Filme do Dia: Promiscuidade, os Pivetes de Kátia (1984), Fauzi Mansur

 


Promiscuidade, os Pivetes de Kátia (Brasil, 1984). Direção: Fauzi Mansur. Rot. Original: Luiz A. Kopezki & Fauzi Mansur. Fotografia: Gesvaldo Arjones Abril. Montagem: Joaquim Rodrigues de Souza. Cenografia: Alfredo Scarlatti Júnior. Com: Cristina Martinez, Ênio Gonçalves, Sérgio Hingst, José Lucas, Livi Bianco, Rubens Pignatari, André Loureiro, Daliléa Ayala, Mara Carmen, Rita Marta.

Kátia (Martinez), vai buscar toda sorte de prazeres,  não conseguidos com seu marido, Mauro (Gonçalves), aparentemente impotente desde um acidente ocorrido tempos atrás, em meio aos trilhos de seu trabalho como engenheiro ferroviário, com vários meninos que circundam um iate da família. A vida de harmonia do casal e suas relações com a família se transformam radicalmente após o crescente alcoolismo de Mauro, assim como sua libertina família. Cansados dele, sua família tem planos de mata-lo. Ao saber da situação, Mauro se antecipa e cria estratégias para matar cada um deles.

A indigência de atores populares macaqueando a elite decadente descrita pelo filme pode ser observada sob o mesmo signo do constrangimento, irritação ou histrionismo que os critícos dos anos 20, observavam as produções ficcionais brasileiras, efetuadas por modestos elementos oriundos da pequena burguesia, a representarem personagens mais elitizados. Ou ainda sob uma leitura anárquica jeanrouchiana da incorporação do outro de classe, mesmo que distantes do transe (a não ser o erótico, que não poupa vestimentas curtas, seios e pernas em destaque, sobretudo femininas, mas aqui e acolá igualmente de seus atores homens). Porém, menos que essas duas sugestões, ressalta-se mais o quão canhestro são seus atores, o que provoca um efeito anti-naturalista, algo fassbinderiano, que não deixa de ter seu encanto, como em umas poucas cenas isoladas, a exemplo do primeiro reencontro em família. E a isso se pode somar sua habilidade no trabalho de câmera, sua bela fotografia, vaporosa, criando uma atmosfera por vezes onírica e o uso ocasional da música. Seus planos-sequencias são coroados com a virtuosidade do plano que acompanha desde a chegada do carro com  a “comitiva” que pretende executar Mauro, observada do outro lado dos trilhos, até a subida no vagão. Não deixa de existir um flashback em p&b que apresenta o motivo da impotência do Mauro de Gonçalves, que logo se transformará em um alcóolatra mau caráter – a queda que provoca a impotência, de um vagão de trem, so é menos hilária que a corrida de Kátia para acudi-lo. O modo como os personagens voyeurizam cenas de amor dos outros não parece muito distante dos filmes pornográficos franceses dos anos 20, embora o que falte do viés cômico daqueles soçobre em termos de liberalidade na mansão em questão, com as pessoas se entregando a seus instintos como se não houvesse amanhã (ou outras pessoas compartilhando o espaço). Do mesmo ano em que, por pressão crescente da indústria do cinema erótico, Mansur passaria a incluir sexo explícito em seus filmes. – e aqui, a nudez chega a ser pudica em relação mesmo a algumas poprnochanchadas da década anterior; embora se deva levar em conta que pode ser uma versão censurada, já que algumas fontes apontam-no como sete minutos mais longo . Ao final, numa reviravolta um tanto inesperada em relação ao que se havia acompanhado até então, o triunfo parece ficar do lado do único que não mais usufrui do sexo, portanto lê-se como o menos corrputível. Porém, o que chama mais atenção é menos isso que a mudança de chave do próprio filme, que passa a investir no suspense ou cinema-catastrófe premeditado a partir de Mauro. Esse, tem um riso incontrolável e catártico em seu sado-masoquismo, em sua mescla de gozo e dor, que parece equiparável a personagem, cuja característica será mais ressaltada cinematograficamente em Coringa. Pela mescla entre talento visual e precariedade de valores de produção, assim como de namoro com os gêneros tradicionais (aqui de forma mais secundária) de uma maneira um tanto trash, paralelos podem ser traçados com parte da produção assinada por Monte Hellman.  Virgínia Filmes para Alfa Filmes. 83 minutos.

 

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