O Dicionário Biográfico de Cinema#57: Sir David Lean

David Lean & Peter O'Toole | David lean, Peter o'toole, Lawrence ...

Sir David Lean (1908-91) n. Croydon, Inglaterra

1942: In Which We Serve [Nosso Barco, Nossa Alma] (co-dirigido com Noël Coward); 1944: This Happy Breed [Este Povo Alegre]. 1945: Blithe Sprit [Uma Mulher do Outro Mundo]; Brief Encounter [Desencanto]. 1946: Great Expectation [Grandes Esperanças]. 1948: Oliver Twist. 1949: The Passionate Friends [A História de uma Mulher]; Madeleine [As Cartas de Madeleine]. 1952: The Sound Barrier [Sem Barreira no Céu]. 1954: Hobson's Choice [Papai é do Contra]. 1955: Summer Madness [Quando o Coração Floresce]. 1957: The Bridge on the River Kwai [A Ponte do Rio Kwai]; 1962: Lawrence of Arabia [Lawrence da Arábia]. 1965: Dr. Zhivago [Dr. Jivago]. 1970: Ryan's Daughter [A Filha de Ryan]. 1984: A Passage to India [Passagem para a Índia].

A morte de Lean foi próxima de um evento de Estado para muitos no cinema britânico. Sua reputação permaneceu bastante elevada, apesar da inatividade, apesar também da triste desordem de Passagem para a Índia, um filme marcadamento menos seguro que a obra de James Ivory (o que não é um elogio a Ivory). Mais do que nunca sou da opinião que Lean se perdeu em sua própria grandeza pictórica. A História de uma Mulher e As Cartas de Madeleine são muito melhores que as produções mastodônticas que vieram após. Nem mesmo o relançamento de Lawrence - belo, e com algum material reestabelecido, poderia fornecer qualquer sentido de ideias por trás dele.

Lean foi um quaker em sua educação, proibido de frequentar cinemas enquanto rapaz. Após uma formação em contabilidade, juntou-se à indústria cinematográfica, ascendendo do rapaz do chá a carregador/claquetista, assistente de edição, a montador das Movietone News. Em 1934 tornou-se montador e trabalhou em Escape Me Never [Contudo És Meu] (35, Paul Czinner); Pygmalion [Pigmalião] (38, Anthony Asquith e Leslie Howard); 49th Parallel [Invasão de Bárbaros] (41, Michael Powell); e One of Our Aircraft is Missing [E...Um Avião não Regressou] (42, Powell). Sua chance para dirigir adveio em 1942, quando comandou as sequencias de ação em Nosso Barco, Nossa Alma.

O que aconteceu então com David Lean? Pela época de sua morte, era cavalheiro e mestre famoso. Foi considerado trágica que circunstâncias obscuras impediram-no de realizar suas versões do Motim e do Nostromo de Conrad. Ele fez um triste erro de Passagem para a Índia, de E.M. Forster, ainda que alguns se persuadiram que  seria capaz de lidar com o mais difícil livro de Conrad. É digno de registro que Lean foi um egotista charmoso, sempre bonito, e em busca de mulheres e dolorosamente esperançoso quando falava. Ele era o centro das atenções, então é fácil para os entusiastas esquecer seu frequente desconforto com cenas de diálogos. Lean foi mais surpreendente quando podia lembrar-se da narrativa pura dos filmes silenciosos. O que quer que tenha acontecido começou nos anos 50. Sem Barreira no Céu foi um filme de temática interessante, mas maçante e inconsequente. Papai é do Contra foi lamentavelmente lento e sem graça, até mesmo parecendo amaldiçoado por sua própria diversão de fazê-lo. Então veio A Ponte do Rio Kwai, uma mescla estranha de heróis tradicionais britânicos e mensagem anti-bélica, iluminado com os flashes das florestas birmanesas, ironia colegial e esses pequenos deuses para melhor filme, melhor diretor e ator. Lean era um romântico a respeito de si, e esses reconhecimentos podem tê-lo persuadido que era demasiado grande para pequenices. Foi a síndrome de Selznick.

Os filmes que se seguiram - Lawrence, Jivago e A Filha de Ryan - parecem-me exemplos de "escala" e do senso de eclipse "visual". Não importa qual seja a versão, é difícil  discernir sobre o que Lawrence é - ele parece atordoado com as intimações bastante britânicas que o deserto é um local para milagres; Jivago é um romance meloso; e A Filha de Ryan pode ser considerado um filme tão ruim quanto o que qualquer "grande" diretor jamais realizou.

De 1952 a 1991 realizou oito filmes, e em somente um deles - sugiro Lawrence - há espetáculo suficiente para mascarar a retórica rasa dos roteiros. Mas o Lean de antes de 1952 realizou oito filmes em dez anos que são cheios de vida, buliçosos, e uma inspiração - fazem com que você saia com desejo de fazer filmes, tão apaixonados pelo poder da tela e a combustão da montagem que são. Desencanto é leve e aconchegante, um pouco um exercício, mas que funciona na tela - Trevor Howard e Celia Johnson são amantes que envergonham a pose do Dr. Jivago. Oliver Twist continua arrebatador: magnífico em sua recriação do período, sua cidade repleta de vida, e sua maldade; e foi vorazmente montado e belamente desenhado (apresentando um bocado de influência russa) e filmado com sombras fuliginosas e luz ameaçadora, com grandes interpretações de Guiness, Robert Newton, Kay Walsh e John Howard Davies  (todos coadjuvantes como fossem,  Lean nunca foi tão relaxado com papéis principais). Grandes Esperanças não é tão bom, mas ainda assim vale a pena. A História de uma Mulher é o filme mais digno de redescoberta - um triângulo amoroso intrigante, com Howard, Claude Rains e Ann Todd  (que era esposa de Lean então - ela seguiu Kay Walsh). Todd é também a envenenadora escocesa no excelente As Cartas de Madeleine.

Estes filmes iniciais possuem ritmo, esplendor e uma modéstia de escala (mesmo que Oliver Twist pareça grande). E então, lentamente, Lean se tornou prisioneiros de grandes produções, um grande olho se esforçando para exibir uma grande mente. Desafio qualquer um de assistir Oliver Twist e Dr. Jivago e não admitir a perda. Daria uma biografia muito boa explicar este processo.

Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1530-2.

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