Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#57: Miguel Littín
LITTÍN, MIGUEL (Chile, 1942). Miguel Littín, foi a liderança entre os diretores cinematográficos durante o curto período do regime presidencial de Salvador Allende (1970-1973), e tenha talvez se tornado o cronista mais importante do período e o mais prolífico diretor de cinema chileno depois de Raúl Ruiz. Nasceu em Palmilla, Chile, e estudou teatro na Universidad de Chile, nos primórdios dos anos 60. Passou a trabalhar para a televisão universitária, que na época era controlada pela esquerda. Aparentemente, como outros, foi tocado pela visita de Joris Ivens quando foi ao Chile realizar o documentário ...A Valparaíso, em 1962 e em 1964 foi assistente de Helvio Soto em seu curta, Yo Tenía una Camarada. Littín concluiu a direção de seu primeiro curta, Por la Tierra Ajena, um documentário, em 1965.
Um avanço maior sobreveio em 1967, com o Encontro dos Realizadores Norte-Americanos no primeiro Festival Internacional de Cine de Viña del Mar, após o qual quatro realizadores chilenos iniciaram seus primeiros longas-metragens: Soto, Ruíz, Littín e o organizador do festival, Aldo Francia. Litttín havia trabalhado em seu longa por mais de dois anos, mas teve que ficar na fila para usar a mesma câmera de Ruíz, Francia e Carlos Elsesser (que iniciou seu primeiro longa em 1969). Quando concluído, El Chacal de Nahueltoro [O Chacal de Nahueltoro], foi exibido durante a campanha bem sucedida de eleição de Salvador Allende, em 1970, e foi eventualmente visto por estimados meio milhão de pessoas. De fato, até o lançamento da comédia de Boris Quercia Sexo con Amor, em 2003, que estabeleceu um novo recorde nas bilheterias chilenas (lucros de mais de 3 milhões), o revolucionário primeiro longa de Littín foi o filme chileno mais bem sucedido na história, um feito notável para uma obra vanguardista de tal nível de dificuldade.
O segundo longa de Littín, La Tierra Prometida (1972-73), é o mais significativo realizado sob o regime de Allende. Desde O Chacal de Nahueltoro havia uma perspectiva decididamente esquerdista, não sendo surpreendente que após a eleição de Allende, em 1970, Littín foi apontado cabeça da Chile Filmes, a companhia de cinema nacionalizada de trinta anos. Com a Chile Filmes, herdou estúdios dilapidados e uma grande e custosa burocracia. Iniciou workshops de filmagens e encorajou a produção de curtas documentais (sem salários). Littín dirigiu um documentário de média-metragem, gravado de uma conversa entre Allende e Régis Debray, Compañero Presidente [Companheiro Presidente] em 1971, mas ele declinou de sua posição em 1972, frustrado por sua inabilidade de fazer com que a Chile Filmes funcionasse efetivamente. No entanto, manteve boas relações com a companhia adquirida pelo Estado, assim como com o Escritório do Estado de Fotografia do Governo, embora tenha escolhido produzir La Tierra Prometida independentemente. Este foi filmado no Chile central, ao sul de Santiago, na província natal de Littín, Colchagua. Levou oito meses para filmar, frequentemente em terríveis condições climáticas, com fundos em declínio constante. Ainda que o estúdio de som da Chile Filmes ter sido utilizado, nenhumas outras facilidades chilenas foram adequadas para os fins épicos do filme, e ele foi terminado em Cuba.
La Tierra Prometida é baseado em um incidente real de 1932, quando por um curto período, a primeira república socialista se estabeleceu nas Américas, no Chile. Ironicamente, o trágico final do filme prefigura a derrubada de Allende pelos militares, em setembro de 1973, apenas dois meses após sua finalização. Influenciado pelas épicas e longas tomadas do estilo coreografado do húngaro Miklós Jancsó, e mais diretamente pelo tableau em movimento do realizador brasileiro Gláuber Rocha (cujo cinegrafista Affonso Beato, foi empregado no filme), Littín tentou criar sua própria forma épica chilena, simultaneamente mítica e dialética, em La Tierra Prometida. Como Rocha, Littín criou personagens baseadas em fíguras míticas e/ou históricas, cujo status é ambíguo, como a mulher que interpreta a Virgem de Carmo. Ao elencar Nelson Villagra como o líder José Duran, Littín já estava tocando na tipagem do cinema chileno: como o chacal de Nahueltoro, Villagra se tornou o arquétipo do camponês chileno, oprimido mas desafiador. Como Jancsó, Littín encenou planos bem abertos de estilizada atividade coletiva, combinando música e movimeento, para refletir um impulso narrativo mas, ao contrário de seu mentor estilístico, Littín fez uso panorânico da câmera e o movimento das pessoas, cavalos e um trem emblemático para representar um sentido positivo de fluidez, mais próximos de Renoir que de Jancsó. Ao utilizar letras de canções e penetrantes diálogos, Littín foi capaz de transmitir algumas ideias políticas chaves, tais como a busca por esforço coletivo e a unidade interna e transnacional. É impossível dizer se o chileno foi completamente bem sucedido em sua ambiciosa tentativa de criar um modelo de nuevo cinema latinoamericano, porque La Tierra Prometida [A Terra Prometida] nunca foi lançado no seu país natal, mas em reconhecimento de sua abordagem experimental do socialismo, seu filme estreou no festival de cinema de Moscou, em 1973, e foi lançado nos Estados Unidos, após sua estreia norte-americana no Festival New Directors/New Films, em março de 1974, em Nova York.
Durante o golpe de 1973 do General Auguso Pinochet (1973-1989), Littín foi capaz de escapar da prisão quase certa enquanto visitiva a Chile Filmes, por ser erroneamente identificado (deliberadamente), como um morador que residia nas vizinhanças, por um sargento amigo. Foi bem sucedido em buscar asilo político na embaixada mexicana e voou para a Cidade do México. Mas outros que trabalharam em A Terra Prometida não foram tão afortunados. Muitos dos residentes de Santa Cruz que aparecem no filme foram assassinados, durante a brutal campanha de represálias do regime militar. Carmen Bueno (que interpretou a companhia de Durán, Meche) e seu namorado Jorge Müller Silva, um operador de câmera foram presos, em novembro de 1974, pela polícia secreta chilena e posteriormente "desaparecidos", apesar dos esforços internacionais para salvá-los.
Littín foi capaz de continuar uma carreira bem sucedidida de direção no exílio, frequentemente realizando co-produções. Seu primeiro filme realizado no México, Actas de Marusia [Acontecimentos de Marusia, 1976], recebeu uma indicação de Melhor Oscar de Filme de Língua Estrangeira, e seus dois seguintes foram baseados em obras de grandes escritores latino-americanos: El Recurso del Método [O Recurso do Método, México/Cuba/França, 1978], do romance do renomado autor cubano Alejo Carpentier, e La Viuda de Montiel [A Viúva de Montiel, Colombia/Venezuela/Cuba/México, 1980), do romance do grande escritor colombiano Gabriel García Marquéz. Para seu filme seguinte, Alsino y el Condor [Alsino e o Condor] (1982), Littín reuniu um grupo de co-produtores cubanos, mexicanos e costa-riquenhos para realizar o primeiro longa pós-revolucionário nicaraguense. Alsino também foi indicado ao Oscar e distribuído na América do Norte, tornando-se o projeto mais bem sucedido desde O Chacal. Retornou então clandestinamente ao Chile para filmar com equipes técnicas separadas da Itália, França e Holanda. A celebrada narrativa dessa missão perigosa e complexa por García Marquéz, La Aventura de Miguel Littín Clandestine en Chile (1986), foi publicada em inglês, asism como espanhol, fazendo com que o filme resultante, Acta General de Chile [Atas do Chile, Espanha, 1986], fosse um dos mais antecipados na história.
Littín continou a ser uma importante figura crítica na cena cinematográfica mundial, completando um filme para a televisão sobre Augusto César Sandino (Sandino) na Espanha, em 1990, retornando por fim a sua pátria, e se tornando o prefeito de sua cidade natal, Palmilla, em 1992. Littín dirigiu seu primeiro filme chileno em vinte anos, Los Náufragos [Os Náufragos], uma obra retrospectiva bastante deprimente, que foi exibido na Mostra Um Certo Olhar, de Cannes, em 1994. En 1996 foi reeleito prefeito de Palmilla por mais quatro anos. Seu filme seguinte, de três horas, Tierra del Fuego [Terra de Fogo], também exibido em Um Certo Olhar de Cannes (em 2000), e talvez surpreendentemente, foi seguido por um documentário sobre a Palestina (local de nascimento de seus pais). Após realizar outro longa chileno, em 2002, El Abanderado, revisita então suas raízes palestinas com um longa ficcional sobre as relações entre palestinos e judeus, La Última Luna [A Última Lua, 2005), que recebeu prêmios em diversos festivais internacionais, incluindo Huelva (Espanha) e o Festival Internacional de Cine de Cartagena (Colômbia). Apesar de não mais realizar filmes formalmente inovadores, permanece um realizador bastante politicamente comprometido, à esquerda. Seu filme mais recente, Dawson Isla 10 [Dawson, Ilha 10, 2009], foi a submissão do Chile para o Oscar de Filme de Língua Estrangeira, mas não foi indicado.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 366-69.
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