Filme do Dia: Eu Matei Jesse James (1949), Samuel Füller

 


Eu Matei Jesse James (I Shot Jesse James, EUA, 1949). Direção e Rot. Adaptado  Samuel Füller, a partir do artigo de Homer Croy. Fotografia Ernest Miller. Música Albert Glasser. Dir. de arte Frank Hotaling. Cenografia John McCarthy Jr. & James Redd. Figurinos Alfred Berke. Com John Ireland, Barbara Britton, Preston Foster,  Reed Hadley, J. Edward Bromberg, Victor Kilian, Tom Tyler, Tommy Noonan, Barbara Wooddell, Jeni Le Gon.

Robert Ford (Ireland), tentado pelo dinheiro e notoriedade, assim como em assegurar o casamento com sua Cynthy (Britton), que conhece desde a infância, assassina pelas costas o célebre e controverso Jesse James (Hadley), recebendo o perdão do governador após ser condenado à forca, mas ganhando apenas uma fração ínfima da recompensa. Cynthy passa a evita-lo após o crime e Ford acredita que ela é amante de Kelley (Foster), a quem Cynthy imediatamente avisa que deve partir, senão será vítima da sanha de Ford. Este, após um tempo, decide se tornar sócio de Soapy (Kilian), na exploração de uma mina de prata, próximo a Creed,  no Colorado, mesmo local que Kelley resolveu se tornar xerife. Com o sucesso da empreitada, Ford monta um luxuoso ambiente para Cynthy, que chega acompanhada de seu empresário, Harry Kane (Bromberg) e sua camareira, Veronica (Le Gon). Cynthy se sente insegura e amedrontada em se casar com Bob. Kelley a visita, mas a conversa de ambos é interrompida pela chegada inesperada de Frank James (Tyler), que veio vingar o irmão. Ele é, no entanto, capturado por Kelley. Frank James é inocentado no julgamento e encontra Bob Ford no saloon, decidindo não executá-lo, mas lhe contar que Cynthy está apaixonada por Kelley. Bob Ford sai a caça do xerife. E o confronto final se dá.

Não se aconselha, de modo algum, que se assista esta produção seguida da talvez mais célebre envolvendo o universo dos personagens em questão, Jesse James, lançada uma década antes. A primeira evidência a saltar aos olhos é sua pobreza material , típica do filme– em p&b, com elenco virtualmente desconhecido, inclusive os principais – B. E, bem pior que isso, a deselegância de sua estética quando comparado ao que Bazin chamara a maturidade da decupagem clássica do final da década anterior. Em termos narrativos a coisa não fica melhor, quando se pensa a organicidade com que que o filme de King narra um momento diverso , mas com breve sobreposição, da história de um dos maiores vultos do Velho Oeste, e aqui se tem, por exemplo, o encavalamento de uma tensão vivida entre um músico que já apresenta a narrativa do covarde Bob Ford para o próprio Bob, sem o saber, com um atentado contra sua vida, logo que sai do saloon, seguido pela descoberta de minas de prata, em uma único momento. E, ainda pior, a fragilidade de um roteiro, onde Frank James parte para outro estado para vingar o irmão mas, ao invés disso, prefere passar a batata quente para Kelley. Ou seja, servindo como mero adjuvante para a história avançar. E há um excesso de suspense ou tentativa de, nos ruídos que antecedem as entradas de porta e nunca são as esperadas pelos personagens. Britton como Cynthy, representa o oposto da mulher de Jesse, sofrida, submissa e destituída de encantos. Lembra a Marilyn de início de carreira, mais ou menos por essa mesma época, com a diferença de que é a atriz principal.  Isto vale sobretudo para quando se encontra de perfil, seu nariz arrebitado, mas também a forma como gira sobre seu próprio eixo e o incômodo expresso através de um franzir de cenho e os olhos dançando rápidos em suas órbitas, as mãos postas à altura quase do busto, tensas e um amuo sensual com a boca. Já quando se compara os atores que vivem os personagens principais com a produção anterior, é sofrível a atuação em chave única e apatetada de Ireland, mesmo quando comparado a um trabalho rotineiro de gênero para Tyrone Power, que vai de cruel com seu próprio bando, a determinado momento, às lagrimas mal contidas nos próprios olhos quando conhece seu filho; embora, verdade seja dita, o personagem nada fica a dever, guardadas as proporções, a sua atualização em  O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007) .  Duas cenas sugerem, mesmo que a contrapelo, uma alusão homoerótica. A primeira é que Jesse pressente que Bob Ford observa suas costas e pede que ele as esfregue, no banho. E pouco antes de sua morte, ele se levanta e fica algo catatônico após comentar que se sente como nu, quando não está armado, sendo que acabara de se livrar de seu coldre, encontrando-se de costas, uma vez mais, para Ford. E se havia mínima intenção do realizador em trazer alguma camada metanarrativa ao não deixar de apontar a tentativa, malsucedida diga-se de passagem, de Bob Ford ganhar a vida repetindo nos palcos o ato que o tornou célebre em vida, foi um fiasco. Até mesmo quando se observa os dois personagens negros dos dois filmes, a Veronica de Füller, camareira de Cynthy é de uma invisibilidade que sequer é mencionada na chegada de carruagem junto com o patrão e Cynthy, enquanto Pinkie, mesmo numa função de apoio típica de sua época – sem o que de ridículo que Fleming impôs no célebre filme que dirigiu no mesmo ano de King a boa parte de seu elenco negro – não o é. Füller, com sua estreia, filmada em dez dias, embora tenha emplacado um razoável sucesso e recebido imediatamente novas propostas,  conseguiu melhores resultados no desconhecido e modesto estúdio que produziu este filme com Capacetes de Aço, lançado dois anos após este. Lippert Pictures para Screen Guild Prod. 80 minutos.

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