Filme do Dia: Priscilla (2023), Sofia Coppola

 


Priscilla (EUA/Itália, 2023). Direção Sofia Coppola. Rot. Adaptado Sofia Coppola, a partir do livro Elvis and Me, de Sandra Harmon & Priscilla Presley. Fotografia Phillippe Le Sourd. Música Phoenix. Montagem Sarah Flack. Dir. de arte Tamara Deverell & Danny Haeberlin. Cenografia Patricia Cuccia. Figurinos Stacey Battat. Maquiagem e Cabelos Iantha Goldberg & Jacqueline Robertson Cull. Com Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Coehen, Dagmara Dominczyk, Tim Post, Lynne Griffin, Dan Beirne, Rodrigo Fernandez-Stoll.

Numa Alemanha dominada por americanos no pós-Segunda Guerra, a adolescente Priscilla Beualieu (Spaeny) conhece Elvis Presley (Elordi) em uma festa. Este passa a ficar interessado por ela e os pais da garota (Cohen e Dominczyk) ficam assustados com o que este interesse poderá representar em termos da ameaça da continuidade de uma vida comum para a única filha deles. Porém, Elvis os convence, depois de um tempo a passar temporadas e mesmo ir morar em Graceland, sua extravagante propriedade em Memphis, onde determinará o momento certo para que venham a fazer sexo, e Priscilla é orientada a ser uma espécie de bonequinha de luxo, e sobre quem Elvis ditará inclusive o modo de se vestir.

Mesmo que sob o risco de tornar o filme demasiado prisioneiro de uma visão redutora do relacionamento do casal, embora redutora será mesmo toda e qualquer versão de qualquer relacionamento, Coppola se saiu melhor ao optar justamente pela recusa do espetáculo, que havia sido o cerne de uma recente (quando do lançamento deste) cinebiografia de Presley, a mais ambiciosa até então, Elvis, de Baz Lurhman. Aqui se assiste uma relação abusiva, talvez mais interessante que nunca, quando retratada em sua fase mais “luvas de pelica”, na qual Prisiclla é tratada apenas como um objeto que deve se encontrar à disposição de Elvis, quando ele faz seus pit stops na mansão de Graceland, sem ter uma vida propriamente social, sem poder conversar com os colegas de colégio ou se atrever a ter uma atividade profissional. Uma versão dourada e rica da Martha fassbinderiana. Sem tampouco conseguir ter uma vida sexual, sonegada a ela por Elvis, que prefere guarda-la por ser ainda menor, enquanto vivencia suas aventuras com estrelas fora, com alguns dos casos ganhando repercussão ao ponto dele não ter controle, como o vivido com Ann-Margret. Para Priscilla, sobre uma proteção de cunho fraterno-paternal, nunca bem resolvida sexualmente, mesmo após ela ter atingido a maioridade, em um cumprimento além da conta do que havia prometido ao pai da garota. E na típica dupla moral hipócrita, que com o avançar do relacionamento e da descida ao inferno da dependência química, perderá esta aura pretensamente fofinha do início. Pode ser algo enfadonha esta trajetória, sem brilho, e o lado glamuroso, este ficando em parte com o astro. Com Priscilla, e com o filme, ficamos com a face outra, desgastada, puída e tendo que posar para as fotos promocionais com a filha, filha esta morta antes que o filme fosse oficialmente lançado, e que havia se sentido indignada com a produção. De Elvis, sobra muito pouco  além do retrato da típica insegurança masculina, cuja fama de conquistador de beldades se depara com uma impossibilidade de relacionamento convencional com sua esposa e uma figura materna castradora já morta, mas aparentemente ainda intensamente viva em seu subconsciente.  Serve mais como propósito autoral dramático (e ideológico) consciente que como representação pluridimensional de alguém. Mais como um bom “filme de tese”, sobretudo ao seu início, que algo mais próximo de lhe fascinar por trazer uma punção densa de um momento único, vivido em seu transcorrer. Por outro lado, consegue-se fugir da biografia a tentar mimetizar a força à base de próteses e gestualidade, numa espécie de festival medíocre de reprodução de fotos e vídeos – a exemplo de Blonde, e do próprio filme de Luhrman. E seu limitado orçamento pode ter sido um bem vindo empecilho neste rumo.  Prêmio de interpretação feminina em Veneza. Priscilla Presley foi a produtora-executiva do filme e uma lista de filmes poderia ser arrolada nos quais seus produtores-executivos são igualmente diretamente interessados. Não tão distante deste lançamento pode ser lembrado Get Back ou Brian May em Bohemian Rhapsody, todos em torno de nomes estelares da indústria pop. E por falar em indústria da música, possa talvez ter sido uma benção que Coppola não tenha conseguido os direitos das músicas de Presley, e assim tenhamos uma boa trilha de canções, de contemporâneos e não os inevitáveis sucessos do “rei do Rock”. |American Zoetrope/The Apartment/Fremantle para The Match Factory/A 24/MUBI. 113 minutos.


 

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