Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#118: Carlos Gardel



 GARDEL, CARLOS. (França/Argentina, 1890-1935). O maior cantor de tangos e o mais responsável por popularizar a música mundo afora, Carlos Gardel foi também a primeira estrela argentina dos filmes sonoros. Nascido Charles Gardés em Toulouse, França, foi levado à Argentina por sua mãe solteira em tenra idade. Sua vida é frequentemente comparada a uma música de tango, emergindo dos cortiços de Buenos Aires para se tornar não apenas popular, mas também sofisticada. De acordo com Teddy Peyro e Jan Fairley "tudo sobre Gardel, sua voz, sua imagem, sua suavidade, sua postura, sua arrogância e seu machismo natural exalavam tango." (2000, p. 307). Gravou sua primeira canção em 1917, "Mi Noche Triste", gravada por Pascual Contursi que, juntamente com Angel Villardo introduziram a letra clássica de tango, escrita de uma perspectiva masculina, pondo na conta de uma mulher inconstante, suas dores de cabeça. (Em Buenos Aires, em 1914, havia 100 mil homens a mais que mulheres, garantindo grande competição pelos corações femininos).

Antes de suas primeiras gravações, Gardel atuara em um longa, Flor de Durazno (1917), dirigido por Francisco Defilippis Novoa (Algumas fontes citam um segundo filme, La Loba, também dirigido por Defilippis, como estrelado por Gardel). Em 1923, Gardel visitou a Europa pela primeira vez, com seu parceiro musical José Razzano e, em 1928, agora sozinho, retornou à França, vendendo 70 mil discos em seus primeiros três meses em Paris. Em outubro-novembro de 1930 voltou à Argentina, sendo persuadido pelo produtor de cinejornais Federico Valle a aparecer em dez curtas interpretando algumas de suas canções mais populares. Estes foram dirigidos por Eduardo Moreira e incluem um, "Viejo Smoking" que inclui alguma dramatização. 

Com a chegada do som a indústria de cinema argentina se digladiava, e Gardel voltou-se para a Paramount estadunidense, uma companhia produtora que realizava uma série de versões de filmes hollywoodianos, em outras línguas europeias, incluindo o espanhol. De forma incomum, a Paramount decidiu realizar os filmes de Gardel unicamente em espanhol, e nos Estúdios Joinville de Paris o primeiro destes, Luces de Buenos Aires, foi dirigido pelo chileno Adelqui Millar e escrito pelo dramaturgo argentino Manuel Romero e Luis Bayón Herrera. Gardel e Gerardo Hernán Matos Rodriguez compuseram a música, enquanto a banda de tango de Julio de Caro, uma das melhores, acompanhava o cantor. A despeito de seu estranho enredo - a heroína é resgatada de Buenos Aires por gaúchos - Luces de Buenos Aires (Luzes de Buenos Aires) foi um enorme sucesso na Argentina, transformando Gardel em astro de cinema. Aparentemente, alguns membros do público persuadiram o projecionista a retornar o filme para que pudessem ouvir a representação do grande tango de sucesso do filme, "Tomo y Oblygo" (*). Em 1932 outro contrato foi assinado com a Paramount, na França, que resultou na produção de um curta e dois longas, Esperáme e Melodia de Arrabal, ambos dirigidos por Louis Gasnier, que havia realizado uma série de filmes nos Estados Unidos. Todos os três foram lançados na Argentina em 1933, e Melodía de Arrabal, apresentava Gardel como jogador que se regenera pelo amor de uma mulher, introduzindo a atriz Imperio Argentina às platéias locais. Este filme, talvez o melhor de Gardel, foi fotografado pelo excelente diretor de fotografia Harry Stradling e apresentava dois sucessos, a canção-título e "Silencio". Os vinte e cinco minutos iniciais fornecem uma excelente introdução visual e aural a vida noturna boêmia de música, jogo e pequenos crimes do bairro. 

No final de 1933 Gardel viajou a Nova York para cumprir um contrato com a NBC e assinou um excelente contrato cinematográfico com a Paramount, permitindo formar sua própria companhia produtora, a Exito Spanish Pictures, com a Paramount concordando em distribuir seis filmes. Gasnier foi convocado da França e dirigiu o primeiro dos dois  nos estúdios Astoria, em Queens, Nova York, entre maio e julho de 1934: Cuesto Abajo, um melodrama apresentando a canção "Mi Buenos Aires Querido", e a comédia El Tango en Broadway. Trabalhando agora praticamente todo seu tempo na carreira cinematográfica, Gardel apareceu em seu terceiro e quarto filmes respectivamente durante janeiro e fevereiro de 1935. Tendo se desentendido com Gasnier, um diretor americano mais jovem e inexperiente, falante de espanhol, foi contratado para El Dia Que Me Quieras e Tango Bar, uma comédia musical ligeira. El Dia Que Me Quieras é frequentemente considerado como o melhor dos filmes de Gardel. Na verdade, nem é bem dirigido, nem um melodrama convincente. Mas deu a seu astro um grande papel e a sua atriz principal, Rosita Morena, interpreta o duplo papel de mãe e filha. Gardel é Julio Arguelles, filho de um rico negociante que se apaixona e casa-se com uma jovem trabalhadora, Margarita, contra os desejos do pai desta. Devastada, após Margarita morrer por conta dele não conseguir dispor da medicação que poderia tê-la salvado, ele abandona sua terra natal.  Quando retorna, como cantor bem sucedido, após um abismo de vinte anos, reúne-se com sua filha, que também é uma cantora reconhecida. No barco, ele canta "Volver", canção melancólica sobre a saudade de casa, que se torna um dos mais famosos tangos de todos os tempos e é completamente associado com o cantor, que morreu pouco após o filme e o disco com a canção terem sido feitos. 

De forma trágica, Gardel morreu em um acidente de avião quando aterrisava em Medelín, Colômbia, em meio a uma turnê caribenha, em 24 de junho de 1935. Sua última sessão de gravação, em 19 e 20 de março de 1935, produziu algumas das maiores gravações, dentre as 900 que realizou e, ironicamente, a indústria de cinema argentina, da qual não fez verdadeiramente parte, floresceu após sua morte. Seus filmes finais, incluindo Cazadores de Estrellas, a versão hispânica de The Big Broadcast of 1936, com um sketch de Gardel, foi lançado na Argentina após sua morte. Já era então uma imensa estrela, e uma das maiores multidões saiu para a procissão do funeral ao cemitério de Chacarita, em Buenos Aires, onde uma estátua de bronze em tamanho real foi erigida. 

Até hoje sua imagém é predominante em Buenos Aires em outdoors, murais e placas, e númerosos filmes contém suas canções. Dois filmes, em particular, prestaram-lhe tributo e a cultura musical portenha altamente emotiva que é seu legado. São Tangos, el Exilio de Gardel  (Tangos, o Exílio de Gardel, 1985), dirigido pelo argentino Fernando E. Solanas na França, a respeito de um grupo de exilados argentinos vivendo em Paris, que decide montar um balé de tango, e Volver (Espanha, 1986), de Pedro Almodóvar, estrelando Penelópe Cruz. Uma complexa história de retorno para casa e da morte para descobrir a verdade.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Cinema. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 277-79.

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