Filme do Dia: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), Woody Allen
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, EUA, 1977). Direção: Woody
Allen. Rot. Original: Woody Allen & Marshall Brickman. Fotografia: Gordon
Willis. Montagem: Ralph Rosenblum. Dir.
de arte: Mel Bourne. Figurinos: Ruth Morley. Com: Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Carol Kane, Paul Simon,
Shelley Duvall, Janet Margolin, Collen Dewhurst, Christopher Walken, Joan
Newman, Jonathan Munk, Martin Rosenblatt, Helen Ludlam.
Os relacionamentos confusos de Alvy
Singer (Allen) no trabalho e com as mulheres, sobretudo a garota do meio-oeste
excêntrica chamada Annie Hall (Keaton). Ambos psicanalizados e, a partir de
certo momento, inseguros sobre continuarem ou não a relação. Quando retornam de
uma viagem de Los Angeles, pensam em terminar o relacionamento, sendo que Annie
Hall o verbaliza. Após um período afastado e tentativas infrutíferas de voltar
a se relacionar, Alvy impulsivamente decide revê-la em Los Angeles, onde
atualmente mora, mas a encontra relativamente adaptada ao novo ambiente. Inicialmente
ressentido, aceita a sua amizade e ocasionalmente volta a encontrá-la em Nova
York.
Filme de ruptura
na carreira de Allen e, para alguns, da comédia americana em geral. Ao
contrário de seus filmes anteriores, seu novo anti-herói aproxima-se do próprio
universo do cineasta e que será explorado infinitas vezes posteriormente: um
artista (aqui humorista) que circula pela classe média alta “esclarecida”
nova-iorquina. O filme parte de um prólogo em que Allen, diretamente para a
câmera, afirma o mote (de Groucho Marx) de que jamais gostaria de fazer parte
de um clube que tivesse como sócio uma pessoa como ele. Porém, se faz questão
de expressar seu pessimisno, o cineasta não o reitera nas imagens, realizando
um de seus filmes mais dinâmicos e envolventes. Visualmente, o filme demonstra
uma maior sofisticação que seus filmes anteriores, brincando com recursos como
a animação - na seqüência em que ilustra
que sempre achara mais bela a Rainha Má que Branca de Neve - e a tela dividida.
Os diálogos são espirituosos e de uma engenhosidade que transcende tudo que o
cineasta realizara até então. Não faltam momentos ternos como o que Keaton -
então musa do cineasta, e mais charmosa que nunca – canta em uma boate ou que
ambos se digladiam com lagostas vivas. Ou simplesmente hilários como suas
evocações de infância ou a discussão em uma fila de cinema, que Singer acaba
vencendo um professor universitário chamando ninguém menos que o próprio
teórico que é alvo da discussão: Marshall MacLuhan. Ou ainda suas ironias sobre
o estilo de vida cafona da Costa Leste, principalmente representado na figura
do produtor musical Tony Lacey (Simon) e o momento em que é apresentado a
família Hall, com uma avó explicitamente anti-semita e um irmão (Walken) que
lhe confessa, no quarto, suas pulsões suicidas ao dirigir à noite. Allen não
deixa de fazer alusões a filmes, seja galhofeiramente (a sequëncia famosa de Operação
França) ou não (o celébre documentário de Marcel Ophüls), assim como
Fellini (as recordações de infância lembram Amarcord e serão mais insistentemente exploradas em A Era do Rádio) e Bergman (como nos
filmes do cineasta, os personagens revisitam seu passado, observando
literalmente a si próprios). Uma série de situações voltaria a ser explorada em
filmes posteriores, como a descrição pessimista sobre os transeuntes que
observa (Hannah e Suas Irmãs) ou a
alusão a polimorfia perversa da mulher que o atrai (Celebridades). Em termos mais substanciais, e novamente inspirado
por Bergman, a constatação da fragilidade dos momentos de felicidade. Também em
termos formais, esse filme utilizaria recursos, que retornariam em filmes
posteriores, como a magistral utilização do flashback
e de flashbacks dentro de flashbacks. Mesmo realizando uma
narrativa fragmentária, como em seus filmes anteriores, ela é infinitamente
mais coesa e superior a tudo realizado até então. Resta de sua fase anterior, o
excessivo auto-centramento no seu alter-ego, que Allen só conseguirá superar
com Hannah e Suas Irmãs (1986). Pela
primeira vez Allen também passou a utilizar os créditos iniciais e finais do
filme que tornaram-se sua marca registrada (a austeridade de tipos brancos
sobre um fundo negro), mesmo que aqui em silêncio, sem as canções de jazz que
usualmente passariam a os acompanhar. Aliás o cineasta preferiu não utilizar
nenhuma trilha sonora, há não ser
incidental, num recurso que dá um charme a mais ao filme. Algumas
futuras celebridades de Hollywood aparecem em pequenas pontas como Sigourney
Weaver e Jeff Goldblun. United Artists. 93 minutos.
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