Filme do Dia: Psicose (1960), Alfred Hitchcock

 


Psicose (Psycho, EUA, 1960). Direção Alfred Hitchcock. Rot. Adaptado Joseph Stefano, a partir do romance de Robert Bloch. Fotografia John L. Russell. Música Bernard Hermann. Montagem George Tomasini. Dir. de arte Robert Clatworthy & Joseph Hurley. Cenografia George Milo. Figurinos Rita Riggs. Com Anthony Perkins, Vera Miles, John Gavin, Janet Leigh, Martin Balsam, John McIntire, Simon Oakland, Frank Albertson, Patricia Hitchcock. Vaughn Taylor, Mort MIlls.

Após mais um encontro fortuito com o amante Sam Loomis (Gavin), Marion Crane (Leigh), funcionária de um pequeno banco, é orientada pelo patrão a fazer um depósito de 40 mil dólares para um cliente fanfarrão deste (Taylor). Marion, no entanto, decide ficar com o dinheiro. Sua tensão, já grande, piora quando se depara com o patrão em via que leva não a sua casa, como havia afirmado a ele, mas para a saída da cidade. Dormindo na rodovia, é acordada abruptamente por um policial (Mills), que passa a segui-la, desconfiado de seu nervosismo quando abordada. Ela troca de veículo e resolve, em meio a forte chuva e pouca condição de visibilidade, dormir em um motel de beira de estrada. O gerente do mesmo é Norman Bates (Perkins), que aparentemente vive somente com sua velha mãe inválida. Ele lhe acomoda em um quarto e disse que a convidará para jantar. Pouco depois Marion escuta uma forte discussão entre Norman e a mãe, e este  acabrunhadamente lhe traz algo para comer. Quando ela toma uma ducha vem a ser morta a facadas. Norman rapidamente age para apagar qualquer vestígio do crime, inclusive desfazendo-se do carro, do corpo e de todos pertences trazidos por Marion, incluída a alta soma em dinheiro, em um pântano próximo. Um detetive particular, Arbogast (Balsam)  contratado pela irmã de Marion, Lila (Miles), começa a investigar o motel, e quando decide se aventurar a encontrar a mãe de Norman, é igualmente morto. Apreensivos com o desaparecimento de ambos, Lila e Sam vão atrás do xerife local, Al Chambers (McIntire), que os aconselha a chamarem a polícia. Ao invés disso, a dupla decide ir ao motel. Sam entretém Norman na gerência, enquanto Lila vai para o casarão onde Sam e anteriormente Arbogast acreditam ter visto a velha senhora. Irritado com as indagações excessivas de Sam, Norman o atinge com um objeto e corre para a casa, desconfiado que Lila lá se encontra. Esta, após vasculhar todos os aposentos, descobre o sótão e lá se encontra o que aparenta ser a velha mãe de Norman.

Tudo parece extraordinariamente gráfico, até mesmo em detalhes como a porta corrediça que desliza pelo quadro em formato semelhante aos imponentemente modernos créditos a cargo uma vez mais de Saul Bass e antecipando muito do visual virtual-digital dos caracteres de décadas após. E a trilha insistente de Bernard Herrman e a fotografia incrivelmente modulada de Russsell ajudam a potencializar o suspense. A trilha se torna mais angustiada a partir do momento que Marion observa seu chefe cruzando a faixa de pedestre, com o carro estacionado perante o sinal. Indicativo da culpa hitchcockiana. E o rosto maciço do policial  com óculos escuros e avantajado nariz quando Marion acorda é um destes elementos gráficos a favorecerem a criação de um clima persecutório. A relação entre tensão e relaxamento, contenção e distensão, de forte conotação libidinal, está presente na figura de Marion. Desde quando surge, e é abordada com uma cantada dissimulada pelo homem do dinheiro, ela parece se encontrar em constante tensão. O único momento de relaxamento, sob a forte ducha do motel, que a vemos finalmente decompor sua tensão quase como se numa relação sexual – lembremos que nem após o coito, na cena inicial, ao lado do amante, ela demonstra tal relaxamento – é interrompido pela morte. Modernidade e tradição se mesclam de forma quase jocosa; o casarão por trás do motel é praticamente um genérico de casa mal assombrada, verdadeiro relicário de objetos dos tempos da mãe, conservados de forma lustrosa de maneira um tanto inverossímil, dado os poucos recursos e a franca decadência do estabelecimento desde a mudança da rodovia principal, contraponde-se aos trivialmente modernos aposentos e estrutura horizontal dos quartos do motel. O mesmo se pode dizer da demasiado didática e aborrecida explicação psicanalítica detalhada,  da personalidade dividida do Bates vivido por Perkins; mais uma demonstração da aguda perspicácia do realizador, ao trazer traços da personalidade do ator, como ninguém havia explorado antes – detalhe para a subida da escada um tanto amaneirada de Norman e para o voyeurismo diante de sua futura vítima (acrescido pelo som da masturbação na hedionda versão homônima realizada por Gus Van Sant, demonstrando por a+b que explicitar o que estava implícito no cinema do período está longe de ser um passaporte para algo interessante, muitas vezes ocorrendo o oposto) e do qual o ator nunca mais se livraria (uma boa utilização desta herança se encontra em O Despertar Amargo, uma triste as “sequencias” do filme, caso assim possam ser denominadas). Já sua modernidade, anunciada no modo despojado com que observamos o casal ao início (embora um tanto empostada se compararmos ao contemporâneo Acossado), na morte súbita e prematura de sua protagonista (e no modo como esta é filmada). E o mesmo pode ser dito de sua produção em pequena escala e preto&branco ao contrário de suas produções mais célebres da década recém-finda. E até mesmo a descarga do sanitário com o papel rasgado por Marion foi a primeira jamais entrevista no cinema hollywoodiano. É como se Hitchcock pavimentasse a estrada rumo ao “mau gosto”, cujo marco próximo seria O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, lançado dois anos após.  National Film Registry em 1992.|Shamley Prod. para Paramount Pictures. 109 minutos.

 

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