Filme do Dia: Em Nome da América (2017), Fernando Weller

 


Em Nome da América (Brasil, 2017). Direção e Rot. Original: Fernando Weller. Fotografia: Nicolas Hallet. Música: Juliana Holanda. Montagem: Caio Zatti.

Documentário que apresenta um quadro bastante nuançado e ambíguo de jovens voluntários que vieram dos Estados Unidos no contexto da ditadura militar brasileira, sobretudo ao estado de Pernambuco, através da Peace Corps, agência criada à época do Governo Kennedy. A maior parte motivada pelo idealismo ou como fuga ao alistamento na Guerra do Vietnã, o grupo que se dizia apartidário e com posturas em geral progressistas – sobretudo quando comparadas as de outra entidade governamental norte-americana, a Aliança para o Progresso – se depara com uma realidade complexa em que, aos poucos, se dão conta de um contexto bem mais amplo, envolvendo as divisões ideológicas vinculadas à Guerra Fria, e o temor do comunismo, por parte dos Estados Unidos e questões como latifúndio, mortes provocadas por poderosos no Brasil. Em um dos depoimentos mais marcantes, um dos ex-voluntários evoca quando a pessoa das Ligas Camponeses sofreu um atentado, enquanto ele havia viajado ao Recife e que a assistente social afirmara que não podia ser prestada assistência a ele por ordens de cima, quando esse havia sido hospitalizado, vindo a falecer e enterrado em cova rasa, assim tinha certeza que o mataram embora o alvo dos sonhos fosse ele próprio e criar um incidente de maior amplitude. Ou ainda a ex-voluntária que se emociona ao afirmar como sua realidade se modificara ao tentar vacinar uma criança nas nádegas e não encontrara gordura o suficiente para fincar a injeção. Dentre seus maiores méritos se encontra uma pesquisa minuciosa, referendada por uma não menos farta exumação de imagens de arquivo, que vão de material institucional até momentos em que a mesma e a presença de norte-americanos é posta em xeque, inicialmente por colombianos, em que a instituição também atuou e, posteriormente, e de forma ainda mais surpreendente, pelos próprios jovens engajados na mesma. E, se a instituição fora conhecida por não ingressar ou fazer qualquer proselitismo ideológico, ao final dos anos 60, ficou reconhecida sua aproximação com outras instituições de caráter mais conservador e, inclusive, uma suspeita forte de um de seus membros ser um agente da CIA. Os comentários sobre o referido personagem, que surgem cada vez mais intensamente, constroem uma atmosfera próxima do suspense, com quem o realizador flerta mas nega ir às últimas consequências, sendo recebido pelo mesmo em sua casa e apresentando-se visivelmente pouco confortável com a situação toda, enquanto folheia álbuns em busca de imagens de sua temporada no Brasil. Dentre os entrevistados brasileiros, existe igualmente depoimentos fortes, como o da senhora que afirma sobre o frequente sumiço de crianças, que eram simplesmente mortas por andarem pelas ruas da pequena cidade ou desapareciam, fala essa pontuada pela nítida compreensão de sua situação de vulnerabilidade quando comparada, inclusive, a americana ex-voluntária e hoje antropóloga em Berkeley e o próprio documentarista. Outro mérito é o da recusa do maniqueísmo, apresentando, por exemplo, uma visão em que o idealismo e a dimensão de vivência pessoal assomam, inclusive enquanto elemento de memória de um passado da juventude, com intensidade não são apagados por questões ideológicas de alcance muito maior que se não chegam a ser aprofundadas por todos aqueles que vivenciaram essa experiência, muitas vezes transformadora, o é pelo próprio filme. Enquanto a tensão e os silêncios falam muito mais que qualquer esboço de argumentação tentado pelo aparente espião, que se resume a dizer de si que todos os norte-americanos da época sofriam da mesma suspeição. Um dos padres, aparentemente progressistas, que surge com um discurso inflamado diante das câmeras, era notoriamente um colaborador do regime militar, fazendo parte do sistema que incensava as cooperativas produtivas como alternativa ao movimento levado a cabo pelas Ligas Camponesas e Francisco Julião. Dentre as surpresas que quebram com a relativa sisudez do tema e seu desenvolvimento, encontra-se a inusitada participação do acusado de espião em um programa de auditório da tv norte-americana que buscava justamente que o espectador adivinhasse quem era ele entre dois outros. Destaque para as imagens de João Goulart sendo recebido por Kennedy em sua viagem aos Estados Unidos. Assim como para a final, em que uma réplica da Estátua da Liberdade (confundida por um pequeno comerciante local com ninguém menos que a Princesa Isabel) tem como eventual contraplano e horizonte não o skyline da ilha de Manhattan e seus gigantescos arranha-céus, mas uma comunidade que vive em casas bastante precárias. Associação talvez demasiado apressada do imperialismo do “irmão do norte”, mas condizente com a relação entre um organismo governamental do país mais rico do mundo no miserável sertão nordestino dos anos 1960. Jaraguá Prod./Plano 9 Prod.Cinematográficas. 96 minutos.

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