Filme do Dia: Tanya (1940), Grigoriy Aleksandrov
Tanya (Svetlyy
Put, URSS, 1940). Direção: Grigoriy
Aleksandrov. Rot. Original: Viktor Ardov. Fotografia: Boris Petrov. Música:
Isaak Dunayevsky. Montagem: Yeva Ladyzhenskaya. Dir. de arte: Boris Knoblok.
Com: Lyubov Orlova, Evgeniy Samoylov, Elena Tyapkina, Vladimir Volodin,
Anastasiya Zueva, Aleksandra Teryokhina, Nina Fedosyuk, Vera Altayskaya.
Tanya
(Orlova) é empregada no “pequeno grande hotel” de uma pequena cidade rural
soviética, que vê despertada sua paixão, assim como suas duas patroas que a
destratam, pelo recém-chegado engenheiro da indústria local, Lebedev
(Samoylov). Demitida por representar concorrência, Tanya consegue emprego na
fábrica que se tornará, após algumas tentativas mal sucedidas de ser produtiva,
em uma exemplo de produtividade, enquanto Lebedev substitui o malquisto diretor
anterior da mesma.
Alegorias
sobre romances entre classes distintas, e antes disso entre etnias idem, tem
servido como odes de confirmação da identidade nacional desde a emergência das
nações modernas, primeiro na literatura, após também no cinema. E não poucas
vezes tais alegorias, ou talvez alegoria seja um termo demasiado pomposo para
tais elaborações, involuntariamente (ou não, embora dentro de um sistema
político rígido como era o de então, soa improvável essa opção) faziam água,
diante da própria polifonia, ou talvez um termo mais apropriado fosse
cacofonia, do cinema. É o que se pode observar no contemporâneo brasileiro Argila,
também produzido em um regime autoritário e buscando agradar alguns de seus
interesses. O que salta aos olhos nesse projeto, além de sua enfadonha
condescendência com que trata sua protagonista operária é transformá-la em uma
espécie de operária padrão que, por conta própria, lança o desafio de
quintuplicar a quantidade de máquinas que terá sob sua responsabilidade na
indústria têxtil, numa espécie de gata borralheira que chama para si o borralho;
enquanto, em outra vertente, pressente que será salva de tal indignidade pela
versão do príncipe, o engenheiro que é um dos nomes mais influentes na
indústria que trabalha – e quantos abismos de distância se encontra a
representação da classe dirigente do olhar extremamente antipático que lhe fora
lançado pelo cinema do país em menos de duas décadas atrás, e que o próprio
Aleksandrov contribuiu, como colaborador mais relevante do cineasta mais
destacado do período, Eisenstein. Seu universo eminentemente fantasioso é
temporariamente deixado de lado, de forma sintomática, quando Tanya se torna a
liderança produtiva fabril – não havendo mais tempo para suas canções melosas
(motivo para que a produção fosse uma das que tivessem cenas suas incluídas no
olhar retrospectivo irônico sobre essa produção, Assim Dançou o Comunismo).
Porém, não demora tanto tempo assim para que ela volte a soltar seu canto,
agora com letras de motivação bastante distinta dos seus tempos de borralheira
doméstica. Em tom mais radiante e assertivo, afinado enfim com as prédicas do
Realismo Socialista. E sem a inclusão das animações que abrem o filme e
ocasionalmente retornam, em um modelo que poderia ser considerado, a seu modo e
bem mais modestamente, como pioneiro de um Mary Poppins. E é justamente
nesse número musical na fábrica (mais próximo de Dançando no Escuro, ou
de A Fábrica de Nada em sua incorporação do mundo do trabalho) que fica
patente outra questão que a fantasia pretende esconder. A chamada para si de
quase todo o universo do trabalho da fábrica certamente proporcionou uma
elevação significativa na taxa de desemprego da pequena cidadela, como pode ser
observada a quantidade de teares e a movimentação febril da fábrica, agora
sujeitos a figura alucinada de Tanya, a cantar sobre as glórias (um tanto
egoístas e não socializadas, por ironia) do trabalho. E também se poderia
julgar, na contramão do que o filme pretende instituir, que a “boa fada” que
retirou Tanya do analfabetismo não foi o Estado e, pior que isso, que muitas outras
Tanyas continuam sem acesso à educação formal. E quanto mais se afasta dos
motivos de Cinderella mais vai adentrando no terreno pantanoso da
propaganda do regime, desequilibrando-se por completo em favor dessa em seu
final, no qual o casal viverá seu idílio amoroso em uma fantasia que
proporciona...um apanhado de obras realistas socialistas que orbitam em torno
da que se tornará o logo da própria companhia produtora. Não é à toa que
asfixiados de qualquer emulação distante do que seja desejo, evocados sintomaticamente
apenas em dois momentos nos quais a história ainda não “entrara nos trilhos”
(uma cena em que Tanya canta com os seios túrgidos de desejo, na cama,
encobertos por sua roupa de dormir ou que mostra o lavatório coletivo das
mulheres, sem deixar de evocar sua nudez por trás dos biombos, numa discreta
alusão naturalista – ao menos ao modo soviético - como se fazia então) o par
central pareça tão sexuado quanto dois postes; os momentos que podem ser vistos
como de um prato cheio à fantasia lésbica são de longe mais promissores.
Mosfilm. 87 minutos.
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