The Film Handbook#178: Jean Renoir

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Jean Renoir
Nascimento: 15/09/1894, Paris, França
Morte: 12/02/1979, Beverly Hills, Califórnia, EUA
Carreira (como diretor): 1925-1970

Ainda que somente pela rica variedade de sua obra, Jean Renoir permaneceria um dos maiores realizadores de todos os tempos. Sua grandeza, no entanto, reside em sua vontade de experimentar, em sua incansável mescla entre realismo e artifício, e em sua profunda visão não sentimental que todos, bons ou maus, possuem suas razões. Nos filmes de Renoir, forma e conteúdo se combinam para criar um retrato coerente, mas multifacetado, do caos, absurdo e transitoriedade da vida humana.

Filho do pintor impressionista Auguste Renoir, Jean abandonou a cerâmica pelo cinema em 1924, quando produziu um filme a ser estrelado por sua esposa Catherine Hessling, uma ex-modelo de seu pai e atriz de diversos de seus próprios filmes mudos. No mesmo ano que realizou sua estreia na direção com A Filha da Água/Le Fille de l'Eau,  sua fotografia lírica das margens do rio parecendo antecipar um senso de natureza quase panteísta que seria recorrente ao longo de sua carreira. A variedade de seus filmes silenciosos, de fato, antecipava aspectos de sua obra posterior: chocante realismo à la Zola em Nana; fantasia surreal e excêntrica em Charleston; pungência dramática em A Pequena Vendedora de Fósforos/La Petit Marchand d'Allumettes; o aparato histórico e um manuseio hábil de um numeroso elenco em Le Tournoir das la Cité. Foi com o advento do som, no entanto, que ele conquistou a verdadeira maturidade, sintetizando estes variados elementos em um todo original e coeso. Após adaptar uma farsa de Feydau (On Purge Bébé), realizaria dois thrillers superiores: A Cadela/La Chienne e A Noite da Encruzilhada/La Nuit du Carrefour notáveis, retrospectivamente, por suas filmagens em locações autênticas e soberba atmosfera de estúdio. Depois Renoir dirigiria Boudu Salvo das Águas/Boudu sauvé des eaux>1, primeira de diversas obras-primas que realizaria durante os anos 30.

Uma comédia de costumes subversiva sobre o poder anárquico de um vagabundo sobre uma família burguesa que o resgata do Sena, o filme é notável pelas técnicas brilhantes e discretas de Renoir, com a profundidade de campo e os planos-sequencia guiando aparentemente sem esforço a geografia do apartamento da família. Notável, igualmente, por sua abordagem despreocupada da narrativa, permitindo diversos incidentes, e mesmo momentos prazeirosamente como que documentais e um final em aberto e sem resolução no qual Boudu, sem qualquer explicação, retorna subitamente à liberdade do rio - símbolo persistente para Renoir da vida, fertilidade e transitoriedade. Igualmente esplêndido foi Toni, thriller filmado em locações, que antecipa o neorrealismo e O Crime do Sr. Lange/O Crime de Monsieur Lange>2, uma inusitada fantasia cômica no qual um assassinato provocado de um editor ganancioso e devasso, por seus empregados, serve como uma celebração da ação coletiva em geral e da Frente Popular esquerdista francesa em particular. Na verdade, muitos dos filmes de Renoir dos anos 30 dizem respeito a questões sociais e políticas: La Vie est à Nous e A Marselhesa/Le Marseillaise foram realizados para o Partido Comunista e organizações sindicais, enquanto no liricamente belo Um Dia no Campo/Partie de Campagne>3, um romance é destruído pelas diferenças de classe. A despeito das inclinações esquerdistas de Renoir, ele foi, no entanto, muito mais um humanista que pensava em termos nuançados: em A Grande Ilusão/Le Grand Illusion>4, onde a amizade que surge entre um prisioneiro de guerra e os comandantes dessa transcende divisões motivadas por diferenças de classe, crença e nacionalidade, cada personagem sendo observado como um ser bastante vivo, dotado de emoções e razão; e em A Besta Humana/La Bête Humaine, Renoir analisa cada recanto psicológico de um triângulo romântico homicida com uma igual compreensão da fragilidade e da paixão.

O melhor de seus filmes, no entanto, foi A Regra do Jogo/La Regle du Jeu>5, uma farsa soberbamente tocante e complexa que se detém sobre as intrigas românticas de uma decante família da alta burguesia em um final de semana em sua casa de campo. Em nenhum outro filme seus métodos de filmagem flexíveis e semi-improvisados atingiram tal senso imediato de espaço e de tempo, levando ao intricado enredo e personagens um sentimento documental; e, na verdade, ao mesmo tempo, é a primeira grande meditação do diretor de como a vida pode ser uma forma de teatro, sendo  Octave, um tipo bufão, genial e negligente vivido pelo próprio realizador, um orquestrador involuntário da festa frenética e caótica que termina em morte trágica. Inacreditavelmente, a mistura de sátira e nostalgia de Renoir demonstrou ser demasiado enfática para as plateias contemporâneas e ele foi cortado e depois banido. A seguir, a guerra interrompeu sua filmagem, na Itália, de Tosca; ele abandonou seu trabalho ao assistente, e partiu para Hollywood. 

Embora O Segredo do Pântano/Swamp Water e Amor à Terra/The Southerner>6 (forte história dos esforços de uma família de fazendeiros texanos para trabalhar sua própria terra diante da pobreza, inveja dos vizinhos e uma natureza hostil) foram basicamente obras realistas filmadas em locações. Para seus outros filmes americanos, Renoir fez uso de recursos de estúdio para evocar um mundo artificial e fantástico à parte da realidade: Esta Terra é Minha/This Land is Mine (um comovente tributo à Resistência na Ocupação Francesa), Segredos de Alcova/Diary of a Chambermaid (uma bizarra comédia de humor negro algumas vezes reminiscente de A Regra do Jogo) e Mulher Desejada/The Woman on the Beach (um melodrama noir chocantemente atmosférico) apresentaram o diretor progressivamente rumo a uma contemplação mais abstratamente formalizada das relações humanas. Realizado na Índia, Rio Sagrado/The River>7 foi ainda mais longe nessa direção: apesar de ter sido filmado em locações e apresentar sequencias mais evocativas de um documentário que de uma ficção, sua história - da experiência de morte , nascimento e desilusão em uma família britânica, da transição da adolescência para a vida adulta - foi ausente de clímax dramáticos; sua serenidade supremamente poética refletia sobre o tema da vida enquanto um fluxo contínuo, ciclo fértil de regeneração que transcende a tragédia individual.

Os matizes de luminosidade natural que distinguem Rio Sagrado, seu primeiro filme em cores, foram substituídos em A Carruagem de Ouro/Le Carrosse d'Or>8, French Can Can>9 e Estranhas Coisas de Paris.Elene et les Hommes>10 por uma paleta de pintor, desenhados para borrar as linhas que dividem a vida do teatro. Em todos os três filmes (o primeiro sobre uma trupe de Commedia dell'Arte no Peru, o segundo ambientado na Paris de 1890 de seu pai, o terceiro na mesma cidade uma década antes), a heroína pode finalmente escolher não somente entre vários amantes, mas entre esperanças e realidade. Elegantes, nostálgicos e engenhosamente reveladores de seus artifícios de estúdio, a frouxa trilogia romântica surpreende por seu senso da vida enquanto encenação, da ação humana enquanto performance, e do próprio amor como o maior drama da vida.

Os últimos filmes de Renoir não foram menos experimentais. Em O Testamento do Dr. Cordelier/Le Testament du Docteur Cordelier e Le Déjenur sur l'Herbe, técnicas de câmeras múltiplas foram adotadas, captando interpretações de rara espontaneidade na televisão, enquanto O Cabo Ardiloso/Le Caporal Épinglé retrabalhava temas de A Grande Ilusão para efeito de humor negro. Por fim, O Pequeno Teatro de Jean Renoir/Le Petit Théâtre de Jean Renoir apresentava três episódios que refletiam as preocupações de sua longa carreira. Ele se aposentou em 1970.

Renoir pode ser louvado por seu caloroso humanismo, por seu amor pela natureza, a permanência e a beleza do que fica em contraposição às comparativamente efêmeras e pequenas paixões do gênero humano; por sua habilidade de observar os personagens dentro de um meio sócio-político definido; por sua atitude em relação à narrativa despreocupada, aventureira e, em última instância, realista. Por fim, no entanto, sua importância reside na forma como essas e outras qualidades interagem entre si, criando um espectro amplo de filmes de incomum engenhosidade e urgência.


Cronologia
Ele próprio um admirador de Chaplin e Von Stroheim, Renoir exerceu uma enorme influência em diretores diversos, mais notavelmente Becker, Visconti, Satyajit Ray, Truffaut e Godard. Pode-se talvez compará-lo mais aproximadamente com Vigo, Buñuel e Ophüls.

Leituras Futuras
Jean Renoir: The World of his Films (Nova York, 1972), de Leo Baudry; Jean Renoir (Londres, 1975), de Raymond Durgnat; Jean Renoir (Paris, 1973), de André Bazin. My Life and My Films (Londres, 1974) é uma autobiografia.

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Jean Renoir e Julien Carette, chocados como a tragédia pode rapidamente atacar, ao final de A Regra do Jogo, de Renoir

Destaques
1. Boudu Salvo das Águas, França, 1932 c/Michel Simon, Charles Granval, Marcele Hainia

2. O Crime de Monsieur Lange, França, 1936 c/René Lefèvre, Jules Berry, Florelle

3. Um Dia no Campo, França, 1936 c/Sylvia Bataille, Georges Darnoux, Jacques Brunius

4. A Grande Ilusão, França, 1937 c/Jean Gabin, Pierre Fresnay, Erich von Stroheim

5. A Regra do Jogo, França, 1939 c/Nora Gregor, Marcel Dalio, Renoir, Gaston Modot

6. Amor à Terra, EUA, 1945 c/Zachary Scott, Betty Field, J. Carroll Naish

7. O Rio Sagrado, Índia, 1950 c/Patricia Walters, Esmond Knight, Nora Swinburne

8. A Carruagem de Ouro, Itália, 1953 c/Anna Magnani, Duncan Lamont, Paul Campbell

9. French Can Can, França, 1955 c/Jean Gabin, Françoise Arnoul, Maria Félix

10. Estranhas Coisas de Paris, França, 1956 c/Ingrid Bergman, Jean Marais, Mel Ferrer

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 236-9.

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