O Dicionário Biográfico de Cinema#220: Nick Nolte

 



Nick Nolte, n. Omaha, Nebraska, 1941

A vida de Nick Nolte é um bom negócio, mais interessante que muitos de seus papéis. De fato, fortalece a nossa opinião de alguém que tem crescido para ser o ator americano mais elementar, a única pessoa à volta que desafia a imersão no trabalho de Marlon Brando. Nolte é dito ser o menor homem adulto que sua família conheceu. Aprendeu a ler somente na maioridade. Em 1962 recebeu uma sentença de prisão, posteriormente suspensa, de quarenta e cinco anos, por vender cartas viciadas. Foi pulando de faculdade em faculdade no sudeste, simplesmente para jogar futebol. E cresceu verdadeiramente no Iowa e Nebraska - terra de Brando. Também já tinha trinta e cinco anos (parecendo uma dúzia mais jovem) quando teve seu deslanche, numa minissérie da TV, Rich Man, Poor Man (76, David Greene e Boris Sagal). 

Por anos, depois disso, Nolte foi algo entre robusto, burro ou brutal nas telas. E foi somente nos últimos anos, que a presença desnorteada e enérgica tem começado a demonstrar talentos complexos. Considere, que em Rich Man, Poor Man, Nolte já era diversos anos mais velho que Tom Cruise em Jerry Maguire. Quando favorecemos atores juvenis, corremos o risco de ter histórias imaturas. Mas se os atores encontrarem coragem e sabedoria, necessitarão de anos de trabalho e terão a chance de sobreviver aos nossos preconceitos. Neste sentido, Nolte pode ser comparado a Robert Mitchum

Após seu sucesso na TV, Nolte foi um durão em The Deep [O Fundo do Mar] (77, Peter Yates); Ray Hicks em Who'll Stop the Rain [Soldados da Morte] (78, Karel Reisz) - muito bom, mas demasiado sutil para obter então um reconhecimento público; um futebolista em North Dallas Forty [Heróis Sem Amanhã] (79, Ted Kotcheff); e Neal Cassady no bastante artístico Heartbeat [Geração Beatnik] (80, John Byrum).

Teve um impacto comercial com Eddie Murphy, em 48 Hours [48 Horas] (82, Walter Hill), e então foi um bastante simpático e cambaleante chapa em Cannery Row [Esquecendo o Passado] (82, David S. Ward). A despeito de seu relacionamento nas telas, sua co-estrela no filme, Debra Winger, disse que nunca sabia se a personalidade de Nolte era corajosa ou simplesmente estúpida. 

Deu uma tropeçada em Under Fire [Sob o Fogo Cerrado] (83, Roger Spottiswoode), Teachers [Escola da Desordem] (84, Arthur Hiller) e The Ultimate Solution of Grace Quigley [Um Jogo de Vida e Morte] (85, Anthony Harvey). Apareceu recuperado e em forma de sua reencarnação em Down and Out in Beverly Hills [Um Vagabundo na Alta Rodada] (86, Paul Mazursky), sua primeira chance de interpretar uma comédia. Sofreu ao longo de filmes medíocres, e atitudes machistas: Extreme Prejudice [O Limite da Traição] (87, Hill); Weeds [Por Trás da Porta Fechada] (87, John Hancock); Three Fugitives [Os Três Fugitivos] (89, Francis Veber); Farewell to the King [Uma Vida de Rei] (89, John Milius); e Everybody Wins [O Crime Que o Mundo Esqueceu] (90, Reisz).

Então foi elencado como pintor em New York Stories [Contos de Nova York] (89, Martin Scorsese), e em meia hora nos apresentou um homem talentoso, confuso por um amor e romance, pelo trabalho e envelhecendo. Melhor ainda era o policial dele em Q & A [Q & A - Sem Lei e Sem Justiça] (90, Sidney Lumet), uma das grandes interpretações modernas do cinema americano, uma espécie de Hank Quinlan (*) temporão, mistura confusa de interioridade e fanatismo. Repentinamente, percebia-se o crescimento ocorrido. 

Another 48 Hrs. [48 Horas, Parte 2] (90, Hill), foi honestamente intitulado. Mas em 1991, Nolte entregou duas interpretações extraordinariamente hábeis e tocantes - como a figura central em The Prince of Tides [O Príncipe das Marés] (91, Barbra Streisand) e como o advogado espevitado e sem alma de Cape of Fear [Cabo do Medo] (91, Martin Scorsese). O último foi o recurso redentor de um filme desapontador: alguns espectadores podem ter se deliciado pela criação do mal escabroso por De Niro, mas Nolte estava o tempo todo entregando uma pequena obra-prima sobre o compromisso comum. Em Lorenzo's Oil [O Óleo de Lorenzo] (92, George Miller), foi tão evidentemente italiano quanto Brando havia sido vinte anos antes. 

Nolte é motivo de regozijo e grande esperança. Encaramos as próximas décadas com ao menos um ator capaz de interpretar homens grandes, maduros, mas grandemente problemáticos. Este ator carrega suas feridas, seu talento, seus erros do passado, e sua promessa urgente como um homem tentando se arrumar - há algo de Norman Mailer nele. Mas ele merecia coisa melhor que I'll Do Anything [Disposto a Tudo] (94, James L. Brooks), Blue Chips [Jogando as Fichas Fora] (94, William Friedkin) ou I Love Trouble [Adoro Problemas] (94, Charles Shyer).

Mas ele moveu-se, com sucesso, rumo ao drama e escolhas mais aventureiras: um fascinante Jefferson in Paris [Jefferson em Paris] (95, James Ivory); muito bom como o chefe policial em Mullholand Falls [O Preço da Traição] (96, Lee Tamahori); fazendo Kurt Vonnegut no ambicioso Mother Night [Vítima do Passado] (96, Keith Gordon); romântico em Afterglow [O Despertar do Desejo] (96, Alan Rudolph); U Turn [Reviravolta] (97, Oliver Stone); excelente e indicado por Affliction [Temporada de Caça] (97, Paul Schrader); Nightwatch [O Principal Suspeito] (98, Ole Bornedal); um dos poucos a emergirem com crédito em The Thin Red Line [Além da Linha Vermelha] (98, Terrence Malick); Vonnegut novamente em Breakfast of Champions [À Beira da Loucura] (99, Rudolph); Simpatico [Simpático] (99, Matthew Warchus); Adam Verver em The Golden Bowl [A Taça de Ouro] (00, Ivory); Trixie (00, Rudolph); Investigating Sex (01, Rudolph); The Good Thief [Lance de Sorte] (02, Neil Jordan); Northfork (03, Michael Polish); The Hulk [Hulk] (03, Ang Lee); Beautiful Country [Uma Vida Nova] (04, Hans Petter Moland); Clean (04, Olivier Assayas).

Tornou-se ainda mais aperfeiçoado, escorregando na lista do elenco muitas vezes, trabalhando no além-mar e voltando-se para novos diretores. Com a mesma certeza, um culto cresceu, que algumas vezes ajuda a carregar Nolte em profundidades mistificadoras e correntes estranhas: Hotel Rwanda [Hotel Ruanda] (04, Terry George); Neverwas [O Segredo de Neverwas] (06, Joshua Michael Stern); Off the Black (06, James Ponsoldt); em um episódio de Paris, Je T'Aime [Paris, Eu Te Amo] (06, Alfonso Cuarón); Quelques Jours en Septembre [Segredo de Estado] (06, Santiago Amigorena); Peaceful Warrior [Poder Além da Vida] (06, Victor Salva); The Mysteries of Pittsburgh [Usina de Sonhos] (08, Rawson Marshall Tuber); The Spiderwick Chronicles [As Crônicas de Spiderwick] (08, Mark Waters); Tropic Thunder [Trovão Tropical] (08, Ben Stiller); Arcadia Lost (09, Phedon Papamichael).

No entanto, para o verdadeiro nolteísta, o filme a se ver é um documentário, Nick Nolte: No Exit (08, Tom Thurman), no qual se esquadrinha a si próprio (uma ideia soberba - eu sei, porque a fiz), e que deixa transparecer a majestosa malandragem do homem. Tornou-se uma figura crescentemente estranha, marginal e impressionante: My Own Love Song [A Minha Canção de Amor] (10, Olivier Dahan); Cats & Dogs: The Revenge of Kitty Galore [Como Cães e Gatos 2: A Vingança de Kitty Galore] (10, Brad Peyton); Arthur [Arthur, o Milionário Irresistível] (11, Jason Winer); a voz de um gorila em Zookeeper [O Zelador Animal] (11, Frank Coraci); o pai alcoolátra em Warrior [Guerreiro] (11, Gavin O'Connor); como um tocante treinador/encantador de cavalos na TV em Luck (11-12); A Puerta Fría (12, Xavi Puebla); The Company You Keep [Sem Proteção] (12, Robert Redfod); como o chefe de polícia Parker em Gangster Squad [Caça aos Gângsters] (13, Ruben Fleischer); Parker (13, Taylor Hackford); The Trials of Cate McCall [Teia de Mentiras] (13, Karen Moncrieff).

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1938-40. 


N. do E:

(*) personagem vivido por Orson Welles, em filme dirigido por ele próprio (Touch of Evil/A Marca da Maldade)

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