The Film Handbook#125: Fritz Lang




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Fritz Lang
Nascimento: 08/12/1890, Viena, Áustria
Morte: 02/08/1976, Los Angeles, Califórnia, EUA
Carreira (como diretor): 1919-60

A economia, austeridade e objetividade dos filmes de Fritz Lang tornaram-no um dos diretores mais profundos, precisos e perenemente modernos. De forma notável, quando abandonou a Europa pelos Estados Unidos, as restrições do sistema de estúdios e sua adesão aos gêneros e estruturas narrativas convencionais provocou uma destilação de temas e estilos que já havia estabelecido na Alemanha.

Filho de um arquiteto, Lang ocupou sua juventude estudando engenharia, viajando e pintando. Ferido na I Guerra Mundial, passou a escrever enquanto convalescia; em 1918, mudou-se para Berlim, onde se tornou roteirista regular e assistente de Joe May nos estúdios UFA. Dirigiu seu primeiro longa, Halbblut, em 1919; mais tarde, nesse mesmo ano, iniciaria uma aventura serial em duas partes  As Aranhas/Der Spinnen, cuja narrativa fluente e vivaz marcou a chegada de um talento promissor. Porém foi A Morte Cansada/Der Müde Tod>1, o primeiro a sugerir seu interesse por sérias ideias abstratas: quando uma garota tenta evita a morte de seu amado, é conduzida pela Morte através de três períodos históricos nos quais ela demonstra a inevitabilidade de sua obra. Cenários monumentais, fotografia sóbria e interpretações incomumente contidas demonstraram a distância de Lang das tendências barrocas do Expressionismo, ainda que o humor presente na sequencia da fantasia chinesa seria erradicado de seus filmes futuros.

A obra silenciosa de Lang é notável por sua absoluta diversidade; Dr. Mabuse, o Jogador/Dr.Mabuse, der Spieler>2 e sua sequencia (O Inferno/Der Spinnen, 2.Teil - Das Brillantschiff) dizem respeito a um gênio criminal; o díptico Os Nibelungos/Die Nibelungen é uma narrativa épica sobre a morte de Siegfried e a vingança de Kriemhild; Metropolis>desenvolve uma alegoria sobre as relações entre Capital e Trabalho em uma cidade subterrânea do futuro, parte sinistra, parte utópica: Os Espiões/Spione é uma complexa aventura de espionagem. A Mulher na Lua/Frau im Mond, uma ficção mundana sobre viagem no espaço. Porém, apesar da diversidade no gênero, a obra de Lang repetidamente focava nos motivos centrais de vingança, violência, abuso de poder e cidades sombrias povoadas por inocentes alienados e tipos psicopatas-criminosos. A melhor expressão dessa visão pessimista do mundo adveio com seu primeiro filme sonoro, M - O Vampiro de Dusseldorff/M>4, um filme de ação virtuoso e virtualmente brechtiano no qual um assassino sexual pedófilo (Peter Lorre, numa performance maravilhosamente simpática) é levado a julgamento e sentenciado, não pela polícia, mas pelas forças unidas do submundo criminoso. Notável por um uso inventivo e não naturalista do som e de rimas e símbolos visuais, sendo o melhor filme alemão de Lang, ainda que em O Testamento do Dr.Mabuse/Das Testament des Dr.Mabuse impressiona o retrato do Nazismo finamente disfarçado.

Convidado por Goebbels para chefiar a indústria de cinema nazista, Lang abandonou a Alemanha pela França, onde dirigiu um único filme, Coração Vadio/Liliom, antes de partir para os Estados Unidos. Após dois anos de longas viagens e projetos abandonados, realizou Fúria/Fury>5, um filme de ação intenso e provocativo no qual uma vítima inocente de um linchamento sobrevive para trazer os culpados à justiça; retratando de forma anti-sentimental um homem bom transtornado pela vingança, o filme é o primeiro dos muitos dramas sombrios a refletirem a injustiça, violência e criminalidade psicótica da América moderna; os seguintes, Vive-se uma Só Vez/You Only Live Once e Casamento Proibido/You and Me passaram a revelar os problemas de reabilitação enfrentados por condenados dentro de uma sociedade intolerante. De forma semelhante, os resolutos filmes de propaganda de guerra são enquadrados  pelos filmes de ação criminais: em O Homem Que quis Matar Hitler/Man Hunt, um atirador apolítico, perseguido pelos assassinos da Gestapo , por uma Londres enevoada, finalmente desenvolve um compromisso com a causa antinazista em seu desejo de vingar a morte de uma jovem; enquanto Os Carrascos Também Morrem/Hangmen Also Die!, realizado em colaboração com Brecht, concebe uma narrativa do assassinato pela resistência tcheca do tirano nazista Heydrich dentro de uma contemplação pessimista da brutalidade humana e traição.

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Peter Lorre como o condenado assassino de crianças - baseado na vida real do assassino Peter Kurten - em M, de Lang.

Em 1944, Lang embarcou numa série de filmes noirs aterrorizantes nos quais heróis inocentes se encontram eles próprios em batalha contra as forças psicológicas, sociais e políticas para além de seus controles. Quando Desceram as Trevas/Ministry of Fear evoca uma Inglaterra britânica onde nada nem ninguém são como parecem; tanto Um Retrato de Mulher/The Woman in the Window>6 e Almas Perversas/Scarlet Street imagina americanos tranquilos e comuns cujos desejos subconscientes (tanto sexuais quanto de assassinatos) os levam aos mundos pavorosos da humilhação, culpa e criminalidade; enquanto O Segredo da Porta Fechada/Secret Beyond the Door>7, uma variação perversa sobre o melodrama da mulher em perigo, observa uma mulher que anseia por emoção casar com um arquiteto psicopata cujo hobby secreto é colecionar aposentos nos quais assassinatos horrendos foram cometidos. Por volta desse período, os filmes de Lang conquistaram uma admirável economia de execução, seus enredos complexos se desenvolvendo através de informações visuais poucos comuns; detalhados e não sentimentais em sua análise das fraquezas morais de seus protagonistas, foram reconhecimentos pessimistas e fatalistas dos mecanismos destrutivos de Sexo, Direito e Sociedade, pressionando indivíduos isolados ao conformismo. De fato, a força arquitetônica das linhas narrativas e imagens cuidadosamente enquadradas sugerem um silogismo filosófico: se X deseja isso, e Y é o mundo no qual ele vive, então Z se tornará seu inexorável destino trágico.

Nos anos 50 a obra de Lang se torna ainda mais sombria: O Diabo Feito Mulher/Rancho Notorious e Só a Mulher Peca/Clash By Night transcendem as convenções do western e do melodrama romântico, respectivamente; eles analisam a violência autodestrutiva do amor, um tema que retornaria em dois de seus filmes de ação mais pessimistas - Os Corruptos/The Big Heat>8 (no qual o desejo de  um policial de destruir um império criminal levam-no muito além dos domínios da obrigação, quando ele é consumido pelo desejo de vingar a morte de sua esposa - e Desejo Humano/Human Desire. O Tesouro de Barba Ruiva/Moonfleet foi uma narrativa, atipicamente sombria, de contrabandistas do século XVIII em Devon, observada pelos olhos de uma criança, No Silêncio de uma Cidade/While the City Sleeps um retorno à sexualidade psicopática de M. Melhor que todos, Suplício de uma Alma/Beyond a Reasonable Doubt>9, o último filme americano de Lang, foi também sua palavra final sobre a linha tênue entre lei e justiça: perspicaz em provar a falibilidade do sistema de júri, e portanto da iniquidade da pena capital, Dana Andrews, se enquadra  ele próprio enquanto assassino, somente para descobrir que sua vida se encontra em risco quando descobre que um amigo, que possui as fotos que provarão sua inocência, morre subitamente em um acidente de carro que também destrói a evidência; somente após ter sido sentenciado à morte e subsequentemente perdoado é que a verdadeira culpa de Andrews vem ironicamente à luz. Novamente, a complexidade tortuosa do enredo, conjugado as imagens minimalisticamente decorativas de Lang, emprestam ao filme a clareza e profundidade de um teorema científico.

Cansado dos produtores hollywoodianos, Lang retornou à Alemanha, onde sua primeira produção foi uma aventura que havia sido escrita nos anos 1920 com sua então colaboradora e mulher Thea Von Harbou; filmado parcialmente em locação, parcialmente em estúdio, O Tigre da Índia/Der Tiger von Eschnapur e O Sepulcro Indiano/Das Indische Grabmal foram um retorno ao estilo serial dos anos silenciosos, interpretados sem qualquer insinuação ao kitsch ou a paródia. De forma semelhante, Os Mil Olhos do Dr.Mabuse/Die 1000 Augen des Dr.Mabuse>10 revive o gênio criminal, morto mas ainda influente por meio de seus discípulos; de modo característico, o estilo aparentemente démodé e não sofisticado esconde uma rara seriedade de tema: assassinatos políticos, técnicas de vigilância e ameaça nuclear. A tragédia, outrora pessoal, agora é universal.

Filme após filme, Lang desenvolveu artifícios de estúdio para criar um universo austeramente estilizado no qual forças sócio-políticas e impulsos psicológicos aprisionam sujeitos comuns, isolando-os e os puxando para a violência e morte; é uma visão indelevelmente marcada pelas experiências juvenis do diretor, notavelmente seu ódio pelo Nazismo. O crime, seja derivado da paixão ou cuidadosamente planejado, é endêmico ao universo de Lang, nunca glorificado, mas analisado e compreendido. A complexidade de seu pensamento é desmentida pela simplicidade  de seu estilo; comparativamente, outros realizadores frequentemente parecem entregar-se a irrelevantes ornamentações. Seu pessimismo pode ser assustador, mas seu rigor artístico é raro e admirável.

Cronologia
Como muitos diretores (Siodmak, Murnau, Wilder, Brahm e Edgar Ulmer inclusos) emigrados, Lang foi moldado pela ideologia melancólica (menos que pelo estilo) do Expressionismo; por sua vez, pode talvez ter influenciado Hitchcock, Nicholas Ray e outros; certamente foi admirado por Godard (que o incluiu no elenco de O Desprezo) e Jacques Rivette.

Leituras Futuras
Fritz Lang (Nova York, 1977), de Lotte Eisner, Fritz Lang in América (Nova York, 1969), de Peter Bogdanovich

Destaques
1. A Morte Cansada, Alemanha, 1921 c/Lil Dagover, Bernhard Goetzke, Walter Janssen

2. Dr. Mabuse, o Jogador, Alemanha, 1922 c/Rudolf Klein-Rogge, Gertrud Welcker, Alfred Abel

3. Metropolis, Alemanha, 1928 c/Alfred Abel, Brigitte Helm, Gustav Frölich

4. M, O Vampiro de Dusseldorf, Alemanha, 1931 c/Peter Lorre, Gustav Gründgens, Ellen Widmann

5. Fúria, EUA, 1936 c/Spencer Tracy, Sylvia Sidney, Walter Abel

6. Um Retrato de Mulher, EUA, 1944 c/Edward G.Robinson, Joan Bennett, Raymond Massey

7. O Segredo da Porta Fechada, EUA, 1948 c/Joan Bennett, Michael Redgrave, Anne Revere

8. Os Corruptos, EUA, 1953 c/Glenn Ford, Gloria Grahame, Lee Marvin

9. Suplicio de uma Alma, EUA, 1956 c/Dana Andrews, Joan Fontaine, Sidney Blackmer

10. Os Mil Olhos do Dr.Mabuse, Alemanha, 1960 c/Peter van Eyck, Dawn Addams, Wolfgang Preiss

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 159-61.

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