Filme do Dia: A Paixão de Cristo (2004), Mel Gibson

 



A Paixão de Cristo (The Passion of the Christ, EUA, 2004). Direção: Mel Gibson. Rot. Original: Mel Gibson & Benedict Fitzgerald. Fotografia: Caleb Deschanel. Música: John Debney. Montagem: John Wright. Dir. de arte: Francesco Frigeri. Cenografia: Carlo Gervasi. Figurinos: Maurizio Millenotti. Com: James Caviezel, Monica Belucci, Hristo Shopov, Claudia Gerini, Maia Morgenstern, Sergio Rubini, Toni Bertorelli, Roberto Bestazzoni, Luca Lionello, Jarreth J. Merz, Rosalinda Celentano, Luca De Dominicis, Pietro Sarubbi.

Jesus (Caviezel) é feito prisioneiro dos judeus que o levam até Pôncio Pilatos (Shopov), que afirma que ele deve ser julgado pelo líder de seu próprio povo. Pilatos tanto teme a crença de sua amada Claudia (Gerini), quanto a revolta política tanto se ele for condenado (por parte do povo hebreu) quanto se ele não for (por parte dos romanos). Levado à presença do Rei Herodes (De Dominicis), permanece mudo o tempo todo, levando Herodes a chamá-lo de louco e não ver por motivo para sua condenção.  Retornando a Pôncio Pilatos, acaba sendo sujeitado a uma longa sessão de torturas. Apresentado em estado de degradação física completa diante do povo, esse não se contenta e pede sua crucificação, preferindo libertar um assassino convicto, Barrabás (Sarubbi). Começa então a via crucis, na qual  Maria (Morgenstern) consegue se aproximar do filho e Maria Madelena (Belucci), recorda o momento no qual ele salvou sua vida. Sofre uma longa sucessão de torturas, já na cruz, até a morte. Sua morte provoca um pequeno terremoto, que coloca todos momentaneamente em pânico.

Essa atualização high tech da Paixão (tema de longa tradição no cinema, que remete das produções da primeira e segunda décadas do cinema ao Jesus Cristo Superstar da época da psicodelia) é sobretudo marcada por uma sede de realismo descritivo, que se configura no provavelmente meticuloso trabalho de figurino, decoração e na utilização do latim e aramaico, assim como no exímio trabalho de maquiagem para acentuar as sessões de tortura sofridas por Jesus. Porém, todos estes detalhes são cosméticos, no sentido de que o filme continua tão profundamente superficial quanto, na sua devida proporção, eram os épicos hollywoodianos clássicos. Tenta-se aqui e ali apresentar a “face humana” do protagonista (seja quando cai ainda criança ou quando joga água em uma brincadeira carinhosa com a mãe) para tentar fugir do irrealismo exagerademante solene de seus ancestrais fílmicos (satirizados com maestria pelo grupo Mont Phyton em A Vida de Brian). O filme, no entanto, consiste em um longo espetáculo voyeurista como, aliás, são via de regra todas as representações da paixão. Nesse sentido, pouco cabe aqui de dimensão reflexiva, como alguns temas religiosos chegaram a ser tratados em raros filmes como um dos episódio de O Amor , de Rossellini ou o Evangelho Segundo São Mateus, de Pasolini e sobra de efeitos dramáticos fáceis, acentuados pela trilha sonora e os previsíveis flashbacks, que igualmente ajudam a aliviar um pouco a opção por uma compressão temporal que representaria não mais que algumas horas. O filme ainda faz questão de reforçar velhos preconceitos da escatologia cristã personificando o demônio como criatura ambígua (na verdade, interpretada por uma mulher, como o fora por Buñuel no genial Simão do Deserto) e apresentando um Herodes e sua corte como a própria encarnação da bestialidade homossexual. Uma saudável nota discordante em meio a tanta inércia criativa é a vigorosamente contida interpretação de Shopov como Pilatos. Iron Productions/Marquis Films Lmtd. 127 minutos.

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