Filme do Dia: Esquina da Vida (1948), Albert H. Kelley

 


Esquina da Vida (Street Corner, EUA, 1948). Direção Albert H. Kelley. Rot. Adaptado Jack Jungmeyer & Edwin Roth, a partir do conto de Kelley. Fotografia Virgil Miller. Música Bernard Katz. Montagem John Faure. Dir. de arte Frank Dexter. Maquiagem Harry Ross. Com Joseph Crehan, Marcia Mae Jones, Jean Fenwick, Don Brodie, John Treul, Billie Jean Eberhart, Jan Sutton, Gretl Dupont, Dale Van Sickel.

Lois é uma garota de 17 anos que se entrega em um momento de desejo ao namorado Bob Mason (Treul), que havia saído para uma noite de festa com outro casal. Aterrorizada com a possibilidade dos pais (Brodie e Fenwick) ficarem sabendo, Lois busca auxílio junto a garçonete mais velha da lanchonete frequentada pela juventude local, Kitty (Sutton), que a encaminha para uma praticante de aborto (Dupont) bastante desinteressada quanto às consequências de suas clientes. Desacompanhada, Lois desmaia na rua defronte à moradia de quem lhe havia praticado o aborto, sendo quase atropelada. Ao motorista (Van Sickel), preocupado com seu estado, ela murmura a clínica do Dr. Fenton (Crehan), que já havia alertado seus pais sobre os riscos de não educarem sexualmente a filha. Ele chama uma ambulância para o centro cirúrgico, onde ela vem a ser operada. E um processo é aberto na justiça, com a praticante de aborto pegando a pena de dez anos.

Seus créditos iniciais constrangedoramente entregam o temor de qualquer espectador minimamente alerta perceber sua proposta sensacionalista (explotation). E quando nos sentimos demasiado familiarizados com os diálogos engessados e as interpretações canhestras típicas dos curtas educativos contemporâneos a advogarem semelhantes propósitos, junta-se ao arsenal a figura do narrador interno, bastante utilizada igualmente naqueles. E que numa comunhão de coincidências de fazer corar um escritor de melodramas genéricos de idos do século XIX não apenas observa a saída da vítima do caso narrado com outros jovens da casa do qual é vizinho, como ainda naquele momento ingressara nela o dr. Fenton para alertar os pais sobre o risco da não orientação sexual de seus filhos. No quesito interpretações psicotrônicas, à guisa de um melhor termo, a perpetradora do aborto quando identificada pela garota na qual realizou o procedimento seria digna do Oscar de coadjuvante, se houvesse alguma categoria do tipo. Rosto anguloso e másculo, envolto em um véu preto, a fazer um esgar básico de espanto. A partir daí observaremos como se chegou a tal situação. E, no momento, em que a própria Lois, vivida por uma Marsh que iniciou criança sua carreira nos tempos do cinema mudo e a encerraria somente nos anos 80, cede aos impulsos mais imediatos da carne, e toma a iniciativa de fazer sexo com o namorado, observamos sua mão despedaçar a rosa ganha pelo mesmo pouco antes, diante dos pais, metáfora de pretensões poéticas para a perda de sua virgindade. O narrador, imbuído de um ímpeto de angariar o páthos possível para a cena na qual Lois conta a seu amado sobre sua gravidez numa cabine telefônica, esquece-se de já nós ter dito que seu amado Bob Mason mudou para cem milhas acima, não as várias centenas de milhas a agora separem o casal – seria uma evocação do distanciamento emocional dele a partir dos fatos relatados? Não, a não ser que fosse em um inconsciente insondável para o próprio personagem. E enquanto ele se movimenta avexado para retornar e reencontrar Lois e a garçonete que conversa com a última afirma que irá atender os clientes que chegam na lanchonete e lhe indica escutar o noticiário do rádio, já sabemos que será noticiada a morte de Bob Mason, “sobrinho do senador”. A indústria do cinema nunca esteve muito atenta ao que tinha a seu dispor. Mesmo no caso dos que se moviam nas franjas dela, como vem a ser o caso. Talvez pelo excesso de rostos e nomes (“ator é gado”, como diria Hitchcock). O que se dizer de quem vivencia Kitty, a garçonete a fazer o dublê de uma mãe distante e completamente atolada no típico mar de frivolidades da classe média estadunidense de então ter tido sua única passagem pelo cinema quando é de longe a melhor intérprete? Numa época na qual no cinema ainda não ousava dizer seu nome, esta produção o diz literalmente: aborto. E uma visão preliminar das condições precárias na qual é realizado. Ainda que tenha que urdir toda uma história envolvendo uma família de classe média, branca e com um rapaz tão preocupado com a situação, que até morrerá por conta disso e uma série de comentários hipócritas sobre o tema na voz de seu narrador, seja diretamente ao público, ao público da palestra, aos pais de Lois, a sua enfermeira e até uma árvore se duvidar. Em comparação como tema vem a ser tratado por um filme A, filmado apenas um na após e lançado em 1951, Um Lugar ao Sol, trata-se de uma abordagem muito mais direta, sem falar que ocorre de fato um aborto, o que não é o caso do filme de Stevens ou do livro e peça do qual foi uma adaptação. Porém é um filme que não passou pelo célebre Código de Produção e, consequentemente, não foi exibido em grande escala, tampouco atingindo uma repercussão crítica e impacto social mais difuso como os filmes hollywoodianos dos grandes estúdios. Destaque para uma plateia da palestra do Dr. Fenton com destacados membros nenhum pouco sincronizados com a gravidade e pose do palestrante. E para seu comentário a respeito se estaria falando consigo próprio, quando a enfermeira flagra ainda ao final da narrativa interna do filme, cujas varias modulações também se fazia uso nos curtas educativos – o arremedo de um deles, The Miracle of Birth, de duração muito mais curta é utilizado em meio a palestra - Fenton se sai com uma indireta ao público, de que esperava que não. |Wilshire Pictutres Corp. 66 minutos.


 


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