Filme do Dia: Que Horas Ela Volta? (2015), Anna Muylaert

 


Que Horas Ela Volta? (Brasil, 2015). Direção e Rot. Original: Anna Muylaert. Fotografia: Barbara Alvarez. Música: Vitor Araújo & Fábio Trummer. Montagem: Karen Harley. Dir. de arte: Marquinho Pedroso. Cenografia: Thales Junqueira & Marcos Pedroso.  Figurinos: Cláudia Kopke & André Simonetti. Com: Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Helena Albergaria, Bete Dorgam, Luis Miranda, Theo Werneck.

Val (Casé) é empregada na casa da família  do casal Bárbara (Teles) e Carlos (Mutarelli), uma mansão no Morumbi. Ela mora com a família desde que o garoto que irá prestar o vestibular, Fabinho (Joelsas), era criança. Certo dia,  recebe ligação da filha que não vê a dez anos, Jessica (Márdila), dizendo que está indo para São Paulo prestar vestibular e pretende morar com ela. Val conversa com Bárbara sobre a possibilidade dessa ficar durante um tempo morando junto com ela enquanto ambas não encontram um local para alugar e Bárbara acede, afirmando que ela pode comprar um bom colchão para a filha. Quando Jéssica chega, no entanto, essa se impõe, pois pretende um lugar para estudar e pergunta se pode ocupar o quarto de hóspedes, o que Carlos concorda. Seu interesse em estudar arquitetura na universidade e as conversas que trocam sobre o tema, além dos elogios que ela faz a Carlos, o leva a se interessar afetivamente por ela. Porém, a tensão se torna crescente no que diz respeito a Bárbara, que não suporta o espaço  que Jessica ganha junto à família e também com sua mãe, dividida intensamente entre a função de serviçal e o amor pela filha. A tensão explode de vez quando Bárbara, que flagrara Jessica comendo o sorvete predileto do filho, ordena que ela se mantenha da cozinha para trás. Indignada com a situação, Jessica decide abandonar a residência em plena noite de chuva forte e às vésperas da prova do vestibular que ela e Fabinho prestarão. No dia seguinte, Fabinho chora a sua não aprovação, enquanto pouco tempo depois uma exultante Val afirma que a filha passou com uma pontuação excelente. Bárbara pondera que ainda haverá uma segunda fase. Val parabeniza a filha de dentro da piscina da mansão, local onde anteriormente a filha fora puxada para brincar com Fabinho e seus amigos, provocando um mal-estar em Bárbara e Val. Fabinho parte para fazer um curso de seis meses na Austrália. Val decide abandonar o emprego. Ela surpreende a filha com a notícia. Tendo descoberto uma foto de criança dentre os livros que a filha lia quando permaneceu na mansão, indaga desse sobre quem se trata. Chorando, a filha diz que é o filho dela. Val quer que ela traga o neto para junto das duas.

Essa tocante incursão no apartheid social brasileiro que tem sido recorrente na produção recente seja ficcional (Casa Grande) seja documental (Doméstica), tem pontos de contato e distanciamento da mesma. De comum a questão dos afetos expressos de forma mais intensa nas relações dos jovens filhos dos patrões com a criadagem, algo reverberado na vinculação do filho de Casa Grande com o motorista que lhe leva a escola e a empregada ou aqui de Val com Fabinho. Ao contrário do filme de Fellipe Barbosa, no entanto, há uma maior dignidade no retrato da empregada e sua filha. Ao menos no que tange o aspecto moral, pois se Val é bem mais submissa que a empregada de Casa Grande, tanto ela como a filha não possuem nenhum vínculo de cunho sexual com a família dos patrões da primeira. Aludindo, de forma mais positivada, a explícita mudança no padrão acomodatício das referências de classe tradicionais e sua retransmissão pelas gerações – algo patente já nos momentos iniciais da presença de Jessica com a mãe, quando afirma a essa que eles são os patrões dessa mas não dela – vivenciadas pelo país recentemente, o filme igualmente é prejudicado por uma estrutura mais esquemática de apresentar essa mudança, algo que tampouco o filme de Barbosa é imune. De fato, seu desfecho se torna tanto bastante enfático e mesmo comovente em sua auto-afirmação de um lugar de sujeito negado desde sempre quanto desmobilizadoramente catártico das tensões tão bem delineadas desde o momento da chegada de Jessica. Casé, ótima em sua versão peculiar de Mãe Coragem, não deixa ao mesmo tempo de carregar um tom algo excessivo, que implica num convite ao riso de condescendência ou superioridade do público, estofo do qual Domésticas, o Filme (2001), de Fernando Meirelles, é composto.  O restante do elenco, também afinado, com destaque para o desengonçado momento em que entre a fantasia  e a realidade, Carlos pede para Jéssica casar com ele, situação a qual procura lidar posteriormente simulando que se tratara de mera brincadeira. Karine Teles, competentemente encarna a patroa ressentida pelo filho expressar maior afeto por Val que por ela, assim como evidentemente observar o interesse do marido por sua filha numa postura tão caricatamente real quanto algumas das personagens do Cronicamente Inviável de Bianchi. Prêmio do público no Festival de Berlim.  Gullane Filmes/Africa Filmes/Globo Filmes. 112 minutos.

 

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