zdejecia (Screen Test), com Andrzej Wajda, de quem se tornou proximamente associada, em 1977. E escreveu os roteiros de muitos dos filmes de Wajda, incluindo Bez Znieczulenia (Sem Anestesia, 1978) e Danton (Danton - O Processo da Revolução, 1982). Em 1979, Holland dirigiu Aktorzy Prowincjonalni (Provincial Actors), que ganhou o prêmio da crítica no Festival de Cannes. 

Provincial Actors apresenta um uso inicial do realismo poético de Holland em um período político vagamente alegorizado na forma da peça-dentro-do-filme. A companhia de intérpretes no filme monta a peça polonesa Liberation, ainda que Holland apresente a atmosfera sufocante de conformidade e anseios por liberdade que o elenco vivencia. Abusados por um diretor tirânico, que obviamente representa a figura de proa das forças colonizadoras que governam a Polônia, um ator vivencia um colapso. Como resultado, sua relação com sua esposa se torna insustentável. Como Barbara Quart observa "a fúria e a miséria dos mundos exterior e pessoal são inseparáveis" no filme (p. 232). O filme de Holland é claramente um chamado para uma insurreição. Como um crítico percebe é "uma constatação sobre a perda de confiança e paralisia moral e um chamado para a ousadia e a integridade." (Turaj, p. 158). As posições políticas de Holland eventualmente lhe trouxeram problemas com o governo. 

O filme seguinte da cinesta, Fever, foi banido pelo governo polonês por muitos anos. Baseado em um romance de Andrzej Strug, A História de uma Bomba, Fever é outro filme de grande esforço político, ambientado na virada do século, quando a Polônia luta pela independência, e os trabalhadores batalham por seu reconhecimento, em 1905. Fever venceu o Grande Prêmio do Festival de Golansk. O tratamento de Holland do material é um retrato sombrio da violência e custos pessoais da revolução fracassada. Holland distingue-se pela descrição realista dos desorganizados e egotistas anarquistas e dos espiões da polícia, traidores, e membros corruptos da burguesia que trabalham contra o levante político. Lançado logo após a imposição da lei marcial na Polônia, o filme foi quase imediatamente banido por conta de seu retrato brutalmente realistíco das forças de ocupação soviéticas. Fever suplanta a narrativa unificada e coesa dos mais nostálgicos reprocessamentos da história. Holland rompe com o discurso monológico e revela os vácuos do processo de feitura da história. "Não estamos mais necessariamente em mãos confiáveis", observa Frederick Jameson. "As coisas podem nunca fazer sentido." (p. 306). 

O próximo filme de Holland, Kobieta Samotna (A Woman Alone, 1981) foi o último que dirigiu na Polônia. A Woman Alone faz uma crônica da situação de uma mãe solteira empregada como carteira, que desfalca do dinheiro de pensionistas, em um ato de desespero. O filme explora o tema da ausência moral e depravação humana. A personagem central, Irene, é massacrada pela pobreza e espancada até a morte por seu amante. A única figura de esperança no filme é o filho de Irene, o qual observamos em um lar adotivo, esperando por sua mãe.

Após a imposição de corte marcial, Holland emigrou a Paris, onde começou a planejar Bittere Ernte (Colheita Amarga, 1985), que foi produzido na Alemanha Ocidental. Holland fez uso de sua experiência de judia polonesa no roteiro, ambientado na Segunda Guerra Mundial. O filme analisa o problemático caso de amor entre uma judia (interpretada por Elisabeth Trissenaar), fugindo dos nazistas, e um fazendeiro alemão (vivido por Armin Mueller-Stahl), que a esconde. Indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro, Colheita Amarga é um poderoso estudo sobre identidade, repressão sexual, gênero e vitimização política. A ambiguidade moral ao centro do filme é poderosamente transmitida através da narrativa e através de sua fotografia visceral e poética. 

Holland equaciona diretamente relações sexuais com manipulação fascista e vitimização em Colheita Amarga. Confundindo novamente o pessoal com o político, ela reúne o casal em um emaranhado romântico e sádico, terminando com a figura liberada do fazendeiro se tornando um amante ciumento, dominador e brutalizador. Como Holland comentou com Peter Brunette, "[A] idéia de posse, de possuir coisas e pessoas, é um tema importante no filme." (p.16). Violência e poder são inexoravelmente vinculados em uma disputa amarga por dominação política e sexual, como Colheita Amarga confirma.

Os dois filmes seguintes de Holland, Europa, Europa (Filhos da Guerra, 1990) e Olivier, Olivier (1992) retornam aos inevitáveis temas da ambiguidade moral, violência e poder. Filhos da Guerra foi produzido na França e foi um sucesso internacional. A trama se baseia em uma história real de um jovem judeu alemão, que se passa como gentio, como forma de sobreviver a Alemanha nazista. O filme explora as complexidades de identidades alternativas e obediências nacionais empurrados sobre os judeus e europeus na Segunda Guerra, em um tratamento quase existencial da escolha moral.

Olivier, Olivier é um filme horripilante sobre uma mãe (Brigitte Rowan) que perde sua identidade enquanto busca seu filho desaparecido. Como Holland nunca vacila a respeito dos atos sórdidos de violência sexual, o garoto perdido em seu filme vem a ser vítima de um molestador de crianças e brutal assassino. No entanto, em uma tipicamente bizarra reviravolta na trama, Holland cria um personagem que finge ser o filho desaparecido da mulher, em outro exemplo de "trânsito" e a mobilidade da identidade característica nos roteiros de Holland. O impostor é um vagabundo de rua (interpretado por Gregoire Colin), que encanta a mãe, que precisa tão desesperadamente de um filho, para encontrar sua identidade, aceitando-o mesmo quando descobre a verdade. Como observa J. Hoberman, Olivier, Olivier opera "em um mundo sobrenatural de afinidades inexplicáveis, desejos realizados, poderes ocultos, coincidências bizarras e padrões enigmáticos."

A magia e o sobrenatural são belamente evocados no mais recente filme de Holland, O Jardim Secreto (1993). Da história de assombração infantil de Frances Hodgson Burnett, trata-se da primeira produção de Holland para um grande estúdio hollywoodiano. Estrelado por Maggie Smith e Mary Lennox, é uma revigorante rendição poética ao ponto de vista de uma criança. Holland combina suntuosa fotografia, narrativa engenhosa e uma história centrada em uma menina com seu característico realismo mágico em O Jardim Secreto. Em 1986, Agnieszka Holland já havia demonstrado sinais que desejava ser capaz de dirigir filmes comerciais, não apenas políticos, reclamando a Peter Brunette, "para mim a coisa que é mais irritante é que você seja condenada a ser política." (p. 17). Com O Jardim Secreto, Holland provou que poderia se deslocar para o cinema comercial; no entanto, mesmo a história infantil pode ser lida como uma alegoria política. A garotinha do filme demonstra como o jovem garoto doente pode ser independente em face de um pai manipulador e dominador que necessita que seu filho permaneça aleijado para satisfazar suas próprias  carências psicológicas.

As implicações políticas e alegóricas de O Jardim Secreto são óbvias. O sucesso do filme é tributário do estilo de assinatura autoral de Holland e sequiosa por filmes que protagonizem meninas e a busca de suas heroínas. O cinema de Agnieszka Holland se adequa a definição de uma autora feminista, como definida por Teresa de Lauretis. O de Holland é um cinema "engajado em projeto de visão transformadora por (re)inventar as formas e processos de representação." (p. 158). Ao redefinir o cinema político e movimentar a política em espaços privados e públicos, Agnieszka Holland se supera enquanto poeta do cinema internacional.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Wieczor u Abdona (Evening of Abdon's) (1974)

Niedzielne dzieci (Sunday Children) (1976)

 Cos za cos (Something for Something) (co-dirigido por Andrzej Wajda) (1977)

 Aktorzy Prowinejonalni (Provincial Actors) (1979)

 Goraczka (Fever) (1981)

 Kobieta samotna (A Woman Alone) (1981)

 Bittere Ernte (Colheita Amarga) (1985) 

 To Kill a Priest (Complô Contra a Liberdade) (1988)

 Europa, Europa (Filhos da Guerra) (1990) 

 Olivier, Olivier (1992) 

 The Secret Garden (O Jardim Secreto) (1993)

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

Brunette, Peter. "Lessons from the Past: An Interview with Agnieszka Holland." Cineaste 15.1 (1986): 15-17.

 de Lauretis, Teresa. "Rethinking Women's Cinema." In Multiple Voices in Feminist Film Criticism, (Org.) Diane Carson, Linda Dittmar, and Janice Welsch, 140-61. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. 

 Hoberman, J. "The Eternal Return." Village Voice (March 2, 1993): 23. 

 Jameson, Fredric. "On Magic Realism in Film." Critical Inquiry 12.2 (winter 1986): 301-25. 

 Quart, Barbara. Women Directors: The Emergence of a New Cinema. New York: Praeger, 1988. 

 Turaj, Frank. "Poland: The Cinema of Moral Concern." In Post New Wave Cinema in the Soviet Union and Eastern Europe, (Org.) Daniel J. Goulding, 143- 71. Bloomington: Indiana University Press, 1989.

Texto: Foster, Gwendolyn. Women Film Directors - An International Bio-Critical Dictionary. Westport/Londres: Greenwood, 1995, pp. 186-89.

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