Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#67: El Chacal de Nahueltoro
El Chacal de Nahueltoro. (Chile, 1970) Baseado em chocantes eventos da vida real dos idos dos anos 60, El Chacal de Nahueltoro, dirigido por Miguel Littín, é uma das obras mais significativas do Novo Cinema Latino-Americano (nuevo cinema latinoamericano) e provavelmente tenha sido vista por mais chilenos que qualquer outro filme realizado no Chile. Foi exibida durante a bem sucedida campanha para a eleição de Salvador Allende por sindicatos, escolas e encontros ao ar livre, e posteriormente lançada nos cinemas em 35 mm.
O filme é dividido em cinco parte desiguais. Ao final dos créditos, que surgem sobre imagens oticamente impressas de rostos angustiados, surge a cartela "sobre a infância, regeneração e morte daquele que atendeu pelos nomes de José del Carmen Valenzuela Torres, Jorge Sandoval Espinosa, José Jorge Castillo Torres". Somos jogados então in media res em um aparente documentário de uma multidão furiosa circundando um homem detido e gritando "Linchem-no". A câmera é canhestramente na mão, e a voz de uma mulher (posteriormente se revelerá ser o registro de uma funcionária da polícia) passa a contar a história de José/Jorge, o chacal, o assassino em massa. O primeiro segmento da narrativa se inicia, intitulado "a infância de José". O estilo visual se modifica abruptamente, com uma nostálgica e lenta panorâmica da silhueta do horizonte, acompanhado pelo som de uma flauta e a voz over de José (Nelson Villagra). Outra mudança ocorre, quando uma câmera em movimento, em ângulo elevado, representa a perspectiva de um cavaleiro que surge, ao que parece, para prender um pequeno garotinho, o jovem José. Em sucessivas cenas curtas José é observado sendo oprimido por militares, a igreja, e o prefeito da cidade, ao que se segue dele posto para trabalhar carregando pesados sacos, e através de uma rápida montagem de repetição eisensteiniana da mesma imagem, o efeito opressivo é magnificado.
Antes do final da sequencia do flashback, somos introduzidos ao motivo da deambulação de José. Observamo-lo pastorando cabras e aprendendo a ser enviado de um local para outro enquanto criança, de um adulto guarda/explorador para outro, como se ninguém o quisesse. O pseudo-documentário em tempo presente resume, com o som da sirene da polícia, visto através do para-brisas de um carro em movimento rápido. Na Ponte Nahueltoro, José é incitado a reencenar seus crimes. Isto desencandeia um regresso ao passado, e o título "As Viagens de José" introduz uma das duas partes mais longas do filme. José fala a respeito de seu primeiro período na prisão, período passado com uma mulher de nome María González, e sua volta a estrada outra vez. Vemos ele bebendo numa combinação de câmera na mão e montagem acelerada que projeta um senso de profundo desespero e delírio, levando a uma das mais interessantes sequencias-planos do filme, no qual encontra a viúva Rosa (Shenda Román). O plano se inicia com uma rápida panorâmica que segue o movimento do corte do machado de Rosa e finda com o som extra-campo de José continuando a cortar a lenha. Entre eles, a câmera revela o trabalho penoso do cotidiano campesino de Rosa, mas também a acaricia ternamente no plano aproximado de seu rosto e suas mãos, particularmente quando passa a seguir o copo de água que ela traz para seu visitante, José. Continuando o flashback, somos convidados a compartilhar a perspectiva de Rosa, quando sua voz capta a história; e através da repetição da imagem de policiais uniformizados expulsando-a de sua casa, o espectador é capaz de identificar a situação de Rosa com a de José. No entanto, ao final deste segmento, quando o filme muda do passado para o presente mais frequentemente, não se poderia senão ficar chocado aos nos darmos conta que José, na verdade, matou Rosa e suas cinco crianças.
A façanha notável do filme é levar uma compreensão dos antecedentes do crime, que parecem hediondos até para o observador mais cínico. Os assassinatos não são descritos graficamente, e fica claro que o "chacal" se encontra em estupor alcóolico em todos os crimes, menos o último. Mas, em sequencia ao breve episódio de "Perseguição e Prisão de José", analisa brilhantemente as forças que rondavam o assassino e indicia o sistema chileno nas duas últimas partes, "Educação e Subjugação" e "A Morte de José". Até este ponto o filme havia regularmente transido de modos, do subjetivo ao objetivo, mas predominantemente se localizando no primeiro, com seu estilo de câmera engajado e cinema verité. Agora a câmera é frequentemente estática, e inicialmente distanciada, permitindo espaço para observar as rotinas regimentais da vida prisional. Ecoando a conexão anterior realizada entre a igreja e o exército, José é guiado e ensinado por um homem de uniforme (Héctor Noguera). Ironicamente, no momento que finalmente se torna "educado" no pleno sentido da palavra - aprendendo sobre sua história nacional, assim como a ler e escrever - José é executado. Um momento-chave do filme é quando um fotograma congelado é utilizado pela primeira vez, quando José é mostrado sorrindo, também pela primeira vez. Ele chuta uma bola e então descobre os prazeres do jogo de futebol, componente importante da cultura chilena. Também aparenta fazer amizades na prisão, aprendendo a se socializar. De fato, El Chacal de Nahueltoro constrói o argumento que para ser uma pessoa marginalizada e ser ignorante, e privado de tudo aquilo que torna uma pessoa completa. Na mesma época que os realizadores cubanos estavam celebrando as conquistas do programa literário de seu país, Miguel Líttin, um marxista, realizava uma inspirada crítica de como as forças combinadas das autoridades chilenas - igreja, militares, escola e estado - continauavam a manter os marginalizados camponeses em pobreza de mente e de espírito, assim como de substância material. Ver também CINEMA EXPERIMENTAL.
Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, pp. 130-2.
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