Filme do Dia: A Mulher Proibida (1938), Frank Borzage

 


A Mulher Proibida (The Shining Hour, EUA, 1938). Direção Frank Borzage. Rot. Adaptado Jane Murden & Ogden Nash, a partir da peça de Keith Winter. Fotografia George J. Folsey. Música Franz Waxman. Montagem Frank E. Hull. Dir. de Arte Cedric Gibbons. Cenografia Edwin B. Willis. Figurinos Adrian. Com Joan Crawford, Margaret Sullavan, Robert Young, Melvyn Douglas, Fay Bainter, Allyn Joslyn, Hattie McDaniel, Oscar O’Shea.

Olivia (Crawford) é uma corista que vive em um ambiente artistico considerado demasiado permissivo para os padrões da família Linden, bastante tradicional, mas Henry (Douglas) fica apaixonado por ela e a pede em casamento. Seu irmão David (Young), embora inicialmente não admita, também se sente fortemente atraído por ela. Quando vai morar na exubrante propriedade da família, Olivia tem que lidar com a antipatia da irmã de ambos, Hanna (Bainter) e com o apoio de Judy (Sullavan), esposa de David.

Crawford não conseguia escapar da órbita do triângulo amoroso em seus filmes na Metro dos anos 30. E esse nao é uma exceção. Só que aqui se acrescenta o dado de ser um triângulo antecipado desde muito, por um dos irmãos no jogo. Ele já demonstrara seu desprezo, e ao mesmo tempo atração por Olivia à primeira vista. Desprezo por sua origem social. Atração pelo que ela representa, uma dançarina, alguém longe das origens intocadas da quatrocentona família Lindon, que Judy remete nâo à época colonial, mas ao Gênesis. E também sua figura explicitamente antipática, Hanna, por Bainter, uma espécie de Thelma Ritter que falta carisma e soçobra má vontade. E o filme parece ao menos premonitório dos dramas com fortes nacos autobiográficos que Crawford encarnará futuramente – a atriz chegará a improvisar diálogos em que remete ao seu próprio passado pobre antes do estrelato, associado a lavagem de roupas e sem direito a estudar. E seu persoangem é o de uma corista que ingressa em um mundo já estabelecido, como fora seu estranhamento inicial após casar com Douglas Fairbanks Jr., e passar a frequentar a casa mais ambicionada de sê-lo na Hollywood de então, Pickfair, em que viviam o pai homônimo mais famoso de seu marido e Mary Pickford. Não falta muito para que os dramas que tematizavam mais abertamente as tensões familiares dos anos 50 possam ser aqui percebidas. Assim, há cunhado apaixonado por cunhada, e irmã obcecada por irmão, o que se encontra há poucos passos de duas décadas após e, em alguns casos, talvez até com mais ênfase, como é o caso do beijo “em família” na hora brilhante da qual fala o título, como se os igualmente “impuros” fossem capazes de se detectarem, e por toda a nova civilidade e intenções de Olivia, ainda pairasse sua essência dada à cidade e ao mundo permissivo. Mas tampouco deixa de coexistir outras convenções que não mais entrariam no receituário duas décadas após, como mansões ardendo em brasa, em incêndios cometidos pelo ressentimento, a exemplo do mais típico Rebecca, de dois anos depois. Não muito distante desses é a reviravolta de último momento, há não ser pelo excessivo – aqui o “trauma” que faz com que David volte a se ligar a Judy é vê-la em situação de aparente risco de vida, e ela terá que ter o rosto coberto de bandagens, enquanto nas produções de duas décadas depois as cicatrizes se curam sem necessariamente precisarem deixar marcas físicas.  E não saberemos de quais sequelas ficarão em seu rosto, pois não mais retornamos à personagem; no mesmo ano dessa produção Bainter viveria outra Hannah, em um de seus filmes mais lembrados, Novos Horizontes. E Sullavan seria indicada ao Oscar, também no mesmo ano, por outro filme de Borzage, Três Camaradas. E está radiante no papel de mulher fragilizada por não se sentir tão excitante para o marido quanto a cunhada. Seu diálogo com o cunhado, em meio ao borburinho de uma festa e saudosa do marido, assim como temerosa de seu distanciamento é tão intenso, sem sombra de carregado, tornando-se o melhor momento do filme. McDaniel vive mais uma de suas criadas simpáticas e repletas de conselhos e intuições sobre sua patroa-sinhá, de forma nada dissimilar, guardadas as proporções, de seu papel mais lembrado em ...E O Vento Levou. Mankiewicz além de produtor, colaborou igualmente com o roteiro, sem ser creditado nessa segunda função. E se fosse feita a pergunta se o filme pende mais para Crawford ou Borzage, a resposta seria de longe para a primeira, com seus figurinos e chapéus desenhados sempre por Adrian, ao contrário do mais interessante (e um tanto estranho na filmografia da atriz até então) Almas Rebeldes, que estrelaria dois anos após. E apesar das frivolidades comuns a maior parte dos filmes da atriz na década, não se pode negar que  algo resiste ao brilho meramente ornamental, como é o caso do diálogo em que se observa os graus diversos de enamoramento de Judy e Henry de um lado, de David e Olivia de outro, numa percepção madura e menos romântica das relações que a maior a parte de Hollywood representava e representaria ainda futuramente. Mesmo que marcada pelo convencional instinto de fechamento feliz, na cena mais patética do filme, em que Hanna praticamente comanda o irmão a decisão de não deixar perder Olivia, tocada como parece ter sido, pela voz do coração que ouviu dessa em sua despedida.| MGM. 77 minutos.

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