Filme do Dia: Soberba (1942), Orson Welles

 


Soberba (The Magnificent Ambersons, EUA, 1942) Direção: Orson Welles. Rot.Adaptado: Orson Welles, baseado no livro de Booth Tarkington. Fotografia: Stanley Cortez. Música: Bernard Hermann&Roy Webb. Montagem: Robert Wise. Com: Tim Holt, Dolores Costello, Joseph Cotten, Agnes Moorehead, Anne Baxter, Ray Collins.

Noite de gala em concorrido baile na mansão dos Ambersons, aristocrática família que domina Indiannapolis. Eugene (Cotten), um dos convidados, dança a noite toda com sua ex-pretendente Isabel (Costello), que acabou preterindo-o por um mal-entendido, casando-se por conveniência com um homem apagado. De origem humilde, Eugene permaneceu longo tempo longe da cidade, voltando após vitoriosa ascensão social através de um novo invento: o automóvel. Na mesma festa a bela filha de Eugene, Lucy (Baxter) passa a enamorar-se do mimado filho de Isabel, George (Holt). Após a morte do esposo de Isabel, o desenvolvimento do namoro de ambos os casais ocorre de forma quase paralela, ainda que Eugene e Isabel sejam bastante discretos a ponto de George não desconfiar seriamente até ser alertado por Fanny (Moorehead), irmã de seu pai e solteirona que sempre ambicionara o coração de Eugene, de que as fofocas tomam conta da cidade. Indignado, George impedirá que a mãe concretize o seu relacionamento e, fazendo firme oposição, leva a mãe a sugerir que fossem viajar, abandonando a cidade, Eugene e Lucy. Após morarem em Paris, retornam a pedido da mãe convalescente, que morre logo após retornarem, sem voltar a encontrar Eugene. A situação finançeira da família Amberson torna-se cada vez mais complicada. Jack (Collins), irmão de Isabel, abandona a família e viaja. George e Fanny, sozinhos, vêem-se cercados pela miséria. George, que anteriormente era um bon vivant que não queria saber de trabalho - um dos motivos que impediu seu casamento com Lucy - agora tem que dessistir da carreira de advogado para conseguir um emprego mais imediato que pague o asilo de Fanny. Após a notícia do atropelamento de George sair nos jornais, provocado por uma" peste moderna" - o automóvel - Eugene e Fanny encontram-se no hospital e apadrinham, sem rancores, o relacionamento entre George e Lucy.

Ainda que tendo um final produzido à revelia de Welles, pela RKO, o filme, inspirado em obra de Booth Tarkingtn, realiza uma célebre e agridoce incursão ao drama de costumes, uma espécie de anti- ...E O Vento Levou. Já de início Welles dispensa os tradicionais letreiros que acompanham a maioria dos prológos da época por um dinâmico comentário sobre a família Amberson e o frustrado amor de Eugene por Isabel, realizado pela população local. Valorizado por um surpreendente roteiro com diálogos magistrais - como o que Tio Jack admoesta George para não irritar Fanny, já que esta nunca teve nada na vida além de seu amor por Eugene - , virtuoso trabalho de câmera e perfeita utilização da profundidade de campo, cenografia, atores e iluminação - como na cena em que George conversa no leito da mãe moribunda e Fanny fecha (in off) as cortinas do quarto. Curiosamente utilizando-se de tudo que a técnica oferecia da forma mais moderna possível, Welles ao mesmo tempo utiliza em certo momento (comentário irônico?) as já de muito ultrapassadas abertura e fechamento em íris. A profundidade que Welles empresta ao drama humano e existencial de seus personagens - como na sequência em que George encontra sua tia Fanny à beira da loucura ou as intrigas de Fanny que pretendem influenciar George, ganham uma dimensão quase sheakespeariana - distanciam-no anos-luz da célebre produção da Metro. Embora usualmente trabalhando com planos longos de grande fluidez visual, Welles também explora com perfeição a montagem rápida em uma cena de conflito - a recusa de George a que Eugene entre na mansão. O tom trágico e sombrio do filme se faz presente, de certa forma, até no encontro final entre Lucy e George, já que estes são os únicos personagens que no final não permanecem incompletos, e o encontro é meramente referido no diálogo de Eugene e Fanny, numa elipse que, conscientemente ou não, acaba por negar um happy end  tradicional. O que torna mais pungente o filme é sua detalhada descrição do ocaso de um mundo "inocente" e aristocrático, onde a tradição, o glamour e os costumes são o que há de mais importante e sua gradual substituição pelo mundo industrial moderno, em que só o que conta passa a ser o dinheiro e o trabalho. Curiosamente Welles volta a trabalhar conflitos edipianos - a relação excessivamente possessiva de George com sua mãe - que haviam sido, de certa forma, o cerne da crise existencial vivida pelo protagonista de Cidadão Kane. 85 min. RKO.

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