Filme do Dia: New York, A Documentary Film (1999/2001/2003), Ric Burns



New York, A Documenatary Film (EUA, 1999/2003). Direção: Ric Burns. Rot. Original: Ric Burns, Emma Lazarus & James Sanders. Fotografia: Davud Fird, Don Lenzer, Sthephen McCarthy, Allen Moore, Roger Sherman, Buddy Squires & Peter Hawkins. Música: Brian Keane. Montagem: Ed Barteski, Richard Hankin, Juliana Parroni, Nina Schulman, Li-Shin Yu & David Hanser.
            Em 8 episódios – o ultimo deles produzido após os atentados contra o WTC e três anos após a série original – documenta detalhadamente a história da cidade de Nova York. The Country and the City 1609-1825: A “descoberta” de Manhattan; a primeira colonização; o grande incêndio; as primeiras levas de imigrantes; a resistência britânica em Nova York; a idéia de transformá-la em capital norte-americana. Order and Disorder 1825-1865: Os grandes distúrbios provocados após a libertação dos escravos, em que os irlandeses atacaram e mataram vários negros, uma força de trabalho com o qual competiam; a poesia de Walt Witman; o projeto do Central Park, cuja maior pretensão era provocar um espaço frequentado por diversas classes sociais. Sunshine and Shadow 1865-1898. No mesmo período em que dois marcos da cidade, um deles um feito da engenharia mundial, foram erguidos (a ponte do Brooklyn e a Estátua da Liberdade), a cidade vivencia igualmente as multidões em condições de habitação miseráveis e fáceis vítimas de doenças fatais, sendo que somente a tuberculose provocava milhares de óbitos anuais.  The Power and the People 1898-1914. A extraordinária construção do metrô em apenas 4 anos (1900-1904), as comemorações que marcaram a mais iluminada das festas que a cidade já viu em 1908. A agitação operária que se seguiu, iniciada por um grupo de mulheres trabalhadoras da indústria têxtil. O trágico incêndio em uma companhia têxtil, a Triangle que mata 141 pessoas em 1911, em sua maior parte jovens trabalhadoras, e que se torna um marco divisório nas políticas trabalhistas nos EUA. Cosmoplis 1914-1931. Embalado pela prosa de F. Scott Fitzgerald, acompanha-se os anos de ouro da opulência norte-americana (e, por extensão, nova-iorquina), os anos do jazz, do estilo féerico, da escalada dos arranha-céus, culiminando com a construção do edifício Crysller, e da tentativa fadada ao fracasso do primeiro político de origem irlandesa e três vezes governador de Nova York, Al Smith, de se tornar presidente. Segue-se o caos econômico gerado pela crise de 1929 e a construção do Empire State Building, capitaneada pelo mesmo Smith e irônica evocação do fausto econômico que vem a ser inaugurado já em pleno período recessivo. O desastre que se abateu sobre Wall Street já pode ser simbolicamente prenunciado pelo atentado que, em pleno auge da farra financeira, acabaria matando 41 pessoas. City of Future 1931-1940. Durante o período da Grande Depressão, o momento mais agudo de crise econômica vivenciado pelo país, refletido particularmente em sua maior metrópole, possui como contrapartida a meteórica anscensão do populista La Guardia e de seu colaborador Robert Moses, que acaba empreendendo um planejamento nacional de criação e reinvenção de parques como um plano diretor no qual o automóvel passa a ser a principal referência para a organização espacial das cidades norte-americanas, que mudaria a paisagem das mesmas para sempre. The City and the World 1945-2000. Após o final de um ciclo com a morte de La Guardia, a influência de Robert Moses se torna ainda mais ampla, culminandona destruição de toda uma “cultura de bairro”, substituída pela especulação imobiliária, em que os setores da classe média se tornam proeminentes sobre os menos favorecidos e pela grandes rodovias, culminando na desastrosa reforma do Bronx, que destruiu comunidades inteiras, separadas por grandes vias para carros. Um dos marcos que se tornaria importante com relação a um crescente debate sobre a preservação foi a destruição da Pennsylvannia Station, uma das mais belas estações ferroviárias do país. Quando Robert Moses planejou para o Greenwich Village uma reforma semelhante a do Bronx, toda a comunidade se manifestou contrária e um grande movimento da sociedade civil, encabeçado pela urbanista Jane Jacobs, tornou-se vitorioso, conseguindo deter o projeto. A grande crise financeira que levou a cidade a insolvência em meados dos anos 1970. A recusa inicial de ajuda federal e o lento recomeço. As novas ondas de imigrantes nos anos 1990. The Center of the World 1946-2003. A polêmica sobre a construção das torres gêmeas do World Trade Center nos idos da década de 1960, contemporânea dos movimentos de protesto inspirados na filosofia urbanística de Jane Jacobs. As propostas que resultaram no projeto vencedor e o início da construção das monumentais torres em 1969. Sua inauguração em 1973. O momento em que Pierre Petit cruzou as duas torres se equilibrando em um fino cabo. A destruição com os atentados de 2001.
      Por mais extensa  e detalhada que tenha sido a pesquisa e o resultado seja não menos interessante, tampouco se pode deixar de observar uma história que, mesmo levando em conta revoltas e demonstrações populares, acaba se centrando nas “grandes personagens”  como Alexander Hamilton mais do que no próprio tecido mais complexo das relações e interesses entre grupos sociais distintos. Algo que é representado como estratégia visual recorrente através do uso de planos detidos, que sofrem um corte que os aproxima ainda mais dos respectivos quadros das referidas figuras ilustres. Faz-se uso discreto de efeitos sonoros bastante modestos para ilustrar a enorme quantidade de material iconográfico amealhado para ilustrar o documentário. É esse material, visivelmente e com motivos óbvios, mais escasso no primeiro episódio e a qual se acaba meio que exageradamente se fazendo uso de imagens contemporâneas de Nova York como contraponto que talvez seja um dos pontos altos do mesmo, apresentando uma diversidade de fotografias coloridas de populares raramente apresentadas ou se detendo sobre o olhar melancólico e profundamente penetrante de Walt Whitman. Do mesmo modo, torna-se relevante a relativa discrepância do espaço reservado a depressão após o crack da bolsa em relação a eulogia do Empire State enquanto símbolo duradouro da cidade do episódio anterior. Ou ainda a desnecessária inclusão de um episódio que remete a construção e destruição das torres do World Trade Center. Dado o recente do ocorrido, torna-se bastante difícil para os entrevistados e para a retórica conduzida pelo narrador elaborar algo que vá além do lugar comum ou da comoção (Howard Koch, ex-prefeito da cidade, chega a se emocionar em mais de um momento). Porém, de uma maneira geral, trata-se de um monumental e bem documentado esforço de pesquisa que possui momentos de peculiar brilho, como os comentários de Marshall Berman sobre o desaparecimento da cultura de bairro que segue as reformas de Robert Moses ocorrendo sobre as imagens em 16 mm captadas pelo crítico James Agee, que justamente ilustram este estilo de vida que se encontraria condenado posteriormente. Destaque para a bela trilha musical que pontua todos os episódios com sua agridoce melancolia e que, juntamente com a bela e classicamente distanciada, ainda que ricamente modulada em seus limites, narração de David Ogden Stiers  e os constantes e relativamente longos escurecimentos, tornam-se figuras discursivas fundamentais para o ritmo bem sucedido com que geralmente fluem os episódios. New York Historical Society/Steeplechase Films/WGBH/WNET para PBS. 600 minutos.


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