Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#56: Aldo Francia

 


FRANCIA, ALDO. (Chile, 1923-1996). Ainda que tenha realizado somente dois longas-metragens, Aldo Francia foi uma das figuras mais significativas na história do cinema chileno. Nascido Aldo Francia Boido, em Valparaíso, de pais imigrantes italianos, foi enviado para escola na Itália. Estudou medicina na Universidad de Chile, tornando-se doutor em 1949, e trabalhando como pediatra em sua cidade natal por toda a sua vida. Era cinéfilo e ao longo dos anos 60 e 70, antes do golpe militar, Francia foi uma figura de proa no crescimento da cultura cinematográfica chilena. Em Viña del Mar, cidade costeira próxima do principal porto chileno, Valparaíso, fundou um cineclube, em 1962, e foi instrumental em assegurar filmes e convidados para seus eventos. Esta experiência levou Francia a inaugurar o Festival Internacional de Cine de Viña del Mar, em 1967, que teve um papel-chave no desenvolvimento do nuevo cine latino americano.  Também fundou uma revista de cinema, Cine Foro, ensinou em escolas de cinema, e eventualmente se tornou o diretor do departamento de cinema da Universidad de Valparaíso. 

Francia realizou seu primeiro filme para a televisão, em 1959, em  8 mm (Pacena, uma moradora da cidade de Badajor, na Espanha); posteriormente, dentro do clube de cinema, trabalhou tanto com Super-8 como com 16 mm (p.ex., La Escalera, 1963). Acreditava que o cinema deveria ser comprometido com o processo de mudança social, e seu primeiro longa ficcional (Valparaíso Mi Amor, 1969) foi talvez mais próximo do Neorrealismo que qualquer outro filme sul-americano. Baseado em uma anedota sobre um ladrão de gado e inspirado por Ladri di Bicicletti [Ladrões de Bicicletas, Itália, 1949), de Vittorio De Sica, Francia e José Ramon desenvolveram um roteiro sobre um personagem de nome González, que é preso por tentar roubar comida para sua família, abandonando-a, incluindo quatro crianças, em casa, para se defenderem sozinhas. Um garoto é espancado por seus amigos, após ter sido bem tratado por uma família rica; outra, uma garota de 11 anos, prostitui-se com motoristas de taxi. Alguns dos eventos derivaram das próprias experiências de Francia trabalhando em uma clínica infantil (e situações nas quais uma criança pode morrer por ausência de cuidados ou alimentação), umas extraídas de histórias que lhes foram contadas, enquanto outras vieram de registros policiais. Valparaíso Mi Amor inicia poderosamente, com a polícia buscando garotos pobres desamparados, e as locações, incluindo as habitações nas favelas, são bastante reais (e nem sempre efetivamente iluminadas). Os atores infantis são não profissionais, alguns provenientes de uma casa para crianças indigentes e, em última instância, o filme permanece como um testemunho de como os membros mais fracos da sociedade, as crianças, facilmente se tornam vítimas nos países em desenvolvimento.

Valparaíso Mi Amor foi premiado no Festival de Viña del Mal, em 1969, sendo posteriormente exibido no Festival de Berlim, e na Quinzena dos Realizadores, do Festival de Cannes, no ano seguinte. Em 1972, Francia atuou em État de Siege [Estado de Sítio], de Constantin Costa-Gravas, filmado no Chile, interpretando o Dr. Francia! No mesmo ano, dirigiu o seu segundo longa-metragem, Ya no Basta con Rezar, também exibido em Cannes, em 1973; bem depois, este filme venceu o Colón de Ouro no Festival de Cinema Latino-Americano de Huelva (Espanha), em 1975. Porém, como compromissado socialista, Francia abandonou as atividades cinematográficas após a ascensão de Augusto Pinochet ao poder, e retornou ao trabalho em tempo integral como médico.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 257-59. 

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