The Film Handbook#104: David Lean
David Lean
Nascimento: 29/03/1908, Croydon, Inglaterra
Morte: 16/04/1991, Londres, Inglaterra
Carreira (como diretor): 1942-1984
Alegações de que David Lean seja o maior diretor romântico britânico são estranhamente vinculadas com sua atenção pedante ao detalhe e sua concepção de arte opressivamente de classe média. Um técnico maior, ele é também enfadonho e restrito a concepção de realizador visto como um pouco mais que um adaptador literário com um gosto duradouro, mesmo que equivocado, pelo modo épico.
Após uma infância quaker que o proibia de assistir filmes, Lean traçou firmemente seu caminho dentro da indústria cinematográfica de rapaz do chá a montador, em cuja categoria trabalharia para Paul Czinner, Anthony Asquith, Gabriel Pascal e Michael Powell. Sua estreia como diretor se deu em colaboração com Noel Coward com uma versão do dramaturgo de Nosso Barco, Nossa Alma/In Which We Serve, propaganda patriótica sobre marinheiros sobreviventes do ataque de torpedo durante a guerra. O sucesso do filme levou a dupla a trabalhar novamente em três futuros filmes: Este Povo Alegre/This Happy Breed, história da vida de uma família operária do sul de Londres no período do entre-guerras que hoje soa paternalista; Uma Mulher do Outro Mundo/Blithe Sprit, uma extravagante comédia sobrenatural; e Desencanto/Brief Encounter>1, sobre a possibilidade de adultério contemplada por dois tipos casados demasiado corretos cujos encontros furtivos ocorrem em locações arquetipicamente suburbanas como lojas de chá, cinemas e um café da estação ferroviária (local privilegiado para fofocas da classe baixa e símbolos das alegrias furtivas da vida assim como de separações lacrimosas). A despeito da utilização do concerto de piano de Rachmaninoff, ouvido incessantemente em sua banda sonora, o filme aparenta ser estranhamente acadêmico, sua comodidade afligida pela mesma rígida superioridade temerosa da paixão quanto seu abnegado par central. (Ele foi, e é, tremendamente popular, consagrando Trevor Howard e Celia Johnson para sempre na memória do público).
Versões de Grandes Expectativas/Great Expectations>2 e Oliver Twist foram ainda mais satisfatórias. O primeiro foi um genuinamente apaixonado e visualmente imaginativo melodrama sobre a crueldade e a decepção do amor, o segundo sendo prejudicado somente por um ofensivamente estereotipado Fagin, que levou a justificadas acusações de anti-semitismo nos Estados Unidos. Lean então realizou uma trilogia de filmes estrelados por sua então esposa Ann Todd (A História de uma Mulher/The Passionate Friends, As Cartas de Madeleine/Madeleine e Sem Barreira no Céu/The Sound Barrier) e a comédia de ator tristemente indulgente de Charles Laughton, Papai é do Contra/Hobson's Choice.
Por essa época Lean havia adquirido um gosto pela imagem pictórica e trabalhar em locações; seu filme seguinte, Summer Madness/Quando o Coração Floresce, levou-o a Veneza para a primeira de diversas extravagantes produções internacionais; não surpreendentemente, a beleza da cidade ofuscou a história mundana do romance entre uma turista americana e um italiano. Seu primeiro, e melhor, épico, A Ponte do Rio Kwai/The Bridge on the River Kwai>3 foi um inteligente ainda que excessivamente longa narrativa de obsessivo profissionalismo, ambientado em um campo do exército birmanês durante a Segunda Guerra e centrando no conflito entre japoneses e seus rivais britânicos que, contrários às vontades de seus homens, concordam em construir a referida ponte para o inimigo. O filme impressiona por suas interpretações, autenticidade e claro senso de ironia; aliás, essa última qualidade se encontrou ausente nas obras posteriores de Lean (Lawrence da Arábia/Lawrence of Arabia, Dr. Jivago/Dr.Zhivago e A Filha de Ryan/Ryan's Daughter) onde a busca do diretor pela imagem perfeita e uma ênfase no espetáculo caro drenou a energia da história e seus personagens. A Filha de Ryan, particularmente, recebeu um tratamento maciçamente redundante de um tema em pequena escala (o adultério de uma esposa irlandesa e um oficial britânico numa remota vila da costa da Irlanda em 1916), com Lean dirigindo mais atenção a terra, a água e ao vento.
O filme foi impiedosamente criticado por muitos e o diretor se ausentou da realização por mais de uma década; retornou, após um projeto de filmar o O Grande Motim/The Bounty não ter se concretizado, para realizar uma versão Passagem para a India/Passage to India>4, de Foster. Como sempre, o filme demonstrou o talento no tratamento das cenas de multidões e o amor pelas paisagens exóticas, mas o detalhado roteiro e fortes interpretações não foram capazes de ocultar uma fundamental incompreensão dos desorientados ingleses na Índia; de fato, o uso de um enegrecido Alec Guiness somente reforçou as suspeitas de que a atitude do filme em relação aos estrangeiros escuros foi, fundamentalmente, condescendente.
A obra de Lean é repleta de ambições excessivas por respeitabilidade; ele tende a ilustrar Grandes Obras com uma literalidade pictórica que pouco tem a ver com a capacidade do cinema de expressar emoções através do movimento. Pior, parece ter ficado preso a ideia de que quanto maior melhor, deixando de valorizar a economia enquanto uma duradoura virtude fílmica.
Cronologia
A experiência de Lean com Czinner, Pascal e Asquith parece ter fomentado seu gosto por valores literários e discreta opulência; ele pode ser observado como uma influência em Ronald Neame (com quem trabalhara nos filmes de Dickens) e Attenborough. O próprio Lean credita o relativamente desconhecido Bernard Vorhaus como influência, enquanto Steven Spielberg tem falado de sua admiração pelos épicos de Lean.
Leituras Futuras
The Cinema of David Lean (Nova York, 1974), de Gerald Pratley. David Lean and His Films (Londres, 1974) de Alain Silver e James Ursini.
Destaques
1. Desencanto, Reino Unido, 1945 c/Celia Johnson, Trevor Howard, Stanley Holloway
2. Grandes Expectativas, Reino Unido, 1946 c/John Mills, Valerie Hobson, Alec Guiness
3. A Ponte do Rio Kwai, Reino Unido, 1957 c/Alec Guiness, William Holden, Sessue Hayakawa
4. Passagem para a Índia, Reino Unido, 1984 c/Judy Davis, Peggy Ashcroft, Victor Banerjee
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 162-4.
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