Filme do Dia: Palermo ou Wolfsburg (1980), Werner Schroeter
Palermo ou Wolfsburg (Palermo oder Wolfsburg, Al. Ocidental/Suiça,
1980). Direção: Werner Schroeter. Rot. Original: Werner Schroeter &
Giuseppe Fava. Fotografia:
Thomas Mauch. Montagem: Werner Schroeter & Ursula West. Dir. de arte: Gino
Orso. Figurinos: Albert Barsacq, Roberto Lagana & Magdalena Montezuma. Com:
Nicola Zarbo, Otto Sander, Ida Di Benedetto, Magdalena Montezuma, Johannes
Wacker, Antonio Orlando, Brigitte Tilg, Gisela Hahn.
Nicola (Zarbo) é um jovem de um
vilarejo siciliano que resolve de um momento para outro partir em busca de
trabalho na cidade alemã de Wolfsburg, cansado de ter que lidar com um pai alcoolatra. Ele passa a morar com
outros imigrantes italianos, mas seu envolvimento com uma jovem alemã, Brigit
(Tilg), que possui três filhos com homens diversos, provoca uma reação
passional, quando a observa dançando com uma dupla de homens com quem já havia
entrado em atrito anteriormente. Os homens provocam-no fora da festa e ele os
mata com um punhal. Uma de suas ardentes defensoras no julgamento é a italiana
que já mora a 16 anos na Alemanha, Giovanna (Di Benedetto).
A Itália parece ter sempre
representado uma fonte propícia para representações sobre uma sociedade de
fortes laços ainda tradicionais e/ou pré-industriais quando apropriada por boa
parte de realizadores de uma maneira ou outra associados com o Novo Cinema
Alemão (vide Scarabea, de Syberberg ou Gente da Sicília, de
Straub-Huillet). Aqui não se foge à regra. É num vilarejo siciliano onde se
observa o drama de um de seus filhos que resolve subitamente partir para a
Alemanha, uma “sociedade liberal e diferente da nossa”, como alertara o padre.
Filmado com uma maestria de ângulos e movimentos de câmera que seus filmes mais
conhecidos e voltados para o kitsch (Eika
Katappa, A Morte de Maria Malibran),
não pressupunha, também se beneficia enormemente de um elenco em grande parte
amador, numa proximidade com a utilização desses que remete a Pasolini; não por
acaso, mais uma vez, o núcleo de atores amadores se encontra mais próximo dos
personagens italianos que alemães, embora isso também valha para a garota por
quem Nicola se apaixona, vivida também pela atriz de um único filme como o
próprio Nicola e fazendo uso de seu primeiro nome, tal como ele. De início, em
mais de um momento, observa-se um músico erudito que vê seus ensaios serem
interrompidos pela espontânea explosão de manifestações populares, que ele
rejeita. Parece ser um comentário irônico do próprio Schroeter com relação à
arte erudita, ainda que com um viés diferenciado e mais tradicionalmente
realista que em suas produções anteriores. A percepção romântica do seu objeto
se imiscui até mesmo no julgamento de Nicola, oportunidade para que Schroeter o
encene com um tom próximo de uma tragicomédia grega ou uma discreta paródia da
Paixão. Tal como a dona de bar que, com extrema perspicácia, observa o crime
como o confronto entre duas culturas completamente opostas. Com a presença
forte de planos amplos que não apenas situam os personagens em seu contexto,
como apresenta esse último, no caso da Alemanha e em contraposição à Itália,
como opressor e guiado unicamente pelo capital – representado sobretudo pela
Volkswagen; nesse sentido, chega a ser praticamente didático o travelling que
se afasta de Nicola e seu amigo, quando aquele afirma que não pretende
trabalhar para a empresa, que ressalta o quanto esse acaba sendo tragado por um
universo de trabalho completamente alienado da vida que levara anteriormente. O
filme parece ser uma versão da Paixão observada a partir de uma perspectiva
mais explicitamente sociológica que o Accattone - Desajuste Social de Pasolini. Ou uma versão masculina da tragédia de um gasterbeiter, trabalhador imigrante, em Shirins Hochzeit. A gradual passagem do
tempo na longa sequencia do julgamento tende a torna-lo mais e mais operístico
e cada vez mais explicitamente evocativo de motivos próximos da Paixão.
Paradoxalmente, em relação ao estilo do próprio Schroeter, o filme parece ir
gradativamente perdendo força, quanto mais se afasta de seu realismo inicial e
se aproxima de algumas das estratégias mais próximas de serem identificadas com
o estilo do realizador, por mais que existam planos durante o julgamento no
qual a sobreposição de camadas de profundidade de campo sejam de tirar o
fôlego. Destaque para o uso original do fade, entremeando trechos de uma mesma
sequencia de conversa entre personagens. Urso de Ouro no Festival de Berlim
dividido com o norte-americano Heartland,
de Richard Pearce. Thomas Mauch Filmproduktion/ZDF/Artco Film para Prokino
Filmverleih. 173 minutos.
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