O Dicionário Biográfico de Cinema#51: James Ivory

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James Ivory n. Berkeley, Califórnia, 1928

1963: The Householder. 1965: Shakespeare Wallah. 1968: The Guru [A Magia do Guru]. 1970: Bombay Talkie. 1972: Savages; Adventures of a Brown Man in Search of Civilization (d). 1975: The Autobiography of a Princess [Autobiografia de uma Princesa]; The Wild Party [Festa Selvagem]. 1977: Roseland. 1978: Hullabaloo Over Georgie and Bonnie's Pictures. 1979: The Europeans [Os Europeus]. 1981: Quartet [Luxúria]. 1983: Heat and Dust [Verão Vermelho]. 1984: The Bostonians [Um Triângulo Diferente]. 1986: A Room With a View [Uma Janela para o Amor]. 1987: Maurice. 1989: Slaves of New York [Um Caso Meio Incomum]. 1990: Mr. and Mrs. Bridge [Cenas de uma Família]. 1992: Howards End [Retorno a Howards End]. 1993: The Remains of the Day [Vestígios do Dia]. 1995: Jefferson in Paris [Jefferson em Paris]. 1996: Surviving Picasso [Os Amores de Picasso]. 1998: A Soldier's Daughter Never Cries. 2001: The Golden Bowl [A Taça de Ouro]. 2003: Le Divorce [À Francesa]. 2004: The White Countess [A Condessa Branca]. 2008: The City of Your Final Destination [Em Busca do Amor]

Já faz mais de quarenta anos que Ivory e o produtor Ismail Merchant iniciaram sua notável parceria, particularmente com uma adaptação do romance de Ruth Prawer Jhabvala, The Householder. O trio tem permanecido junto, e pode ter alcançado seu maior triunfo -e, parece-me, sua obra mais característica - em sua colaboração no filme do romance de Kazuo Ishiguro, Vestígios do Dia. Este filme é, antes de mais nada,  uma deferência para eles, já que havia sido originalmente intencionado como um filme de Mike Nichols, com roteiro de Harold Pinter (Nichols permaneceu como um dos produtores). Por que essas duas pessoas de tão grande energia cederam o projeto? Presumivelmente porque sabiam que ninguém faria tais coisas melhor que Ivory-Merchant (são, na verdade, conhecidos como Merchant-Ivory - para evitar essa excêntrica observação do mercado indiano?).

E ninguém faz mais belamente. Assisti a primeira sessão pública de Vestígios do Dia em San Francisco, e saí do Presidio Theatre no deslumbrante alarido de Chestnut Street, por volta das três da tarde, em meio a uma multidão de espectadores idosos se congratulando de quão belo, quão adorável, quão perfeito tudo tinha sido, e como "eles" não faziam mais tantos filmes tão bons quanto esse. Nichols e Pinter devem ter imaginado tais cenas, e agiram em conformidade - além do que, deferência e abnegação são o coração e a alma de Vestígios do Dia.

Deixe-me ver o lado positivo primeiro. Tem-se que admirar a parceria amigável ter permanecido intacta, sobrevivendo ao sucesso crescente e esculpindo um lugar bastante respeitável nos negócios cinematográficos - já que os filmes Merchant-Ivory vão bem nas bilheterias, e foram tão bem com as estatuetas da Academia, que alguns cínicos se perguntaram se não poderia se chamar Maurice, ao invés de Oscar. Ismail Merchant deve ser paciente, uma mistura astuta de força e submissão, o diplomata e o mágico. Deve ser amável e sedutor. Ruth Jhabvala se tornou uma adaptadora bastante hábil, ainda que tranquilamente faça vista grossa a tudo que tais adaptações perderam. E James Ivory, o diretor, parece decente, tímido, de bom gosto, e o menos proeminente ou necessário dos três. Ninguém acusaria-o de ser sedutor.

Suspeito que Ivory ficaria gratificado de ouvir que alguém encontra pouca malícia ou direção em seus filmes - nenhuma afirmação do diretor. Isso não significa que os originais literários passaram de forma tão limpa quanto as polidas janelas de Darlington Hall? Ainda mais vital para os filmes é a simetria dos roteiros, a distinção de salão de seus elencos, e o banquete, bastante pródigo, do que poderíamos chamar décor, permitindo que a intimidade do campo britânica e uma boa colocação de mesa, sejam apenas tipos de direção de arte preenchendo a tela.

Vestígios do Dia parece crucial porque depende da emoção reprimida, e de um nível de moralidade que é indistinta da etiqueta ou do bom serviço. O filme é construído ao redor da supreendente performance de Anthony Hopkins, que é tão brilhante, tão liricamente oculto, tão minuciosamente detalhado e expressivo, em sua capitulação de um homem que não pode apresentar seus sentimentos, que me senti torturado.

Não culpo Hopkins. Atores podem fazer pouco além de serem, ou tentarem ser, inteligentes, brilhantes ou reveladores. Stevens, o mordomo, é irrepresentável, na verdade. O conceito do personagem rompe-se uma vez que vemos um ator tentando encarná-lo. O livro permite que ele não seja visto e, portanto, a implausibilidade do personagem se dilui. No livro ele também é um perfeccionista constipado que, por nenhuma razão, conta a história (tais homens não contam a qualquer um, nem mesmo a si próprios). Entretanto, Stevens no romance é próximo do sujeito convencido e estúpido que se poderia supor dos fatos da história. Não há nenhuma necessidade de se idealizar criados. Mas Hopkins no filme é uma espécie de santo, um verdadeiro e perfeito cavalheiro, não importa qual ordem social lhe negue.

O encanto de Merchant-Ivory me dá arrepios. Seu público, suspeito, é daquelas pessoas que perderam o hábito de ir ao cinema - e por que não? - mas que não leram os livros que ele adapta. Talvez a equipe receba bônus pelas vendas de livros, de bibliotecas e alfabetizadores, e de estudantes que possuam pouco tempo para ler. Talvez algumas pessoas tenham lido estes livros por conta dos filmes. Nesse caso, porque dizem "adorável"? Por que não gritam que Henry James é muito mais? Ou que existe angústia, ironia, dúvida e mistério na voz de E.M. Forster que esses filmes perderam? Próximo de Mernchant-Ivory, ainda prefiro o David Copperfield de Cukor-Selznick, porque é tão cheio de vida, tão apaixonado, e tão próximo da loucura quanto Dickens.

Merchant-Ivory é o cinema da obra-prima: prestigioso, bem mobiliado, acurado, lindamente elencado e brando, anônimo e furtivamente permutável. Pode-se distinguir um autor clássico ivorycizado de outro? Há virtude no endosso final dos corações enterrados em Vestígios do Dia? Ou seria somente  falácia que esses criados possuem corações ou são melhores que imitações de pelúcia de seus estúpidos e perigosos superiores?

Ivory é americano, e existe um período ou braço americano em sua obra, assim como o indiano e o britânico. Mas seus filmes "americanos" - Cenas de uma Família, Um Caso Meio Incomum, Um Triângulo Diferente, Jane Austen in Manhattan, Roseland, Festa Selvagem - são algumas vezes desastres, e raramente confortáveis. E Ivory, penso, gosta de se sentir confortável, o que pode ser uma forma de dizer que fica desconfortável se empurrado para o pensamento original ou energia sem obstáculos. Ele não aparenta indagar questões mais amplas sobre as opções de seus personagens. Nem tampouco parece inclinado a empregar atores americanos robustos ou perigosos. O inexoravelmente implacável Paul Newman foi sua escolha para Mr. Bridge.

Ainda assim, agrada muita gente, e não é fácil repudiar seus pedidos por Retorno a Howards End ou Vestígios do Dia ao invés de Look Who's Talking Too [Olha Quem Está Falando], Demolition Man [O Demolidor] ou True Romance [Amor à Queima-Roupa]? - desperdícios de energia. O que me preocupa mais não é que exista um público para Merchant-Ivory: afinal de contas, as adaptações de TV britânicas dos clássicos o estabeleceram muito tempo atrás. Antes, me magoa que para tanta gente eles vieram como a epítome do filme sensível e inteligente. E isso só foi possível por conta dos negócios, e muitos bons realizadores desistiram de conquistar um território difícil. A calamidade é que Retorno a Howards End é mais sofisticado e mais compreensível que A Época da Inocência de Scorsese. 

Mais recentemente, teve problemas crescentes ao se voltar para a história real, a vida de Picasso e, profundidade máxima, Henry James. Mas fez um bom filme a partir da vida de James Jones - A Soldier's Daughter Never Cries.

Texto: Thomson, David. The Biographical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 1325-8.

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