Filme do Dia: O Esquadrão Branco (1936), Augusto Genina
O
Esquadrão Branco (Lo Squadrone Bianco,
Itália, 1936). Direção: Augusto Genina. Rot. Adaptado: Augusto Genina, Joseph
Peyré, Gino Rocca, Gino Valori, a partir do romance de Joseph Peyré. .
Fotografia: Anchise Brizzi & Massimo Terzano. Música: Antonio Veretti.
Figurinos: Vittorio Accornero. Com: Antonio Centa, Fulvia Lanzi, Francesca
Dalpe, Fosco Giachetti, Guido Celana, Olinto Cristina, Cesare Polacco, Mohamed
Ben Mabruk, Doris Duranti.
Mario Ludovici (Centa) é um playboy que vive
uma relação intempestiva com a socialite Cristiana (Lanzi). Quando ela ameaça
romper com ele, Ludovicci parte para a Etiópia como oficial voluntário. Ele é
recebido com carinho pelo velho Capitão Donati (Cristina) e frieza e mesmo
hostilidade por seu superior imediato, Santelia (Giachetti). Apenas de última
hora, por conta de sua falta de experiência, ele é feito membro de uma
expedição que cruzará o deserto para combater uma tribo rival. Ao perceber a
fibra de Ludovici diante da febre que o acomete no trajeto, Santelia passa a
mudar sua opinião sobre ele, chegando mesmo a ficar a seu lado no leito de
enfermo. Recuperado, Ludovici sabe que agora conta não só com a admiração, mas
a amizade de Santelia. Cristiana, que chegara dias antes com um grupo de
turistas, espera ansiosa, como todos
pelo retorno do único oficial que os pilotos de avião dizem ter
sobrevivido ao combate. E o sobrevivente é Ludovici, que comanda a tropa. Ele
tem um breve encontro com Cristiana, onde afirma que o Mario que conheceu está
morto e que ele permanecerá por lá.
Genina, já realizador veterano, tira grande
partido visual de planos panorâmicos monumentais a realçar composições
ordenadas do avanço da caravana de camelos e homens, nunca de forma tão
plasticamente interessante quando numa das primeiras imagens da caravana em que
seus membros, homens e animais, são
duplicados por suas próprias sombras. Ou ainda com suas silhuetas recortadas no
lusco-fusco que transforma as imagens ensolaradas observadas anteriormente
quase em seu duplo em negativo. E ainda dos céus com parcas nuvens. E é graças ao
talento visual de seu realizador que o
filme consegue ir além da insípida peça de propaganda não exatamente de
guerra, mas de proposição ético-moral.
Nesse sentido, assim como a reviravolta que faz com que o tenente Ludovici
passe a ser menos hostilizado por seu superior Santelia é o de demonstrar
predisposto a caminhar e não ir montado no camelo no dia seguinte, enquanto
ainda se recupera de uma febre, o da sua superação da dor de amor que o levou à
situação atual – a morte do playboy e o surgimento do herói – se dá, não por
acaso, logo em seguida, quando após relembrar momentos felizes ao lado de
Cristiana, enterra na areia o souvenir associado aos mesmos, como se através do
ato físico fosse capaz de automaticamente a apagar igualmente de seu
pensamento, assim como todos os valores associados a seu mundo. Acompanha-se o
gradual esfacelamento da obsedante preocupação com uma vida privada associada
ao amor de uma mulher fútil e inconsequente em um ambiente cercado das
facilidades do mundo urbano (quase como numa crítica aos filmes de “telefone
branco” e seu ambiente escapista) pela descoberta de talentos recônditos
capazes de emergirem somente sob os obstáculos e imprevistos no inóspito
deserto. Não que previamente o protagonista fosse exatamente um dândi sensível,
antes como se o deserto tenha servido como palco natural para que sua
intempestiva virilidade, demonstrada já nos impulsos agressivos quando do
último encontro em Roma com Cristiana, fosse melhor aproveitada e não se
rendesse ao esgotamento neurótico e perverso da vida burguesa – outros retratos
igualmente negativos ou insuficientes da vida burguesa (ao menos à moral de
seus heróis) na produção contemporânea podem ser observado em filmes como Luciano Serra, Piloto. À mulher,
evidentemente, sobretudo a mulher com o perfil de Cristiana, completamente
contrário aos ideais fascistas da figura abnegada e maternal, não restará mais
que sua habitual demonização e as lágrimas (por não ter percebido quem de fato
Ludovici era? Por não mais conseguir inclui-lo em seu universo vazio?). Aqui,
se trata, antes de tudo, de um acerto de contas entre homens, ao qual não
faltam a figura de um avô bondoso e um pai raivoso que irá se transformar
quando Ludovici ingressar de fato no mundo adulto com sua anexa hombridade fora
de questão. É somente apagar a imagem de Cristiana de si que imediatamente o
apoio agora será de Santelia, que havia lhe apontado o rumo das pedras a seguir
para se tornar um verdadeiro líder: esquecer o passado, ter vontade e decisão.
Com o crescente temor das relações inter-raciais entre italianos e africanas, o
filme praticamente elide qualquer presença de destaque de nativas, enquanto os
nativos de um pouco maior destaque, como o carismático vivido por Ben Mabruk
não vão além, é claro, do retrato típico do subserviente “bom selvagem”,
capazes no momento oportuno, de revelar conselhos e informações importantes, assim como de terem uma morte honrada que provocará um momento de piedade do herói.
Roma Film. 100 minutos.
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