Filme do Dia: Independência ou Morte (1972), Carlos Coimbra
Independência ou
Morte (Brasil, 1972). Direção Carlos Coimbra. Rot. Original Dionísio Azevedo,
Carlos Coimbra, Anselmo Duarte & Lauro César Muniz, a partir do argumento
de Abílio Pereira de Almeida. Fotografia Rudolf Icsey. Música: Wilson Miranda &
Chico Moraes. Montagem Carlos Coimbra. Dir. de arte Campelo Neto. Figurinos
Martha Betti, Sebastião Camargo, Manoel da Guia, Pedro Ivan & Campelo Neto.
Com Tarcísio Meira, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Rubens Ewald Filho, Kate
Hansen, Emiliano Queiroz, Manoel da Nobréga, Heloísa Helena, Labanca, Renato
Forestier, Anselmo Duarte, Jairo Arco e Flexa, Abílio Pereira de Almeida, Maria
Cláudia, Vanja Orico, Lola Brah.
1821. as
tensões pela proclamação de uma constituinte e maior autonomia do Brasil frente
à Portugal se acentuam. Dom Pedro I (Meira) notório mulherengo e boêmio, é
chamado a assumir responsabilidades mínimas por sua mãe, Carlota Joaquina
(Helena) e o pai, Dom João VI (da Nobréga). Combinam o casamento quase imediato
dele com a Imperatriz Leopoldina (Hansen).
Após a concessão de uma nova constituinte, eles transformam Pedro em
regente do Brasil, e partem de volta a metrópole. Entre as dúvidas se também
partiria ou não, Pedro proclama que fica no Brasil. Pedro planeja seu novo
governo, tendo como principal cabeça José Bonifácio (Azevedo), aconselhando-o a
ser um pacificador e evitar conflitos internos. Bonifácio também deseja uma
constituição a levar em conta as exigências próprias do país. Para se tornar
ministro do novo governo, Bonifácio faz uma série de exigências, a principal
delas, que o país se emancipe de Portugal. Os opositores de Bonifácio, dentre
eles Gonçalves Ledo (Duarte), partem da ideia de um título para Dom Pedro sair
da área de influência de seu ministro. Explode uma revolta sediciosa em São Paulo,
sendo o irmão de Bonifácio defenestrado de seu cargo. Este, em conversa com
Pedro, deixa-o a par da trama e Pedro lhe promete uma ida pacificadora à
província. No caminho para São Paulo, Pedro conhece Domitila de Castro
(Menezes). Convidado a casa da mesma, esta reclama do assédio do ex-marido e
iniciam uma relação amorosa. No retorno da viagem, ao receber uma missiva de
Bonifácio, a lhe por a par das crescentes pressões de Portugal, e de permanecer
ou não no país, proclama a independência
do Brasil. Chalaça (Queiroz) propõe uma
aliança a Domitila, contra a influência de Bonifácio sobre Pedro. E logo as
ações da dupla passam a surtir efeito. Uma delas a soltura dos revoltosos de
São Paulo. Em conflito com a crescente influência de Domitila sobre o
imperador, José Bonifácio pede a sua demissão. Novembro de 1823. A dissolução
da assembleia constituinte é feita sobre os desígnios do imperador. E a ordem
de prisão de seus líderes e também de Bonifácio. E por ordem do imperador,
Domitila se torna Viscondessa de Santos, para provocar a ira dos da família
Bonifácio Andrada, originada de lá. Sua esposa concorda com o ingresso da
Viscondessa na corte, embora em sua primeira aparição, haja manifestações de
incômodo e desagravo com sua presença. Pedro assegura a melhor residência para
quem logo se tornará Marquesa de Santos. O caso rumoroso agrava a relação de
Leopoldina com o marido. Enferma, a Marquesa tenta visitar a imperatriz, sendo
impedida por mulheres da corte. Quando ainda se encontra no Paço, chega a
notícia da morte de Leopoldina. Quando retorna das batalhas ao sul, Pedro
demite Barbacena. A morte de Leopoldina provoca revolta em boa parte da
população, irada igualmente com a influência demasiada da Marquesa de Santos e
sua possibilidade de vir a ser uma nova imperatriz. Boatos acreditam ter sido
ela a assassina de Leopoldina. Dada a rejeição popular e pensando em suas
obrigações como governante, Pedro descarta o casamento com Domitila e acerta
uma união com uma aristocrata europeia, Amélia (Cláudia). Mas não é o
suficiente e decide abdicar em prol do filho, ainda com cinco anos, convidando
para ser o regente até sua maioridade, José Bonifácio.
Projetado
tendo em vista as comemorações do sesquicentenário da independência, esta
produção se torna vítima de dois males maiores. A versão demasiado oficiosa da
história, representada por uma iconografia herdeiras das pinturas de Pedro
Américo, a mais célebre delas, homônima do título do filme, realizada já no
período bem próximo da Proclamação da República; e nas rebarbas, como a
caracterização dos serviçais e também um ou outro elemento de cena, de Debret;
o que lhe coube a peça de ser o filme dileto da ditadura militar, uma espécie
de Cipião,
o Africano para os
seguidores do fascismo italiano, mesmo não tendo sido produzido diretamente por
esta, mas sendo incentivado em sua distribuição pela mesma. O outro mal maior é
o sem tom novelesco, e mesmo fotonovelesco em alguns momentos, com que tudo é
narrado, mesmo sem deixar de lado a porção humana do retratado, sobretudo
quando observado criança brincando em meio às outras. Uma cena quase caricata
nesta submissão aos princípios do folhetim eletrônico, é a da Marquesa de
Santos pressionando Pedro em relação a anistiar os revoltosos de São Paulo,
trocando olhares com Chalaça. Este tom novelesco é ainda mais enfatizado pelos
usos e abusos do zoom, a direção de atores e a exploração da própria
trama. Um aliado importante nesse seu clacissismo já fora de moda à época é o
elegante trabalho de câmera a ressaltar os valores de produção. Dá para se
imaginar o prazer quando concluída a cena que a câmera se movimenta fluidamente
pelos traseiros dos cavalos e dos soldados, observando a saída dos
deputados da constituinte dissolvida à
prisão por mais um golpe do imperador.
Talvez até mesmo para ser comparado ao filme de propaganda imperialista
italiana fosse necessário uma maior clareza de percepção sobre quais simpatias
são as defendidas pela narração. Tornar Dom Pedro alguém demasiado ingênuo e tomado pela paixão é excessivamente
simplório. Ou seria de Bonifácio, contrariado pelo ex-pupilo ter escolhido o
caminho do absolutismo, mesmo não sendo esta a mais próxima da ditadura, então
vivenciando o auge de sua linha dura? Mas talvez simplório seja igualmente buscar ilações imediatas entre
vieses ideológicos e atitudes da história contada neste filme e o momento de
seu lançamento. E o que importa, ao final de contas, seja o modo
espetacularizado e vazio de pensamento crítico com que tudo seja apresentado.
Ainda que, nos quatro minutos finais talvez devamos reavaliar tal posição, ou
não, tendo o filme praticamente todo transcorrido, quando o próprio Bonifácio
elogia o papel fundamental de Pedro para que o país se tornasse independente,
pouco importando aí seu liberalismo ter se transformado em absolutismo, uma
visão que caberia como uma luva à ditadura, trocando fantasiosamente o
comunismo (liberalismo) pelo autoritarismo (absolutismo). E, no plano
historiográfico, mais próximo das
interpretações de Oliveira Lima e Varnhagen, observando o fenômeno a partir de
intrigas palacianas, uma mão na luva para se inserir a centralidade do
triângulo amoroso e com papel um tanto
figurativo ao observado descontentamento popular. Com uma trilha musical a
esporadicamente fazer uso de acordes do Hino da Independência. E finalmente
explode ao final o Hino da Independência até então preso a estes poucos acordes
e os créditos sobem. E seria mesquinho
se ajuizar que a imperatriz Leopoldina escutou a conversa, à voz baixa, da
Viscondessa de Santos com o marido, e a promessa deste de reconhecimento
oficial da filha bastarda, mesmo estando tão distante? Na representação dos
tipos históricos cabe menção ao casal paterno de Pedro, sendo Carlota interpretada
de uma perspectiva extremamente negativa e mal humorada, sobre a qual Camurati
lançará outras luzes com seu filme homônimo, e D. João, embora não tão
abertamente apatetado quanto no último, vivido por um comediante e fazendo
menção, bem mais discreta, a sua aludida glutonaria, e preferência por coxas de
frango. Percepções bem mais complexas
da história foram produzidas contemporaneamente (caso de Os Inconfidentes) ou pouco após (Xica da Silva), por realizadores
vinculados ao Cinema Novo, aproximando-se mais esta produção de filmes como O Mártir da
Independência, dedicado a retratar Tiradentes, embora com recursos mais modestos dos
aqui presentes. Cinedistri. 108 minutos.
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