Filme do Dia: ...A Valparaíso (1965), Joris Ivens
...A Valparaíso (Chile/França, 1965). Direção:
Joris Ivens. Rot. Original: Chris Marker. Fotografia:
Georges Strouvé. Música: Gustavo
Becerra. Montagem: Jean Ravel.
Numa apresentação
que pode parecer aos desavisados semelhante a um travelogue, Ivens elabora com
seu habitual tom agridoce uma visada sobre a cidade chilena de Valparaíso. Suas
imagens são de uma beleza de tirar o fôlego. O ângulo que escolhe para filmar
planos abrangentes da cidade possui o mesmo meticuloso cuidado com que rouba
momentos do carinho de mães para com seus filhos das janelas das casas
populares para a eternidade. Sua Valparaíso é marcada pelo sobe e desce das
colinas pelos teléfericos ou intermináveis escadarias – a determinado momento
um homem que sobe uma delas com somente uma perna parece uma evocação distante
e realista do Encouraçado Potemkin – mas igualmente pelas divisões
sociais. A pesca, as morsas vindo buscar
alimento quase que da mão dos pescadores, o jogo de futebol entre as crianças,
as marcas deixadas pelos vários povos que a dominaram, seu lado pitoresco e sua exuberante
fotografia em preto&branco, assim como a narração inspirada e poética (a
partir do roteiro de Marker), não deixam nunca esquecer de todo as divisões
sociais. Portanto, longe do paraíso etéreo sugerido pelo Rio de Janeiro de Orfeu
Negro, essa se faz presente sobretudo na falta de água, discutida a
determinado momento em um conselho comunitário. Cena que logo é contraposta a
um alegre baile dançante ao som de fox-trot. Porém as chamas dos costumeiros
incêndios nos barracões de madeira é uma sombra que aterroriza a população de
baixa renda. Os cortes secos, que muito acompanhavam a filmografia de Ivens,
aqui surgem conscientemente incorporados pós-Nouvelle Vague numa seqüência que
apresenta a diversidade de passageiros que faz uso dos teléfericos
cotidianamente. Ou ainda fazendo a engenhosa conexão entre o presente glorioso
de um cavalo ganhador de um troféu nas corridas com o seu pretenso futuro cinco
anos após, subindo e descendo os morros como mero transportador de carga, antes
de ser sacrificado para se tornar refeição do restaurante popular. Não falta
sequer, como igualmente comum no realizador,um momento abertamente encenado, de
um conflito em um cabaré onde se divertem garotas e marinheiros, e que acaba
resultando na sua mudança final para as cores
(mudança também presente, ainda que antecipada em outro curta seu do
mesmo ano, Le Mistral). Nos seus últimos minutos, faz-se uso inclusive
de pinturas para se apresentar um breve panorama histórico sobre o país, a
opressão inglesa, depois americana, seus terremotos e incêndios. Seu tema
musical (executado por Georges Delerue) e a constante presença de brincadeiras
entre crianças, culminando ao final com um festival de pipas nos céu e o vasto
véu da noiva sendo lançado contra o vento dão o tom de leveza salpicada por
referências menos vistosas ou belas que ditam o tom do filme do início ao
final. Patrício Guzman, que futuramente
se tornaria um documentarista importante na cinematografia chilena, foi
assistente de direção. É difícil se
ficar indiferente a esse curta como habitualmente se fica num travelogue. Argos Films/Cine Experimental de la
Universidad de Chile/Universidad de Chile. 31 minutos.
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