Filme do Dia: Até os Deuses Erram (1973), Sidney Lumet

 


Até os Deuses Erram (The Offence, Reino Unido/EUA, 1973). Direção: Sidney Lumet. Rot. Adaptado: John Hopkins, a partir de sua  peça The Story of Yours. Fotografia: Gerry Fisher. Música: Harrison Bithwistle. Montagem:  John Victor-Smith & John Clark. Figurinos: Evangeline Harrison. Com: Sean Connery, Trevor Howard, Vivien Merchant, Ian Bannen, Peter Bowles, Derek Newark, Ronald Hadd, John Hallam.

Sargento Johnson (Connery), investigador da Polícia Britânica, após anos cuidadando de casos escabrosos, perde o controle quando interroga o homem que acredita ser culpado, Baxter (Bannen).  Seu destempero provoca a morte do suspeito e, após uma conversa difícil e tensa depois de retornar para casa, com sua esposa (Merchant), é a vez do próprio Johnson vir a ser interrogado, por seu superior, Carthwright (Howard).

Talvez o estranhamento presente em sua narrativa, que procura emular a mente em aparente surto psicótico de seu protagonista seja o que o filme traga de mais louvável. Dito isso, aproxima-se de forma demasiado pesada e algo catastroficamente esquemática de seu atormentado personagem. Sua origem teatral emerge plenamente nos longos diálogs que Johnson trava com sua esposa, com seu superior e, ao final, quando reproduz a ação completa que o levou ao crime, entrevista anteriormente em trechos mais curtos (como o flashforward inicial) enquanto narrativa do próprio. Mesmo que tais diálogos não sejam em si destituídos de inteligência – sobretudo os que a sagaz vítima de Johnson trava com ele – não se beneficiam da construção do personagem desse, do qual nada sabemos e apenas ficamos a saber através de seu momento de descontrole, descontrole esse demasiado brusco para soar verossímil. A melhor presença no filme é a do veterano Howard, na medida e sem os excessos que se poderia pensar como indispensáveis para Johnson, mas que se estendem para Baxter e sua esposa igualmente. Quase como se Howard interpretasse um tom abaixo dos outros, abdicando de uma empostação cênica mais afinada com o teatro ou com filmes que aceitam por inteiro (como Quem Tem Medo de V. Woolf?) e não da forma algo atravessada aqui disposta. Lidando com personagem também fora de seu habitual comportamento,  Enigma de uma Vida (1968), consegue melhores resultados, incorporando o estranhamento de seu personagem ao próprio processo narrativo de forma bem mais ousada que a aqui apresentada. Embora o uso extenso de um efeito ótico não seja de todo mal conseguido em sua representação da mente perturbada de Johnson, ao mesmo tempo parece trair ainda mais a proximidade com a qual o cinema clássico representava situações e tipos semelhantes.  Paralelos com a obra contemporânea de Nicolas Roeg, que também produziu resultados mais interessantes, talvez sejam  ainda mais profícuos, dada a relação de proximidade/distanciamento maior com o cinema de gênero.  O infeliz título brasileiro é um convite a dissecação da introjeção de nossa própria cultura autoritária. Tantallon para United Artists. 112 minutos.

 

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