Filme do Dia: Pinóquio (2022), Guillermo del Toro
Pinóquio (Guillermo del Toro’s Pinocchio,
EUA/México/França, 2022). Direção Guillermo del Toro & Mark Gustafson. Rot.
Adaptado Guillermo del Toro & Patrick McHale, a partir do livro Pinocchio,
de Carlo Collodi. Fotografia Frank Passingham. Música Alexandre Desplatt.
Montagem Holly Klein & Ken Schretzmann. Dir. de arte Guy Davis, Curt
Enderle & Robert DeSue. Cenografia Jesse Gregg, Gillian Hunt, Samantha
Levy, Molly Light, Laura Savage & Zach Sheehan.
Muitos anos após perder seu filho
Carlo, durante a I Guerra Mundial, um envelhecido e amargo Geppetto, observa um
boneco de madeira criado por ele ganhar vida, provocando espécie na pequena
comunidade italiana na qual vivem. Ganhando vida a partir do Espírito da
Floresta, possui literalmente dentro de seu coração, e ocasionalmente também
tentando ser sua consciência, o Grilo Falante, que escrevia suas memórias
quando sua moradia foi derrubada por Geppetto, para utilizar a madeira na
criação de seu boneco. Geppetto, sob orientação de um líder fascista local,
Podestà, manda Pinóquio para a escola, no dia seguinte, mas ele é interceptado
por Conde Volpe, o líder de uma trupe mambembe, e seu macaco-assessor,
Spazzatura. Geppetto o descobre por lá, e em meio a disputa sobre quem ficará
com o boneco – já que ele assinou um contrato com Volpe, Pinóquio é atropelado
e aparentemente falece. No reino além do tempo, Pinóquio é alertado pela Morte,
a irmã do Espírito da Floresta que é imortal, mas deve permanecer um tempo por
lá, antes de novamente retornar à vida, surpreendendo a todos. Geppetto, leva-o
para casa, mas afirma ser ele um estorvo. Sentido com o comentário do pai, e
disposto a amenizar as despesas que provocou ao velho, Pinóquio cria uma
armadilha para o Grilo, e sai de fininho de casa, indo se apresentar
voluntariamente a Volpe, fazendo-o
prometer que os lucros obtidos com ele, serão enviados a Geppetto. Quando
descobre não ser isto o que se sucede, Pinóquio apresenta uma paródia do hino
fascista diante do próprio Mussollini, sendo imediatamente executado. Quando o Grilo Falante e Geppetto buscam por
Pinóquio no mar, são engolidos por uma gigantesca besta marinha. Pinóquio ao
retornar pela segunda vez à vida é enviado a um campo de meninos que treinam
para a guerra, tornando-se próximo do filho de Podestà, Candlewick. O pai
ordena o filho a execução do boneco, mas o filho pela primeira vez se revolta
contra o pai. Um bombardeio aéreo, provoca a morte de Podestà e joga Pinóquio
para longe. Volpe o observa e pretende queimá-lo, provocando a revolta de seu
ex-aliado, Spazzatura, que consegue livrá-lo da situação, com Volpe morrendo ao
cair do alto do penhasco. Pinóquio cai no mar e flutua neste com Spazzatura,
até serem engolidos pela besta marinha, reencontrando Geppetto e o Grilo.
Conseguem sair da besta através do nariz de Pinóquio. O espirro da besta que os
havia conseguido engolir novamente, leva a uma nova morte do boneco, que pede à
Morte que o libere mais rápido que o estipulado pelas leis, para que possa
salvar Geppetto. Ele o consegue, mas sob o risco de se tornar mortal, e na ação
de salvamento do velho, morre. Geppetto revive a morte do drama do primeiro
filho até uma intervenção excepcional do Espírito da Floresta, o faça voltar à
vida. Eles vivem mais alguns anos em harmonia, até que seus companheiros
(Geppetto, o Grilo Falante e Spazzatura) morrem gradualmente por causas
naturais e Pinóquio deve seguir adiante.
Busca aproximações e distanciamentos com a obra de Collodi. Assim, Geppetto é uma figura distante da bonomia insípida de sua clássica representação na animação da Disney, amargurado e descontando suas mágoas pela perda do filho, nunca superada, no álcool. Ou um boneco bem menos antropomórfico que seu predecessor igualmente. E o fato de boa parte das técnicas serem realizadas através de bonecos, traz um parentesco esmaecido quando se traduz Pinóquio para o desenho convencional, como fez Disney – que lançou no mesmo ano da produção aqui resenhada uma mal sucedida versão em ação ao vivo, dirigida por Robert Zemeckis. Por outro lado, a história não se passa nos idos do século XIX, mas há uma alocação histórica precisa, durante a Segunda Guerra Mundial, sendo a I que provocou a morte do filho de Geppetto. São tempos de Mussolini, como observado em um mural com seu desenho e palavras de ordem. E descendo aos detalhes, como é o caso da referência a um “extra” lendo a revista Cinema, bastante popular na Itália da época. Del Toro também parece beber ocasionalmente em um anedotário tipicamente latino. Seu humor é menos o do riso solto que pela compreensão das referências. É o caso do momento no qual se descobre Pinóquio vivo, e cada um a punir por sua visão de mundo (“vida longa às artes” diz o artista, “imortal” fala o militar e “milagre” sussurram as beatas) e a única exclamação mais desinteressada vem de seu próprio criador, feliz apenas por sabe-lo vivo; ainda que no quesito de frases ou comentários, a mais hilária de todo o filme é love hurts, expressa pelo grilo falante, apertado em meio ao abraço demasiado vigoroso de Pinóquio, seu pai e o macaco Spazzatura. Tal como o Frankenstein de Whale, tem-se a medida da influência destas leituras clássicas do cinema de personagens literários prévios, quando se observa o bonequinho de “madeira” desta versão, mas sobretudo a figura do Grilo Falante, mais sombria e menos adocicada – o que não é tarefa difícil – em relação à versão disneyana. Del Toro consegue igualmente extrair novos níveis de sentimentalidade realista, em termos de choro, dos seus bonecos animados em stop motion, no caso o filho do capo fascista, é não menos que impressionante; e também de evocar a ausência de vida de um cadáver de forma ressonante no boneco de madeira sem vida. É quase inacreditável se ter notícia, por exemplo, que os seres alados também foram realizados pelo método de stop motion (no que até então se configurava como a produção mais longa fazendo uso dele), tão pouco fisicamente críveis são, em termos de materialidade e, portanto, mais próximos do universo do cartoon. E del Toro consegue uma façanha pouco comum de unir motivos a se comunicar com crianças mas também com o público adulto, sem abdicar de ser um entretenimento para público amplo. E nesse delicado equilíbrio vai se entretecendo a narrativa, com momentos tipicamente disneyanos, como os da emoção da ressureição de Pinóquio por Spazzatura e o Grilo, seguidos pouco depois pela nota sobre as mortes de ambos, e também de Geppetto, nada disneyanos. Torna-se quase uma involuntária vingança sobre uma produção que ajudou a fomentar crescentes dificuldades na aceitação de situações adversas na vida, como a que o boneco se encontra ao final e da qual não temos noção sobre quais rumos tomará – esperando não ser pretexto apenas para uma sequência. As canções não são exatamente empolgantes e o estranhamento com a comunidade, uma das questões mais interessantes trazidas, rapidamente contornado. É o tipo do espetáculo que certamente se beneficiará ao ser assistido em tela grande e com um bom sistema de áudio. Com um estilo visual barroco de contar sua aventura repleta de peripécias – o que nos faz lembrar de, entre outros, As Aventuras do Barão de Munchausen, de Terry Gilliam, pode até passar despercebido de alguns a narrativa ser auto confessadamente contada do além-túmulo. Netflix Animation/The Jim Henson Co./Pathé/ShadowMachine/DDY/Necropia Ent./Netflix para Netflix. 117 minutos.
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