Filme do Dia: Nossa Cidade (1940), Sam Wood

 


Nossa Cidade (Our Town, EUA, 1940). Direção: Sam Wood. Rot. Adaptado: Thornton Wilder, Frank Craven & Harry Chandlee, a partir da peça de Wilder. Fotografia: Bert Glennon. Música: Aaron Copland. Montagem: Sherman Todd. Dir. de arte: William Cameron Menzies & Lewis J. Rachmil. Cenografia: James W. Payne. Figurinos: Edward P. Lambert. Com: William Holden, Thomas Mitchell, Martha Scott, Fay Bainter, Beulah Bondi,  Guy Kibby, Stuart Erwin, Frank Craven, Doro Merande.

Na provinciana Grovers Corner, New Hampshire, início do século, Emily Webb (Scott) decide se casar com seu colega de turma, George Gibbs (Holden).

Impressiona por talvez trazer muitas das inovações (narrativas e mesmo especificamente visuais) que se tornarão marca registrada de algumas das obras mais lembradas da década. Isso vale para o domínio de um narrador, corporificado como farmacêutico da pequena cidade que, desde o início, fala-nos sobre de tudo um pouco relativo a mesma, retornando a 1901, quando a história se passa, mas inclusive trazendo elementos futuros, alguns deles com calculado efeito de choque (como o do garoto que vemos distribuindo jornal, que conseguirá realizar seu sonho de entrar na universidade, apenas para ser morto pouco depois, em um campo da França, durante a I Guerra Mundial). Embora tais intervenções narrativas sejam um tanto incomuns, assim como seu longo prólogo em que os personagens e dados sobre a cidade são apresentados, sem que se adentre propriamente no universo dramático se movendo por sua própria conta. E chega-se mesmo a abrir às perguntas da plateia para um funcionário do governo, o pai da família que havíamos observado antes, e que será o núcleo principal do filme, recurso que somente ganhará um potencial mais fortemente provocador décadas após, em filmes como Vento do Leste. Ouvimos, inclusive, ao contrário do filme de Godard, a indagação da plateia, na voz do que aparenta ser de uma senhora. Dois adendos devem ser levados em conta, que talvez relativizem o pioneirismo do filme. Primeiro, que a animação já o fazia contemporaneamente, sobretudo de forma mais inteligente por Tex Avery, cujos narradores, mesmo que muitas vezes não visualizados como aqui, interagem diretamente com os personagens e esses retornam suas respostas à câmera, como aqui. Depois, que a articulação de propostas inovadoras, por si só, não garante passaporte para a posteridade do filme – como se sabe, trata-se de um filme bastante obscuro, ao se completar oito décadas de sua realização. Alguns dos expedientes que faz uso talvez deponham menos a favor que contra seu resultado final. Nesse arrastado prólogo, é como se assistíssemos algo como um documentário sobre a cidade, com seus quase 90% de eleitores republicanos, contra 12% de democratas e um número irrisório de socialistas. Os homens podem votar aos 21, as mulheres ainda não. E não resta dúvidas sobre qual o perfil desse narrador interno, quando afirma, um pouco adiante, lançando uma indireta contra mulheres de maior poder aquisitivo e instrução de outras partes ou épocas posteriores do país, em sua ode a Americana, conjunto de valores e tradições, que duas senhoras da cidadezinha cozinham três refeições por dia para suas famílias, sem terem nunca tido direito a férias de verão, mas nem por isso tiveram algum dia uma depressão nervosa. Quando o filme adentra em sua diegese já se vão quase vinte minutos! Nesse sentido, faz muita falta a economia que Welles exibirá no que seria o equivalente, e com motivos dramáticos bem mais definidos, em Cidadão Kane, no ano seguinte. O que se pode indagar é, além de deixar evidente que se trata de uma encenação sobre outra época ajuizada por um narrador interno, há algo além da questão conceitual que beneficia o drama, que acaba, queira-se ou não, sendo o cerne de todo e qualquer filme hollywoodiano clássico? Não parece ser o caso aqui como é, muito organicamente em um filme emblemático dessas “experimentações” made in Hollywood dos anos 1940, Laura. Ou talvez o seja, levando-se em conta que não se tem aqui propriamente nenhum conflito dramático sequer esboçado, e por esse aspecto se tratando de uma proposta mais radical que a do filme de Preminger. Porém uma radicalidade algo fanha, por ser demasiada trivial sua tentativa de  expressão lírica  para ser interessante. Dito isso, não há como negar que houve uso bastante apropriado de algumas de suas novidades. As incertezas e angústias humanas, por exemplo, espalhadas por um punhado de pessoas no momento do casamento, incluindo os noivos, mas até mesmo o pastor que os casa, por exemplo, são expressas através da voz over de cada ator. Porém, mesmo quando tais soluções ganham um caráter enfaticamente novo, com soluções nunca dantes perpetradas pelo cinema comercial americano, como o das pessoas conhecidas de Emily ao pé do monte em que foi “enterrada”, tal ousadia se desgasta com a recusa de se aceitar a morte de Emily como na peça (que Thornton Wilder, importante nome da dramaturgia de então, concordou ao co-roteirizar o fime) e uma vez mais se prolongar demasiado no passeio de Emily através do seu próprio passado, que pode ser representado como um delírio de sua situação antes da recuperação após o parto. No plano mais exclusivamente visual a o que se tornaria uma das marcas registradas do célebre filme de Welles. Atores bem próximos da câmera com outros mais distanciados, se encontram em alguns momentos, de forma mais discreta e casual provavelmente. Um dos primeiros papéis de destaque do então belo e jovem William Holden. Sol Lesser Prod./Principal Artists Prod. Para United Artists. 90 minutos.

 

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