Filme do dia: Jardins de Pedra (1987), Francis Ford Coppola

 


Jardins de Pedra (Gardens of Stone, EUA, 1987). Direção Francis Ford Coppola. Rot. Adaptado Rob Bass, a partir de um romance de Nicholas Profitt. Fotografia Jordan Cronenweth. Música Carmine Coppola. Montagem Barry Malkin. Dir. de arte Dean Tavoularis & Alex Tavoularis. Cenografia Gary Fettis. Figurinos Willa Kim & Judianna Makovsky. Maquiagem e Cabelos Bernadette Mazur, Monty Westmore, Brad Wilder, Anthony Cortino & Philip Leto. Com James Caan, Anjelica Huston, James Earl Jones, D.B. Sweeney, Dean Stockwell, Mary Stuart Masterson, Dick Anthony Williams, Lonette McKee, Sam Bottoms, Elias Koteas, Laurence Fishburn.

Veterano nas Guerras do Vietnã e Coreia, o Sargento Clell Hazard (Caan) se torna instrutor de soldados que farão parte dos protocolos fúnebres no Cemitério de Arlington para os mortos em combate. Ele se envolve emocionalmente com a repórter do Washington Post Samanta, “Sam” Davis (Huston), e se afeiçoa particularmente de um jovem cadete com a obsessão de ir para o campo de batalha, Jack Willow (Sweeney), filho de um ex-combatente próximo, aposentado, e que morre do coração quando Willow está servindo no batalhão. Este não escuta os alertas de Hazard para partir para o fronte e faz toda a movimentação para tal, no ínterim casando-se com a filha de um coronel contrário ao casamento, Rachel (Masterson), que havia evitado a custo voltar a se relacionar com ele por ser militar como o pai, mas que o reencontra ao acaso enquanto visitava o túmulo de John Kennedy. Graduado como tenente, Willow consegue partir para o Vietnã, onde morrerá em combate, provocando uma crise em Hazard, que se voluntaria a comandar um batalhão de infantaria em seu terceiro cenário de guerra, não antes sem pedir Sam em casamento.

O que emerge de tão irritantemente comezinho em sua abordagem “diferenciada” quando temas como o Vietnã poderiam se espalhar para motivos cada vez mais colaterais, também pode gerar boas cenas, se você se deixar levar pela inocuidade de tudo como um apelo quase insustentável a um segundo olhar. É o caso da cena em que Clell e Samantha se dirigem a casa no carro do primeiro. Huston e Caan tornam tudo envolvente na cena, a partir de absolutamente nada de especial, que se poderia quase achar, no caso dela, que se trataria de uma versão americana de Glenda Jackson. E quando se deparam na soleira da porta, e os brincos dela estalam de forma mais eloquente que o alarido produzido pelos sapatos dos soldados de honra a acompanhar os defuntos da guerra, é uma evidente convite a que Clell avance o sinal para uma primeira noite de sexo. Que ela tenha de alertá-lo que se não avançar, seu batalhão ficará mal afamado, temos uma consideração  que em alguns anos provavelmente desapareceria pelo excesso politicamente correto. Ao menos de filmes com este perfil. Dito isso, há tudo que compõe um outro jardim, espécie de jardim do éden para muitos, do que representa a sociedade americana branca, de forma precocemente envelhecida nesta produção, que pretende ter como base de fala alguém que não pise nos calos nem de um pensamento militarista liberal, que odeia a guerra mas ainda mais os pacifistas e seus protestos, nem dos puramente militaristas, representados pela face de bebê do Jackie Willow de Sweeney. E toda uma artilharia de irmandade e parentesco masculino a se contrapor a habitual rigidez – também apresentada – nos momentos menos vigilantes do quartel, como o que Willow surrupiando 50 dólares da figura paterna, a substituir o pai recentemente falecido, para um encontro com a sua amada. E, não satisfeito, ainda receberá a chave do carro e um local para encontro com ela, após Clell indagar se não queria também seu pinto emprestado. Um dos seus trunfos, aliados de uma aproximação relativamente light da época, mesmo lidando com um tema marginalmente pesado, o dos constantes enterros de jovem recém-mortos, é o da ausência de grandes dramas ou conflitos  morais nos personagens. mesmo que se imagine que algo do tipo poderá se avizinhar quando se tem uma jornalista do Post apaixonada por um militar de visões contrárias a guerra, mas completamente apaixonado por suas “crianças” e pela instituição militar. O que nem chega a ocorrer. Mesmo quando ele espanca um contato importante dela em um momento de destempero, após este ter se excedido na bebida e nas ironias. Nem sempre as aproximações de material documental nos filmes de Coppola são das mais felizes. As imagens televisionadas da guerra tentam apresentar o abismo da realidade vivida no campo de batalha e o cotidiano de pequenos acontecimentos em segurança do frufru militar do outro lado do mundo elaborados no filme. Mas estão longe de provocá-lo de forma bem sucedida, como tampouco a inclusão de alguns segundos de Hitler ou do World Trade Center trarão maior profundidade ao seu bem posterior Megalópolis. E claro, toda a leveza do filme, em um golpe de mestre coppoliano, é revisto quando sabemos de antemão que o nosso herói chatinho e ingênuo é um dos presuntos entregues para ser honrado, como costumava fazer do outro lado do protocolo, vivo, ao final. Golpe de mestre baixo, talvez, pois arruína toda a argamassa menos pretensiosa que havia relativamente conseguido traçar, trazendo uma dose de dramaticidade de outra natureza, envolvendo um nível demasiado desestabilizador para todo o resto, a morte, e também a encobrir de forma conservadora o que havia sido posto pelos argumentos divisados fragilmente ao longo do filme, com a mesma falta de “escrúpulos” do uso do material de arquivo. Fica também exposto como um exoesqueleto, ainda mais visível com a passagem do tempo, o psicologismo típico a sustentar as formas de agir dos personagens – a “adoção” de Willow como filho se dá em um momento no qual Hazzard não tem acesso ao próprio, interditado após o conflituoso final de seu casamento anterior. Outras elaborações possíveis, à revelia da intenção de seus realizadores neste campo, são de longe mais promissoras, como a de Rachel, tal como Édipo, buscando fugir da angústia de sua relação com um pai militar e unindo-se ao filho de outro e também militar, que a fará tornar precoce viúva.  |ML Delphi Premier Prod./The Malpaso Co./Zoetrope Studios para Tri-Star Pictures. 111 minutos.


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