Filme do Dia: O Foragido (1948), Alfred L. Werker
O Foragido (He
Walked by Night, EUA, 1948). Direção Alfred L. Werker. Rot. Original John
C. Higgins, Crane Wilbur & Harry Essex, a partir de argumento de Wilbur.
Fotografia John Alton. Música Leonid Raab. Montagem Alfred DeGaetano. Dir. de
arte Edward L. Ilou. Cenografia Armor Marlowe & Clarence Steensen.
Maquiagem Joe Stinton & Ern Westmore. Com: Richard Basehart, Scott Brady,
Roy Roberts, Whit Bissell, James Cardwell, Jack Webb, John McGuire.
O
policial Rawlins (McGuire) aborda um suspeito que se encontra diante de uma
vitrine de loja que vende um televisor-rádio. Este reage a abordagem com tiros
e o policial fica gravemente ferido. Seu colega, Marty (Brady) e um outro
policial, Chuck Jones (Cardwell), são designados para o caso. O criminoso, Roy
(Basehart), extremamente hábil com eletrônica, escuta todas as movimentações da
polícia, de sua modesta casa, onde mora com um cão. Roy deixa um equipamento
roubado com o ingênuo lojista Reeves (Bissell), que recepciona um futuro
comprador, que imediatamente identifica se tratar de algo ilegal e chama à
polícia. Reeves conta a polícia que a única coisa conhecida do rapaz é seu
nome. É combinada uma entrega do dinheiro à noite, com o escritório vazio e na
penumbra. Rawlins e Jones estão no local mas Roy, desconfiado, consegue atingir
Jones e fugir, sendo porém ferido. Ele próprio cuida de seu ferimento e inicia
uma série de roubos à mão armada. A polícia junta testemunhas e apresenta uma
série de slides com combinações diversas de aspectos do rosto, até chegar um
retrato falado bastante próximo de Roy. Reeves o reconhece como sendo ele.
Imagens são espalhadas em massa pela cidade e restante do país, mas Roy
continua foragido. A polícia não sabe que ele se movimenta pelos subterrâneos
da cidade. Ele entra na residência de Reeves e o assalta, mesmo o imóvel sendo
acompanhado pela polícia, como ele mesmo ressalta. Jones, agora em uma cadeira
de rodas, afirma que Rawlins devia cuidar do caso com impessoalidade. A partir
de algo dito por Jones, Rawlins investiga sem sucesso nos quadros da polícia,
mas quando busca informação de uma área onde chegou uma mensagem para o
assassino, tem uma boa pista de um carteiro sobre alguém que nunca recebe
correspondência e vive escondido de todos. Rawlins se faz passar por leiteiro e
descobre se tratar realmente de Roy. Com boa parte da polícia da cidade em seu
encalço, Roy consegue fugir e se refugiar nos subterrâneos da cidade, de onde
não saíra mais com vida.
Inicia
com o mesmo prólogo “documental” e voz over de No Porto de Nova York,
lançado pela mesma distribuidora no ano seguinte, e também fazendo um apanhado
genérico de uma grande metrópole estadunidense, lá Nova York, aqui Los Angeles
– e sem contar com o mesmo apelo do skyline, ou de monumentos como a
Estátua da Liberdade, forçado a se dividir entre comentários do tipo “para
alguns apenas um ajuntamento de subúrbios”, “para outros a cidade do glamour” e
ainda para terceiros “a cidade que mais cresce no país”. Tudo isto através da
igualmente impessoal voz over, também herdeira do documentário. E uma vez
mais ressurgindo e sendo o fio condutor da narrativa, trazendo uma certa dose
de estranhamento à ficção. E com o mesmo Scott Brady, rosto mais bonito, mas
menos interessante da dupla do filme seguinte.
E uma sem cerimônia em apresentar as mortes ou graves sequelas de
“homens de bem”, inclusive quando ainda sobrevivem imediatamente aos tiros e
permanecem em coma em um hospital. E
também é digno de nota, ainda antes disso, os letreiros que ressaltam a
autenticidade da proposta, baseada em um caso real, estratégia bastante comum
às primeiras incursões do cinema neorrealista italiano. E não menos relevante é
sua habitual opacidade em relação às construções psicológicas habituais aos
quais nos viciamos, sendo praticamente tudo, ou durante bastante tempo, apenas
o império das motivações que levaram o criminoso a efetuar seu crime, e sua
identidade, e pouco se conseguindo vislumbrar sequer dos rostos dos dois
agentes a comandarem a operação – um deles homônimo do célebre animador da
série Looney Tunes. Já o rosto de Basehart é marcado como sinônimo de elusivo,
e este caráter enigmático a acompanhar o seu personagem, que infelizmente se
acredita quando assistimos muito provavelmente teremos informações que irão
enquadrá-lo mais comodamente nas motivações triviais de filmes do tipo ou de
qualquer filme da época, assim como boa parte não só da época, e não à toa é de
longe mais interessante que os dos nada marcantes homens da lei – e também dos
produtores do filme, que destacam-no como primeiro créditos. A cena na penumbra
do escritório, em que os dois agentes, o negociante e Roy se encontram no mesmo
recinto, é plenamente digna de suspense, já que literalmente não sabemos o que
pode ocorrer, desde que o criminoso não seja morto, pois dele depende a
continuidade narrativa. Em menor medida,
também se pode dizer da chegada, como sempre discreta como a de um felino, na
casa de Reeves, e se este sobreviverá a sua presença. Para ambas, assim como
para o notável uso, ao que tudo indica pioneiro, dos subterrâneos de Los
Angeles em um filme – tão perfeito que se acredita ser uma recriação em estúdio
– é relevante a fotografia de Alton. E
há a sequência (provavelmente melhor do
filme) de Roy a se cuidar, para extrair a bala alojada em seu corpo, intensamente bressoniana, não no sentido de
partilhar com o espectador algo que um filme da época não poderia por mais de
uma razão (censura, incapacidade de trucagens a contento), mas dos detalhes do
procedimento, que observamos parcialmente, e da dor que nos é oferecida, assim
como de seu sangue-frio. Uma espécie de criatura a exalar autossuficiência em
todos os aspectos (técnico, comercial, social e pessoal). Você sente com ele,
como se fosse sua a carne a ser maltratada. Muito distante do que habitualmente
ocorria, nos quais ferimentos costumam ser quase somente convenções, a
significarem futura morte ou uns poucos gemidos e uma mancha de sangue quando
muito. Há alguns cortes que não deixam de gerar surpresa, como o domínio do
criminoso da enorme malha subterrânea da cidade de Los Angeles – uma piscadela
literal para Dostoievski ou mais um elemento fantasmagórico a se sobrepor a
esta figura quase sobrenatural, quase um Dr.Mabuse? Que parece se
sentir mais à vontade longe do convívio humano. O que mais a se sentir que
comiseração, ainda mais que no caso de M, quando se tem toda a força
policial de uma cidade contra um único indivíduo? As balas ecoando nos
subterrâneos provocam um efeito sonoro quase tão grandiloquente quanto em Os
Brutos Também Amam. Melhor que tudo:
o filme não se rende, como seu vilão; o último à polícia, o primeiro as
motivações ou a elaboração psicológica do perfil de seu assassino. Destaque para o inusitado surgimento de uma
dona de casa que acredita que seu leite está sendo envenenado. Haveria algo a
se falar mal? Somente os repetitivos
planos do desinteressante Scott Brady/Marty e sua cara de paisagem, como um
boneco plástico em uma viatura policial de brinquedo. Anthony Mann o codirigiu, mesmo não
creditado. Já Werker dirigiria no ano seguinte Fronteiras Perdidas,
abordagem racial pioneira (e tão limitada quanto possível, a seu modo e tempo
quanto O Que a Carne Herda, do mesmo
ano). Também conhecido como Demônio da Noite. |Bryan Foy Prod. para Eagle-Lion Films. 79
minutos.
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