Filme do Dia: André, a Cara e a Coragem (1971), Xavier de Oliveira
André, a Cara e a Coragem (Brasil,
1971). Direção e Rot. Original Xavier de
Oliveira. Fotografia Edson Batista. Música Maria Aparecida & Denoy de
Oliveira. Montagem Manuel Oliveira. Dir. de arte e Figurinos Armênia X.
Oliveira. Com Stepan Nercessian, Ângela Valério, Echio Reis, Antônio Patiño,
Ilva Niño, Emiliano Ribeiro, Elcy Andrade, Nelson Mariani.
André
(Nercessian), garoto interiorano de Carangola, Minas, tentando a sorte no Rio de Janeiro, tem
dificuldade de conseguir um emprego e se manter na pousada em que vive. Quando
consegue, de assistente de cozinha, não permanece muito tempo, sendo demitido.
Em suas errâncias pela cidade é vítima de um acidente provocado pelo motorista
de uma grã-fina, que pretende adotá-lo. Após fugir, literalmente, da mulher,
ele arranja trabalho junto a uma fábrica têxtil. André passa a dividir o quarto
da pensão não mais com Marujo (Reis), amigo que partiu novamente para a Europa,
mas com um homossexual. Na fábrica, André interessa-se por uma colega de
trabalho, Marly (Valério), e seu interesse é correspondido. Eles iniciam um
namoro mais ou menos no mesmo período do companheiro gay de André no quarto ser
expulso a murros, após lhe fazer carícias enquanto ele dormia. André chama
Marly para passarem um dia passeando com as roupas vistosas surrupiadas da
fábrica na qual trabalham. No dia seguinte, no entanto, são demitidos. Sem
terem mais contato tão frequente, André busca uma ajuda emergencial junto ao
gerente de banco gay, que deixara o seu cartão com ele e sinalizara para uma
possibilidade de emprego, Guimarães (Patiño), após ter saído da pousada e se
estranhado com os desocupados sempre dispostos a lhe atazanar.
Mal parece
que havia tido somente um ano de distância de outro retrato de personalidade
masculina em formação vivida pelo mesmo Nercessian, então estreante no cinema (Marcelo Zona Sul). Há uma nota de melancolia, de ressentimento (por parte de André)
e de misantropia, por parte do realizador, nesta jornada rumo à indiferença
vivenciada pelo protagonista, da prostituta com o qual perde a virgindade, e
que está lendo uma revista enquanto ele está por cima dela e chega com o novo
cliente quando ele mal abandonou o quarto aos pretensos amigos que lhe aplicam
um “boa noite, Cinderela”, passando pelo gerente do banco a observá-lo como
promessa de assédios futuros, em continuidade com o presente. E quão diminuto
se torna André diante das engrenagens da sociedade à qual não percebe em plano
mais vasto, como o que o observa igualmente diminuto diante dos gigantescos
guindastes do porto ao qual vê o amigo desaparecer rumo à Europa. André pode
ser uma resposta às críticas (ou a inquietação do próprio realizador) em relação
ao Marcelo bem situado economicamente do filme anterior. O ato transgressivo menor do casal combinar retirar peças de roupa e calçados da fábrica na qual trabalham soa
como um típico comentário social de viés pseudo-marxista, típico da época – os
realizadores do processo de produção de um produto de luxo, finalmente
usufruindo do mesmo, ainda que clandestinamente. Quando as coisas andam
razoavelmente bem, você já imagina o reverso da fortuna. E este não tarda a
aparecer. E com ele vem igualmente os comentários dos desocupados que rondam a
pensão na qual André mora. E uma boa metáfora visual, talvez a melhor do filme,
advém da beleza que consegue extrair do jogo de luzes e sombras da estrutura de
ferro da estação sobre a lateria do desgastado trem metropolitano, como o filme
buscando extrair uma poética da aridez de um mundo extremamente marcado pelas
pressões da sobrevivência imediata e de afetos escassos. Evitando corajosamente
uma saída trágica como desfecho mais redondo, finda com uma belíssima imagem de
uma comemoração de Ano Novo em plena luz do dia no Rio, e o contraste entre o
tom festivo porém completamente contaminado pela angústia de André, sabendo-se
agora futuro pai, com a imagem ao fundo da chuva de papel picado caindo de
forma melancólica como se neve fosse. As desventuras de recém-chegados da
região nordestina do Brasil serão tema de produções da década seguinte como As
Aventuras de um Paraíba e O Baiano Fantasma, de Marco Altberg e
Denoy de Oliveira respectivamente, assim como O Homem que Virou Suco, de
João Batista de Andrade. As cenas de amor de André com Marly podem soar mais
recatadas e breves que a de um filme contemporâneo internacional como O
Retrato de Dorian Gray, mas são menos vulgares, no sentido do lugar comum,
e paradoxalmente mais plenamente eróticas – a diferença notável, no entanto,
fica em relação ao recato do corpo masculino. |Lestepe Prod. Cinematográficas
para UCB. 85 minutos.
Excelente análise do belo filme André a Cara e a Coragem. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado! Volte sempre!
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