The Film Handbook#35: Federico Fellini

Et Tu, Federico? Fellini demonstra como assassinar César no set de Roma de Fellini


Federico Fellini
Nascimento: 20/01/1920, Rimini, Itália
Morte: 31/10/1993, Roma, Itália
Carreira (como realizador): 1950-1993

Há muito considerado um realizador maior, Federico Fellini estabeleceu sua reputação através de sua insistência em sua própria visão fantástica e idiossincrática do mundo. Ao fazê-lo, no entanto, repetidamente expôs-se abertamente às acusações de egomania, auto-indulgência e superficialidade; certamente muito de sua obra, ainda que visualmente extraordinária, é hiperbólica, ingênua e incoerente.

Após trabalhar como desenhista de quadrinhos e escritor para uma rádio, Fellini entrou para o mundo do cinema através de roteiros escritos para vários realizadores, o mais notável de todos Rossellini para quem co-roteirizou Roma: Cidade Aberta, Paisà e o episódio "Il Miracolo" em O Amor, no qual também atuou. Colaborou regularmente com Alberto Lattuada, com quem dirigiu Mulheres e Luzes/Luci del Varietà, uma suave sátira sobre as pretensões de uma trupe de teatro mambembe, notável pela vibrante atuação do elenco, uma virtuoso sequencia de festa e uma melancólica evocação da manhã seguinte. Abismo de um Sonho/Lo Sceicco Bianco>1 foi uma charmosa comédia romântica sobre uma mulher presa a um aborrecido casamento e ridiculamente apaixonada pelo arrogante herói de uma aventura de fotonovela; uma análise engenhosa da relação entre ficção e realidade, beneficia-se de suas taciturnas locações (praias varridas pelo vento, ruas vazias) e das memórias de Fellini que mesclam amor e ódio do universo dos fumetti. Por volta dessa época sua relação com o neo-realismo já era tangencial: em tanto Os Boas Vidas/I Vitelloni >2(sobre cinco desocupados em um vilarejo, dos quais apenas um consegue realizar o sonho de abandonar o local) e A Estrada da Vida/La Strada>3, (uma banal e sentimental história da relação entre uma infantilizada e ingênua esposa, interpretada pela mulher de Fellini, Giuletta Masina e seu bruto e musculoso patrão),  as locações apresentavam a sórdida banalidade da vida cotidiana contrapostas por temas que se tornariam característicos: a busca por uma identidade moral e o conflito entre uma grosseira e física sexualidade e uma inocência mais cerebral.

A Trapaça/Il Bidone e Noites de Cabíria/Le Notti di Cabiria apresentam mais do mesmo; no primeiro, um vigarista começa a perceber o equívoco de suas estratégias quando os colegas que havia traído o espancam; no segundo, Masina é uma prostituta com o coração de ouro, cuja inocência infantil a torna imune a realidade cruel. Porém foi com A Doce Vida/La Dolce Vita>4, que Fellini conquistaria aclamação internacional: uma errante sátira épica na qual tece considerações sobre o mal-estar espiritual da sociedade moderna, seguindo um jornalista empregado por uma revista de escândalos ao redor de uma Roma obcecada por festas orgiásticas, estrelas de cinema voluptuosas e o marketing comercial da religião. Embora suas imagens sejam extravagantes - uma estátua de Cristo voando pela cidade, suspensa de um helicóptero, Anita Ekberg dançando na Fontana di Trevi, com um gato em sua cabeça - o tom desesperado do filme frequentemente se aproxima de vazio, mesmo quando o mulherengo compulsivo de Marcello Mastroianni, nunca glamorizado, falha em sua tentativa de redenção.

Mastroianni aparece novaemente, como o alter-ego de Fellini, no que é considerado amplamente como sua obra-prima, 8 1/2>5. Sobre um diretor exaltado por todos como grande artista, mas incapaz de completar um novo filme devido a confusão criativa e crise pessoal, é uma viagem em um mundo explicitamente autobiográfico; seu simbolismo profundamente pessoal, sua galeria de personagens grotescos e sua indistinção entre realidade e fantasia confirmam a rejeição de Felliini às suas origens neo-realistas e antecipam a crescentemente indulgente e pouco sutil afirmação de seu questionável modo poético de apresentar o mundo. Julieta dos Espíritos/Giuletta degli Spiriti foi uma tediosa e grandiloquente narrativa de uma mulher virtualmente destruída por um casamento fracassado e os fantasmas de sua consciência, apresentados em visuais fantásticos ostentosamente ornamentados; Satyricon de Fellini um retrato mórbido e confuso da decadência sexual na Roma Antiga, notável somente por um punhado de cenários envolvendo o imaginário mítico e extravagante (uma luta com um Minotauro, um hermafrodita anêmico, um cortiço a beira do colapso) e por seu homo-erotismo; Os Palhaços/I Clows, um  ensaio vazio sobre o amor do diretor pelo circo como metáfora para o mundo e seus próprios dons artísticos; Roma de Fellini, uma divagação informe sobre uma cidade surreal existente apenas na imaginação do diretor; Amarcord uma viagem nostálgica a pequena cidade costeira de sua juventude, abandonando a relevância histórica (os fascistas de Mussollini são lastimáveis caricaturas) e apostando demasiado em humor vulgar, personagens grotescos e sentimentalismo fácil.

Mesmo que praticamente renegado pelo próprio diretor, o surpreendentemente sombrio Casanova de Fellini>6, foi um temporário retorno à forma, seu lúgubre retrato estilizado do famoso conquistador possibilitando uma meditação efetiva e auto-reflexiva sobre a impotência, o amor e o envelhecimento; com seus poderes desaparecidos, encontra consolo em uma boneca mecânica. Desde então, no entanto, Fellini focou crescentemente em alegorias amenas e imaturas. Ensaio de Orquestra/Prova d'Orchestra foi uma tentativa de comentário sobre a anarquia sem direção da Itália contemporânea; Cidade das Mulheres/La Città delle Donne (Mastroianni novamente servindo como alter-ego do realizador) apresentou elementos de misoginia com uma fantasia sobre homem de meia-idade em confronto com militantes feministas. E La Nave Va povoou um transatlântico  com complacentes estrelas de ópera, reunidas para o funeral de uma diva, às vésperas da I Guerra Mundial, suas vidas mudando para sempre com a chegada de um bote com refugiados sérvios; e Ginger & Fred>7, com Mastroianni e Messina como antigos parceiros de dança reunidos na velhice para um último aceno para a fama em frente das câmeras de TV, serviu como sátira a tendência da tela pequena em relação ao efêmero, a trivialidade e à publicidade. O artifício vem em primeiro lugar nesses filmes: cenários extravagantes em estúdios exagerando o gosto kitsch pelo excesso da cultura italiana, enquanto o Mestre continua consciente de sua enorme, indulgente e controladora presença.

Entrevista/Intervista tipicamente, um documentário realizado em homenagem aos 50 anos da Cinecittà, tornou-se outro retrato do próprio passado do diretor, completo com trechos de A Doce Vida e aparições de Mastroianni e Ekberg. De fato, Fellini tem sido descrito como "um artista superlativo com pouco a dizer", enquanto sua visão de si mesmo como artista confuso e profundamente humano assediado por um mundo decadente e materialista enfraquece, por fim, qualquer reivindicação de generosa tolerância com as fraquezas humanas. Se ele se revela na feiura e na loucura, pode ser por conta de seus personagens grotescos e maiores que a vida servirem ao seu apetite pela caricatura e tornarem-os ideais para as suas fantasias visuais. Certamente sua obra inicial oferece evidências amplas de um olhar aguçado para o absurdo e o atmosférico; suas reivindicações de grandeza artística, no entanto, são grandemente limitadas por uma insistência na sua própria importância e pela frouxidão tanto na elaboração de personagens quanto de narrativas. Se é deixado, em última instância em um estilo completamente subjetivo para o poder, persuasão ou o que seja de suas fantasias privadas.

Cronologia
Embora o neo-realismo tenha claramente influenciado as obras inicias de Fellini, parece que seu trabalho com os quadrinhos foi tão relevante quanto De Sica e Rossellini. Ao fazer de si seu próprio objeto central, ele se relaciona distantemente com Cocteau, Godard, Truffaut e Bergman. Sua influência é amplamente reconhecida: Mazursky e Woody Allen prestaram seus tributos a 8 1/2 com suas próprias narrativas sobre bloqueios criativos, Um Doido Genial/Alex in Wonderland (no qual Fellini surge) e Memórias/Stardust Memories.

Leituras Futuras
Fellini (Londres, 1966), de Suzanne Budgen, Federico Fellini (Nova York, 1969), de Gilbert Sachalas e Fellini on Fellini (Nova York, 1976), de Christian Strich (org.) é uma coletânea de entrevistas e artigos do realizador.

Destaques
1. Abismo de um Sonho, Itália, 1951, c/Alberto Sordi, Brunella Bova, Giuletta Masina

2. Os Boas Vidas, Itália, 1953, c/Franco Interlenghi, Franco Fabrizi, Alberto Sordi

3. A Estrada da Vida, Itália, 1954, c/Giuletta Masina, Anthony Quinn, Richard Baseheart

4. A Doce Vida, Itália, 1960 c/Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée

5. 8 e 1/2, Itália, 1963 c/Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Claudia Cardinale

6. Casanova de Fellini, Itália, 1976 c/Donald Sutherland, Tina Aumont, Olimpia Carlisi

7. Ginger & Fred, Itália, 1986, c/Giuletta Masina, Marcello Mastroianni, Franco Fabrizi

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 100-2.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng