Diretoras de Cinema#3: Ida Lupino



 LUPINO, Ida (1918-95). Estados Unidos. "Nunca escrevi apenas papéis femininos fortes. Gosto de personagens fortes," (p.172) Ida Lupino falou a Debra Weiner, em 1977. Lupino, a única diretora que conseguiu trabalhar na Hollywood repressora dos anos 1950, é talvez incorretamente caracterizada como uma "anti-feminista" (Weiner, p. 170). Muito frequentemente, críticas feministas pegaram declarações caústicas de Lupino de forma literal. Um dos gracejos mais frequentemente citados de Lupino, aparece regularmente em artigos sobre ela:

  Qualquer mulher que deseje acontecer no universo dos homens não é muito feminina. Querida, não podemos acontecer. Acredito que as mulheres devam ser golpeadas regularmente - como um gongo. (Gardner)

A irreverência de Lupino marca-a como uma figura transgressora, de independência, uma mulher relutante em obedecer às regras de quem quer que seja. Como a citação sugere, possuía um senso de humor negro e uma personalidade irreverente e volátil. Se as coisas que disse exibiram uma dualidade entre o feminismo e uma zombaria em relação às feministas, a obra de Lupino é de uma dualidade ainda mais pronunciada. Como uma generalização ampla, os filmes de Lupino tendem a falar numa voz que adere aos fundamentos heterossexistas do melodrama hollywoodiano dos anos 1950, ao mesmo tempo que, frequentemente, despedaçam as noções de gênero. 

Ida Lupino nasceu de uma família britânica de atores e gente de teatro. Seu pai, Stanley Lupino, foi comediante, e sua mãe, Connie Emerald, atriz. Após aparecer em diversos longas britânicos entre 1932 e 1933, Lupino foi aos Estados Unidos e fez por si própria uma carreira como reconhecida atriz. Mas ela era multi-talentosa. Escreveu roteiros, peças e composições musicais e trabalhou como produtora/diretora independente de cinema e, posteriormente, como diretora de TV bastante requisitada, até tanto tempo depois quanto 1982. Lupino esteve 50 anos trabalhando em Hollywood, tornando-a a mais profícua diretora de Hollywood, e com mais longa carreira. 

Ainda que Lupino frequentemente diga que "nunca planejou se tornar diretora" (Lupino, p. 14; Fuller), outras vezes considera que sempre desejou dirigir filmes: "Acreditem, lutei para produzir e dirigir meus próprios filmes." (Ellis, p. 48)  Lupino era bastante consciente de aparentar que não era excessivamente ambiciosa, a fim de se encaixar nas construções de gênero da Hollywood dos anos 50. Seu trabalho na máquina publicitária de Hollywood é, em si mesmo, fascinante, porque ela continou a ressaltar sua feminilidade e retratar a si própria como uma mulher que acidentalmente trombou com uma capacidade para dirigir. Verdade, o primeiro emprego de Lupino como diretora, para Not Wanted [Mãe Solteira] (1949) aparentemente caiu no colo dela, quando o diretor veterano Elmer Clifton adoeceu três dias após o início da filmagem. Mas Mãe Solteira foi co-escrito por Lupino e lançado através da própria companhia produtora de Lupino, Emerald Productions (posteriormente rebatizada como The Archers), e tem sido argumentado persuasivamente que ela estava buscando a cadeira de direção desde o início da pré-produção.

Mãe Solteira é a história de uma jovem que dá a luz uma criança ilegítima. Um artigo sobre a realização de Mãe Solteira publicado em Negro Digest sugere que Lupino já se encontrava bastante ativa nas etapas de pré-produção do filme. Ela contou a Robert Ellis que estava tentando formar o elenco com um grupo multicultural de mulheres jovens, mas estava tendo problemas de ter sua ideia aceita com "o homem por trás do homem que possuía o dinheiro para o filme" (p. 47) .Lupino foi alertada que "não poderia ter a heroína no mesmo quarto com uma garota negra, hispânica e chinesa" (p. 47).  Apesar de chocada com o racismo do executivo, Lupino cedeu às suas demandas, mas lhe falou que em algum dia "estaria numa posição onde não seria obrigada a seguir um homem com as ideias como as dele" (p.47). Fiel à forma, Lupino "conseguiu levar escondida uma garota chinesa para a cena" (p. 47).

Ao fazer seus filmes, Lupino interpretava o papel de "um dos rapazes" enquanto, ao mesmo tempo, injetava sua agenda feminista e multicultural no filme. Ela anunciou orgulhosamente a fundação de sua nova companhia e sua agenda social. "Tenho uma preocupação no que chamamos Filmakers. Não haverá papéis estereotipados para nenhum grupo nacional" (Ellis, p. 48). Longe de ser uma diretora acidentalmente bem sucedida, Lupino estava mais do que pronta para uma carreira que se movia para a habilidade de produzir/dirigir, e possuía uma visão pessoal dos filmes que pretendia fazer. Como falou a Robert Ellis, "sempre alimentara um desejo de dirigir filmes." (p. 48), e escolheu consistentemente temas centrados em mulheres para seus projetos. 

Ainda que Mãe Solteira proponha ter como tema uma lição melodramática na qual uma jovem se torna grávida e vivencia o sofrimento, Lupino emprega uma perspectiva feminina bastante comum ao melodrama. Esta perspectiva feminina permite contornar o paradigma da punição da mulher sexualmente ativa. No filme, a jovem (interpretada por Sally Forrest) dá o seu bebê para adoção, somente para roubar outro, e termina nas mãos da polícia. Simon Wartong, de Commonweal criticou o filme por "evitar qualquer discussão sobre a imoralidade do comportamento da garota" (Hartung), ainda que essa ausência de punição da mulher sexualmente ativa seja uma chave para compreender o feminismo de Lupino. Embora o filme pareça aderir as convenções genéricas do melodrama, completas com o sofrimento de sua heroína, Mãe Solteira se afasta do modelo usual do gênero, caracterizado pelo esquema "pecado, sofrimento e arrependimento". Não somente Mãe Solteira é um pioneiro melodrama feminista, na tradição de Lois Weber e Dorothy Arzner, mas encontrou uma grande plateia, provavelmente feminina. O filme rendeu mais de 1 milhão de dólares no próprio país.

Os filmes produzidos independentemente por Lupino dos anos 50 não se adequam ao modelo dos escorregadios melodramas do período. Embora acenem para as convenções ideológicas dominantes, tendem a questioná-las. Ao escolher tópicos tais como estupro, bigamia, poliomelite, gravidez indesejada e outros temas controversos, Lupino questionou a construção da ordem moral dos melodramas evasivos dos anos 50, que suscitavam mulheres consumidoras "todas sonhando com o Sr. Certeza, somente para descobrir que não existia Sr. Certeza" (Rickey). Como Carrie Rickey observa, o austero melodrama de Lupino desloca este tipo de narrativa. "Nenhum outros filmes de Hollywood da época promoviam tal sensatez amarga" (p. 43). 

A maior parte dos filmes de Lupino se centra ao redor de heroínas batalhadoras. Outrage [O Mundo é Culpado] (1950), é um dos poucos filmes do período a diretamente representar o estupro e suas consequencias. Never Fear [Quem Ama não Teme] (1950) é o estudo de um dançarina em luta contra a pólio. Hard, Fast and Beautiful [Laços de Sangue] (1951) é um ácido estudo sobre uma mãe que pretende viver a vida através de sua filha, uma jogadora de tênis campeã. O filme ataca o modelo de maternidade defendido na ideologia cultural dos anos 50 e é comparável a crítica de Dorothy Arzner dos papéis sexuais passivos em Craig's Wife [Mulher Sem Alma] (1936). The Bigamist [O Bígamo] e The Hitch-Hiker [O Mundo Odeia-me] (1953) são estudos em noir sobre masculinidade e violência. O feminismo, por vezes ambíguo, de Lupino, exemplifica a carreira de uma diretora que se recusou a se definir como feminista, ainda que claramente empregue uma visão feminista. 

Dos anos 50 aos anos 80, Lupino dirigiu muitos episódios para programas televisivos tais como "Thriller", "Have Gun Will Travel", "The Fugitive" ["O Fugitivo"], "Alfred Hitchcock*" ["Alfred Hitchcock Apresenta", "The Untouchables" ["Os Intocáveis"], "Dr. Kildare", e "The Virginian" ["O Homem da Vírginia". Como atriz, Lupino foi memorável por suas atuações em The Man I Love [Meu Único Amor] (1946), Road House [A Taverna do Caminho] (1948), On Dangerous Ground [Cinzas Que Queimam] (1951), Private Hell 36 [Dinheiro Maldito] (1954), The Big Knife [A Grande Chantagem] (1955), High Sierra [Seu Último Refúgio] (1941), e muitos outros filmes. Lupino continuou a atuar, escrever e dirigir até se aposentar, em 1982. Sempre sentiu que fez seu melhor trabalho como diretora, mais do que atriz, na atmosfera igualitária de The Filmakers. Como disse a Debre Weiner, "[P]or anos nunca teve um período mais feliz em minha vida. Fiquei bastante triste que meus parceiros escolheram partir para a distribuição. Se não tivessem, penso que ainda estaríamos levando adiante hoje." (p. 176) Quando indagada a escolher o seu papel favorito, Lupino escolheu sua encarnação de Emile Brontë em Devotion [Devoção] (1946) (Fuller), uma escolha apropriada para uma artista tão visionária. Lupino foi casada com Louis Hayward entre 1938 e 1945. Divorciou-se de Hayward e casou-se com Collier Young, de quem posteriormente se divorciaria. Casou-se então com o ator Howard Duff, em 1951, e divorciou-se em 1973. Até sua morte viveu em Hollywood e trabalhou em suas memórias. 

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Not Wanted [Mãe Solteira] (1949)
Never Fear [Quem Ama Não Teme] (1950)
Outrage [O Mundo é Culpado] (1950)
Hard, Fast and Beautiful [Laços de Sangue] (1951)
The Bigamist [O Bígamo] (1953)
The Hitch-Hiker [O Mundo Odeia-me] (1953)
The Trouble with Angels [Anjos Rebeldes] (1966)

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

ACKER, Ally. Reel Women: Pioneers of the Cinema, 1896 to the Present. Nova York: Continuum, 1993.
BYARS, Jackie. All That Hollywood Allows: Re-Reading 1950s Melodramas. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1991. 
DOZORETZ, Wendy. "The Mother's Lost Voice in Hard, Fast and Beautiful." Wide Angle 6.3 (1984): pp. 50-57.
ELLIS, Robert. "Ida Lupino Brings New Hope to Hollywood." Negro Digest (agosto de 1950): pp. 47-49.
FULLER, Graham. "Ida Lupino". Interview (outubro de 1991): p. 118.
GARDNER, Paul. "Ida Lupino in Comeback after Fifteen Years". New York Times, 10/10/1972, C 15.
HARTUNG, Philip T. "Not Wanted". Commonweal (12 agosto de 1949): p. 438.
HECK-RABI, Louise. Women Filmmakers: A Critical Reception. Metuchen, NJ: Scarecrow Press, 1984.
JOHNSTON, Claire. "Women's Cinema as Countercinema." in Notes on Women's Cinema, org. por Claire Johnston, pp. 24-31. Londres: SEFT, 1974. (panfleto)
KUHN, Annette. (org.) "Queen of the B's: Ida Lupino Behind the Camera. Wiltshire: Flick Books, 1995. 
LUPINO, Ida. "Me, Mother Directress."Action! (maio-junho de 1967): p. 14-15.
RICKEY, Carrie. "Lupino noir." Village Voice (4//11/1980): p. 43.
SMYTH, Cherry. "Lupino, Ida" in The Women's Companion to International Film. org. por Annette Kuhn e Susannah Radstone, p. 248-50. Berkeley: University of California Press, 1994. 
WEINER, Debra. "Entrevista com Ida Lupino." In Women and the Cinema: A Critical Anthology, org. por Karyn Kay e Gerald Peary. Nova York: Duton 1977, pp. 169-78.. 

Texto:  Foster, Gwendolyn. Women Film Directors - An International Bio-Critical Dictionary. Westport/Londres: Greenwood Press, 1995,  pp. 223-27. 

*N. do E: Alfred Hitchcock Presents é o título completo da série, composta por 268 episódios, que foi ao ar entre 1955 e 1962. 


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