O Dicionário Biográfico de Cinema#86: Sam Peckinpah
Sam Peckinpah (1925-1984), n. Fresno, Califórnia
1961: The Deadly Companions [O Homem Que Eu Devia Odiar]. 1962: Ride the High Country/Guns in the Afternoon [Pistoleiro do Entardacer]. 1965: Major Dundee [Juramento de Vingança]. 1969: The Wild Bunch [Meu Ódio Será Tua Herança]. 1970: The Ballad of Cable Hogue [A Morte Não Manda Recado]. 1971: Straw Dogs [Sob o Domínio do Medo]. 1972: Junior Bonner [Dez Segundos de Perigo]; The Getaway [Os Implacáveis]. 1973: Pat Garrett and Billy the Kid [Pat Garrett e Billy the Kid]. 1974: Bring Me the Head of Alfredo Garcia [Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia]. 1975: The Killer Elite [Elite de Assassinos]. 1977: Cross of Iron [A Cruz de Ferro]. 1978: Convoy [Comboio]. 1983: The Osterman Weekend [O Casal Osterman].
Desde a morte de Peckinpah, o "trapaceiro" que há nele foi tomado em um entusiasmo claro, mas absurdamente distanciado - como o Monument Valley, na hora mágica, observado pelo retrovisor. Em outras palavras, parece forçado que Peckinpah existiu, para não dizer que testemunhamos e lutamos com seus filmes quando eles surgiram. Ele poderia ser somente uma advertência ou uma esperança plantada no céu: o diretor fora da linha. Não que isso indique tropeço ou erro. Não, ele saiu da linha por pura e intencional resolução, como se certo que a auto-destruição seria sua única paz. Era verdadeiramente um diretor de cinema tão deplorável, tão passional, tão perigoso? Tão belo? Certamente "eles" iriam desaparecer com ele.
Peckinpah nasceu em um rancho da família, e a escola e serviço militares fortaleceram sua deliberada masculinidade. Estudou dramaturgia na University of Southern California, e trabalhou no teatro como ator e diretor. Após pequenos trabalhos na TV, ingressou no cinema como um diretor de diálogos e, eventulmente, roteirista. Tem um pequeno papel em Invasion of the Body Snatchers [Vampiros de Almas] (56), de Don Siegel, no qual trabalhou também como roteirista, antes de ganhar reputação em westerns televisivos - criando The Rifleman [O Homem do Rifle] e The Westerner. Após o frescor dessas duas séries de western, Peckinpah foi demitido de The Cincinnati Kid [A Mesa do Diabo], então brigou feio com o produtor Martin Ranshoff, ao ponto que Juramento de Vingança surgiu algo partido, com momentos intrigantes postos juntos. Por diversos anos ficou desempregado como diretor. Roteirizou The Glory Guys [Assim Morrem os Bravos] e Villa Rides! [Villa, o Caudilho] e, somente após mais trabalho na TV - incluindo uma notável direção de Noon Wine, de Katherine Anne Porter - faria um retorno com Meu Ódio Será Tua Herança, um distinto avanço rumo à violência "autêntica", e a base para sua carreira "comercial".
Ao longo de toda a obra de Peckinpah há o tema de homens talentosos violentamente contratados para um trabalho repleto de compromissos, corrupção e traição. Eles se esforçam em realiza-lo com honra, antes de reconhecerem a inevitável lógica da autodestruição. O tema foi invariavelmente fantasiado como um western - clássico e moderno: o ar era abafado com analogias, ainda que Peckinpah também desbravou a frutífera história de 1881 a cerca de 1918. Os homens de Meu Ódio Será Tua Herança negociam armas com os mapaches, como um prelúdio para uma surpreendente carnificina. Pat Garrett é contratado para eliminar um velho amigo, sabendo em suas entranhas que ele e Kid viveram tarde demais as negociatas na fronteira. Deke Thornton deve rastrear o velho para salvar a sua vida. O herói de Alfredo Garcia deve entregar esta cabeça, e é maravilhoso como ele pode manter sua alma. Estes contratos são empregos, mas também combinações com a morte - maneiras de se chegar lá, maneiras de se romper com. São também metáforas para o engolir sapos que requer a realização de um filme. Peckinpah foi um romântico - e a maior parte de nós quando pensa a respeito dele. Portanto, esses westerns são parábolas sobre a vida em Hollywood.
Eu disse "lutar" anteriormente, e quero dizer isso. Dificilmente houve um melhor diretor que encontrei tão problemático. Aquele auto-romance sombrio é tão deprimente. As pessoas riam do destino nos filmes de Peckinpah, ainda assim possuem um obstinado e embriagado senso de humor, através do qual se deve adorar o fatalismo de Peckinpah - ou deixá-lo de lado. A celebração do derramamento de sangue é monótona, assim como bonita; tornou-se sua própria marca e clichê, e olhar em câmera lenta foi a única prova do vício à bebida, drogas, brutalidade e arrogância. O estilo foi deformadamente auto-importante. Porém, ele é belo, pois Peckinpah sabia mais sobre composição, montagem e som que qualquer um que estritamente tivesse o direito a. E há momentos - em Pat Garrett sobretudo - onde a beleza redime as atitudes grosseiras e, como a correnteza de um rio, destrói suas margens. Além disso, foi olhando para isso que Peckinpah parecia mais aberto ou incerto; ele olha para descobrir - enquanto Ford olhava para descobrir o que já sabia.
Daí o porque de Pat Garrett ser um dos grandes filmes americanos, arrebatador, perplexo e - poderia acrescentar - crescente: somente recentemente um vídeo ajustado ao formato original cruzou o meu caminho, com uma cena longa e amarga entre Garrett e sua esposa, que mudou meu sentido do filme (uma vez mais). Existem versões de Pat Garrett, e existe um culto a Peckinpah, que traz os desejos mais reais ou profundos de Sam, muito tempo após sua morte. Por que não? Tantos de seus filmes foram carniceiros, acrescentando confusão aos diálogos que são frequentemente enigmáticos e episódicos.
Então há a questão das mulheres. Peckinhah nas telas foi impiedosamente misógino. Suas mulheres são vadias, putas, putas-santas, vagabundas, madonas nativas - são também convincentes, para o olhar de Peckinpah em relação às mulheres, e algumas vezes possui atrizes charmosas rumando às indignidades que sofreram. Mas são mulheres tão passivas, tão ajustadas à paranoia masculina. Somente uma é central - em Sob o Domínio do Medo, revoltante filme de ameaça opressora, afetado e muito incomum na Inglaterra. Uma vez mais, o ódio que desvela foi finalmente uma prova de quão incluso e protegido o alegado aventureiro foi. Uma vez mais, Peckinpah é odioso.
Os filmes finais decaíram terrivelmente, deixando-nos supor a ruína que Peckinpah havia se tornado, vítima de seus vícios, incapaz de encontrar temas novos. No entanto, ficamos com um punhado de filmes que não ficaram obsoletos - Meu Ódio Será Tua Herança, Pat Garrett, A Morte Não Manda Recado e Alfredo Garcia. Omiti os dois filmes com Steve McQueen, ainda que ambos funcionem. McQueen não foi bem um ator de Peckinpah - ele preferia e fez maravilhas com grupos. McQueen era demasiado inexpugnável, e não tão aberto a desilusão: talvez por conta disso, Os Implácaveis de Peckinpah pare bem antes do terror no romance de Jim Thompson.
Então temos quatro filmes, todos na névoa do México e do sudoeste, contos de autoextermínio dignos de Borges, e igualmente verdadeiros à história do Oeste Americano e abarrotados com a melhor trupe de repertório jamais posta em um filme americano: Holden, Borgnine, Ryan, Strother Martin, L.Q. Jones, Warren Oates, Ben Johnson, James Coburn, Kris Kristofferson, Harry Dean Stanton, Richard Bright, Slim Pickens...a lista vai adiante (e ignora as mulheres).
O quanto mais emerge do homem Peckinpah, mais claro se faz que se encontrava numa busca desavergonhada de suas próprias fantasias - e esperando que os outros pagassem por ela. Um homem bastante perigoso, porque podia ser incrivelmente bom. Pat Garrett e Billy the Kid faz Clint Eastwood parecer um carpinteiro.
Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, pp. 2040-3.
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