Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#125: Daniel Burman

 


BURMAN, Daniel. (Argentina, 1973). Um dos mais prolíficos dentre os diretores do "Novo Cinema Argentino" - dez longas em doze anos - Daniel Burman talvez seja a liderança fílmica da identidade judaico-argentina. É também o jovem diretor argentino mais respeitado dentro da indústria cinematográfica de seu próprio país, tendo recebido indicações para Melhor Filme nos três primeiros anos da Academia de Cinema da Argentina. De descendência judaico-polonesa, Burman nasceu e cresceu em Buenos Aires. Estudou direito, depois cinema, e então começou a realizar curtas aos 19 anos. Em 1995 realizou seu quinto curta, Niños Envueltos, incluído no filme de episódios Histórias Breves, e também fundou sua própria companhia, com Diego Dubcovsky (BD Cine). A partir do filme em episódios, um grupo de roteiristas foi formando, o que encorajou que cada um dos novos diretores trabalhasse no roteiro de um longa. 

Em 1998 Burman finalizou a direção de seu primeiro longa, Un Crisantemo Estella en Cincoesquinas, produzido por Dubcovsky. O filme é ambientado na virada do século e apresenta um jovem, Erasmus a buscar a vingança pela morte de sua mãe adotiva por um latifundiário, que é também o líder de um país sul-americano. Nesta trajetória se torna amigo de um pobre judeu ortodoxo chamado Saul. O filme é considerado por alguns como a primeira obra do Novo Cinema Argentino. Após conquistar algum sucesso com ele, Burman foi capaz de obter financiamento da Espanha e da Itália para seu segundo longa, Esperando al Mesías (Esperando o Messias, 2000), e apoio a pós-produção e distribuição (20 mil dólares) do fundo Hubert Bals em Roterdã, Holanda. Antes disso, foi o produtor-executivo por sua própria companhia, de Plaza de Almas e co-produziu outro, Garage Olimpo (1999). Talvez sua habilidade de angariar dinheiro para si e projetos de outros tenha feito que alguns observadores argentinos (p.ex., Quintín e Horacio Bernades) o percebessem fora da "nova onda" independente, mas foi claramente central para o movimento em seus primeiros estágios. 

Esperando o Messias é um filme bastante ambicioso com uma estrutura em rede de narrativa complexa e um estilo reminiscente dos primórdios da Nouvelle Vague, completa com numerosos cortes abruptos. Ariel Goldstein (Daniel Handler) é um jovem judeu vivendo em Once, Buenos Aires, cuja mãe morre repentinamente. Ele filma casamentos e bar mitzvahs e é esperado ajudar seu pai nos negócios do restaurante da família. Ariel gostaria de ficar com sua namorada Estela e casar-se com ela, mas acaba se envolvendo com Laura, uma cristã bissexual que está fazendo um documentário para a televisão sobre Santamaria (Enrique Piñeyro), um homem que foi deixado sozinho e sem teto após um colapso financeiro. A vida de Santamaria se interrelaciona com a de Elsa (Stefania Sandrelli), uma faxineira de banheiro feminino e suas cenas são filmadas de uma forma grandemente estilizada, em modo mágico-realista. Após sua estreia no Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (BAFICI) foi exibido em diversos festivais internacionais, vencendo o prêmio FIPRESCI em Valladolid e o terceiro coral no Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana. Foi também indicado para melhor roteirista e diretor no Prêmio Condor de Prata.

Em 2001 Daniel Burman realizou um documentário sobre seu bairro judeu, Siete Días en Once e para seu próximo filme de ficção como diretor recebeu uma bolsa da NHK (Japão) do Festival de Sundance por Todas las Azafatas Van el Cielo. Em 2002 dirigiu um filme para a TV antes de realizar Todas las Azafatas, apresentando depois seu roteiro para outro longa, El Abrazo Partido (O Abraço Partido), vencendo o prêmio principal do Festival de Cinema Latino de Havana. Depois de Burman receber fundos  do Fonds Sud (França) e do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA, Argentina), assim como dinheiro de co-produção da Itália e Espanha. O produto finalizado foi talvez o filme do Novo Cinema Argentino mais bem sucedido até então, vencendo o grande prêmio do júri e o Urso de Prata de Melhor Ator (Daniel Handler), no Festival Internacional de Berlim, em 2004, sendo eventualmente lançado em vinte países ao redor do mundo, incluindo Canadá, EUA, México, Argentina, Chile, Brasil, Colômbia, Reino Unido, França, Espanha, Israel e Japão. Ao final do ano, O Abraço Partido se tornou a submissão argentina ao Oscar de Filme em Língua Estrangeira e foi igualmente indicado a 9 Condores de Prata dos críticos de cinema argentinos, vencendo atriz coadjuvante (Adriana Aizemberg). Este filme é hoje considerado a segunda parte da trilogia semi-autobiográfica Ariel. Adler interpreta Ariel Makaroff, um jovem judeu polaco argentino que ajuda sua mãe (Aizemberg) em sua loja de lingeries. Na busca pela verdade a respeito de seu pai, Elias, que perdeu seu braço na guerra do Yom Kippur, que deseja que ele fosse europeu. Uma conexão interessante com o filme prévio é proporcionado pelo aparecimento da ex-namorada prévia de Ariel, Estella, que é interpretada pela mesma atriz, Meliena Petriella, como se fosse exatamente a mesma personagem de Esperando o Messias.

O Abraço Partido inicia com a voz over de Ariel, introduzindo todas os povos (incluindo coreanos e ítalo-argentinos, assim como os judeus) em um shopping do distrito Once, arruinados pelo declínio progressivo do peso. Com movimentos de câmera na mão espasmódicos, assim como uma centralidade continuada em Ariel, este filme dinâmico é reminiscente da saga de Antoine Doinel, de François Truffaut. Este filme é predominantemente cômico no tom, e é facil compreender o amor de Burman pela obra de Woody Allen. Burman também co-produziu o altamente aclamado Diarios de Motocicleta (2004). Seu filme seguinte como diretor, Derecho de Familia (As Leis de Família, 2006) completou a vaga trilogia Ariel, trazendo novamente o ator uruguaio Handler, desta vez como Ariel Perelman, tornando-se marido e pai, aprendendo estes papéis, parcialmente, de seu próprio pai (que morre no filme). Novamente Berlim deu a Burman sua estreia mundial, desta vez na seção Fórum. Apesar de ter sido amplamente distribuído, As Leis de Família não foi tão bem sucedido quanto O Abraço Partido, ainda que a Argentina tenha ganho três prêmios no Festival Internacional de Cine de Mar del Plata e dois Condores de Prata, incluindo Melhor Diretor. Ambos os filmes foram honrados com as submissões argentinas para o Oscar de Filme em Lìngua Estrangeira, em 2005 e 2007, respectivamente.

Burman continuou a ser um produtor extremamente ativo, realizando doze filmes de 2005 a 2013, incluindo três de seus próprios esforços como diretor. O primeiro destes, El Nido Vacio (O Ninho Vazio, 2008) focando na vida de um casal casado, cujos três filhos já deixaram a casa (o "ninho vazio" a qual se refere o título). Eles eventualmente visitam um deles em Israel, marcando a primeira vez que Burman abandona sua Buenos Aires natal, com um de seus filmes, de forma interessante, à origem de sua identidade judaica. O segundo destes, Dos Hermanos (Dois Irmãos, 2010), uma história de dois irmãos de visões diametralmente opostas (Graciela Borges e Antonio Gasalla) foi um grande sucesso local. 

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 165-67.

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