Filme do Dia: A Vida em um Dia (2011), Kevin Macdonald, Alejandro Romeo e vários outros

A Vida em um Dia (Life in a Day, EUA/Reino Unido, 2011). Direção: Kevin MacDonald e vários outros. Fotografia: Cristina Bocchialini, Ayman El Gazwy & Soma Helmi. Música: Harry Gregson-Williams & Matthew Herbert. Montagem: Joe Walker.
Parte da premissa de que todo o material filmado o havia sido no dia 24 de julho de 2010 enviado por pessoas ao redor do mundo. Com as cerca de 4 mil e 500 horas enviadas lapida-se o produto final que soa algo como uma versão global das sinfonias urbanas que povoaram as telas a partir dos anos 20 do século passado. Dentre os diferenciais daquela produção se encontra muito do que separa os valores tidos como dominantes então e os que hoje são pronunciados. Assim, sai a fé irrestrita no progresso e na industrialização e a exaltação de valores considerados modernos como a tecnologia e se tenta privilegiar a intimidade e a visão pessoal. Algo patente já na própria proposta de estruturação do projeto, com imagens enviadas individualmente pelo mundo afora. No entanto, que fique bem claro que a configuração final do mesmo acaba tendo um padrão bastante centralizado e conservador a partir do eixo de onde o projeto é elaborado. Tanto o inglês é a língua domimante, presente não apenas em nativos mas na fala de muitos estrangeiros como a forma como é apreendido esses Outros, representados por culturas mais diferenciadas, torna-se, em grande parte,  refém do “exótico” (guardadas as devidas proporções não tão distante assim das imagens de países “longínquos” flagradas pelos cinegrafistas dos Lumière); que o diga as imagens de um Afeganistão banal e distinto do habitualmente observado nos noticiários televisivos, automaticamente refém de sua “valorização” enquanto associada a sua vinculação bélico-militar com ambos os países produtores, e dialogando diretamente com o imaginário visual suscitado a partir do conflito, ainda quando para negá-lo. A música, evidentemente, como em experiência semelhantes (e não há como não se remeter, inclusive pela manipulação da velocidade das imagens, a Koyaanisqtasi), dita a chave pela qual as imagens deverão ser lidas: melancólica, singela, pueril, eufórica, sombria, culturalmente demarcada, dramática, etc. Existe desde esboços do que seria um material não muito diverso para a ficção, ainda que em curta-metragem, como o filho que reencontra o pai e lhe entrega a sua foto de formatura até momentos de temática social mais circunscrita, como o carismático garoto que engraxa sapatos e ama o pai, ausente da imagem, sem esquecer de apresentar um “inesperado fecho”, com o garoto apresentando o notebook onde faz uso do wikipedia enquanto substituto para uma biblioteca. Tende-se a valorizar, portanto, uma dimensão mais intimista e menos “enquadrada” para “personagens” provenientes de nações ricas e mais social e tipificadora no caso do países de menor padrão de desenvolvimento. A frase com a qual o filme foi vendido – “filmado por você” – ou mesmo o trocadilho com a canção beatle que lhe empresta o título  apenas ressalta o que já se sabe de muito: dos limites do que é filmado diante do uso que é feito disso, em propostas como essa. Em sua maior parte, as imagens são agrupadas a partir de temas, como o amor, nascimento e casamento, sem olvidar de uma certo referimento a passagem das horas do próprio dia, algo bastante demarcado em momentos como o início, com todos se preparando, a seu modo, para enfrentarem um novo dia, no momento da refeição que baliza cerca da metade do dia e o final, já aproximado da meia-noite. Alguns personagens calham bem aos propósitos do projeto como a garota que afirma não ter vivenciado nada de especial durante todo o dia, mais que isso próprio já consistia em algo de especial ou do ciclista coreano que já passara por mais de 190 nações, seis atropelamentos e várias cirurgias, conseguindo ter contato direto com pessoas de culturas tão diversas. Esse último, caso observado com mais acuidade, torna-se um exemplo de tiro que sai pela culatra, pois a mera fala do ciclista soa, na verdade, bastante irônica da superficialidade do que é apresentado pelo documentário em relação ao que terá sido a efetiva experiência desse viajante  ao longo de vários anos por tantos lugares distintos. Algo deslocada do tom geral do filme, em um bloco que se refere à “violência” se encontra o perfil quase jornalístico que segue as imagens dos mortos na Love Parade de Berlim.  Os irmãos Ridley e Tony Scott foram os produtores-executivos do projeto. LG/Scott Free Prod./You Tube para HanWay Films/National Geographic Ent. 95 minutos.



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