O Dicionário Biográfico de Cinema#108: John Grierson

 


John Grierson (1898-1972), n.Deanstown, Escócia

Grierson foi um entusiasta severo e restritivo. Ainda que proclamasse uma ânsia para um cinema libertário e abrangente, evoluiu para uma doutrina estreita, hostil a muitos outros tipos de cinema, essencialmente fanática e pouco inteligente, e isolada pela história. No entanto, foi um homem de uma energia organizacional feroz e uma indubitável peça central do movimento documentário britânico. Se esse movimento hoje parece fleumático ou pretensioso e alheio a algumas das implicações do documentário, é Grierson o culpado?

Alan Lovell sugeriu que o calvinismo escocês influenciou esse isolamento justo e citou a crença subjacente de Grierson em uma severidade necessária: "Diversos dos jovens diretores responsáveis pelo sucesso do documentário britânico eram escoceses; e deve haver alguma estranha relação com sua formação knoxista (*) e uma teoria do cinema que joga ao mar os efeitos meretrícios do estúdio."

Grierson ingressou na Universidade de Glasgow e então passou três anos nos Estados Unidos. Em 1927 iniciou seu envolvimento com o documentário britânico, quando se juntou a unidade de cinema da Empire Marketing Board. Em 1928 passou a comandar a unidade e dirigiu seu único filme, Drifters, que é sintomático da beleza acadêmica, influenciada pelos russos, de muito do documentário britânico, mas que possui pouco sabor, de peixe ou de homens. De então até 1937, foi o executivo-mor do documentário, em virtude de sua posição como chefe da unidade de cinema do GPO. Funcionava como produtor, como um enérgico líder articulador de talentos variados e como crítico e teórico. Trouxe Robert Flaherty e Alberto Cavalcanti à Inglaterra, e produziu vários outros: Industrial Britain (31, Flaherty); The Voice of the World (32, Arthur Elton); Aero-Engine (33, Elton); Pett and Pott (34, Cavalcanti); Song of Ceylon (34, Basil Wright); BBC: The Voice of Britain (35, Stuart Legg); Coal Face [Cara de Carvão] (35, Cavalcanti); Night Mail (36, Wright e Harry Watt); e We Live in Two Worlds (37, Cavalcanti).

Como escritor, ele realizou um "manifesto menor" sobre a virtuosidade do documentário. Seus princípios eram que

                                a capacidade do cinema para contornar, observar e selecionar da                                                                própria vida poderia ser explorada em uma forma de arte nova e                                                                 vital. Os filmes de estúdio ignoravam grandemente essa                                                                           possibilidade de abertura da tela para o mundo real (...) Acreditamos                                                        que o ator original (ou nativo), e a cena original (ou nativa), são                                                        melhores guias para uma interpretação na tela do mundo moderno                                                             (...) Eles são o poder de interpretação sobre acontecimentos mais                                                               complexos e surpreendentes no mundo real do que a mente pode                                                                conjurar ou o mecânico do estúdio recriar (...). Acreditamos nos                                                        materiais e nas histórias retiradas em estado bruto (mais real no                                                              senso filosófico) que o artigo representado. (...) Acrescento a isso que                                                       o   documentário pode conquistar uma intimidade de conhecimento e                                                              efeito impossível ao simulacro de estúdio (...) e as interpretações                                                               dedo-de-lírio do ator metropolitano.

Grierson passou, sem muita convicção, a falar que não queria dizer que os estúdios não pudessem produzir obras de arte. Mas seu fervor detectou algo impuro nesse produto e, como um orador no púlpito, advertiu: "Faço uma distinção ao ponto de asseverar que o jovem diretor não podia, na natureza, ir fazer documentário e ir para um estúdio ao mesmo tempo." O limbo que escolheu para si próprio hoje parece bastante desnudo. Os filmes dos anos 30 parecem monótonos e tristes em comparação à fusão do documentário e ficção em muitos dos filmes Drew-Leacock, na obra de Rouch e Marker, e nos filmes de Godard. O que Grierson teria feito de Godard, Resnais ou Warhol - três homens que viram muito mais variedade e complexidade no "estado bruto" que o confiante Grierson sequer identificou?

Após 1937, Grierson passou para o moinho da burocracia internacional. Ao longo da guerra ele foi Comissário do Cinema para o Canadá e instrumental na criação do National Film Board of Canada. Retornou à Europa após a guerra numa nuvem, trabalhou brevemente para a UNESCO, e então, de 1948-54, foi Controlador de Cinema no Escritório Central de Informações, tão pouco gratificante enquanto experiência como é possível imaginar. Sua energia criativa nesse período foi canalizada no Group Three, um ramo da National Film Finance Corporation, para quem produziu Judgement Deferred (51, John Baxter), Brandy for the Parson (51, John Eldridge); The Brave Don't Cry (52, Philip Leacock); Laxdale Hall (52, Eldridge); The Oracle (52, C.M. Pennington-Richards); Time, Gentlemen, Please (52, Lewis Gilbert); You're Only Young Twice (52, Terry Bishop); e Orders Are Orders (54, David Paltenghi) - uma coleção monótona. 

Retornou então à Escócia e de 1955-65 produziu e apresentou para a TV escocesa uma antologia de documentários internacionais, This Wonderful World. Seu entusiasmo refrescante inalterado e ele parecia muito feliz dentro de um estúdio.

(*) N. do E: John Knox (1514-1572) foi o teólogo e ministro escocês, líder da reforma protestante na Escócia.

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