Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#94: La Batalla de Chile: La Lucha de un Pueblo Sin Armas

 


LA BATALLA DE CHILE: LA LUCHA DE UN PUEBLO SIN ARMAS (Chile/Cuba, 1974-1979). Dizer que La Batalla de Chile: La Lucha di un Povo sin Armas (A Batalha do Chile: A Luta de um Povo Sem Armas) é o filme mais significativo realizado sobre a história do Chile é um eufemismo. Concebido pelo diretor Patrício Guzmán ao final de 1972 como um registro dialético das lutas da minoria no governo da Unidade Popular de Salvador Allende, a equipe Tercer Año continuou filmando de fevereiro de 1973 até o golpe de 11 de setembro. Notavelmente, todo o material foi contrabandeado para fora do país por um navio sueco, e o exilado Guzmán, com o valoroso auxílio do montador Pedro Chaskel, levou cinco anos para finalizar o monumental  tríptico documentário no Instituto Cubano de Arte e Cultura Cinematográfica (ICAIC). Como o filme político modelar para a esquerda, La Hora de los Hornos foi filmado semi-clandestinamente mas, ao contrário de seu predecessor, o filme de Guzmán foi bem recebido pelos críticos da América do Norte, não somente aqueles que compartilhavam dos mesmos ideais dos realizadores, incluindo alguns tão mainstream quanto Pauline Kael.

Compreendendo que dada a instabilidade política inerente à minoria do governo, que ocorreria ou uma guerra civil ou um golpe militar de extrema-direita (o último, de fato, ocorreu), os cinco membros originais da Equipe Tercer Año - Guzmán, chefe de produção Federico Elton, fotógrafo Jorge Müller Silva, sonoplasta Bernardo Menz e assistente de direção José Pino Bartolome sentiram a necessidade urgente, nas palavras de Guzmán, de "realizar um filme sobre o que estava acontecendo no país no dia a dia." "Qualquer roteiro ficcional, quaisquer filmes estruturados ao redor de uma trama, não importa quão bons sejam, pareciam para nós, completamente ofuscados pelo próprio evento." Eles desejavam realizar o filme prirmordiamente para o povo chileno, mas particularmente no caso da derrota, em benefício dos movimentos trabalhistas de todo o mundo. Utilizando o filme do realizador cubano Jaun Carlos Espinosa, Tercer Mundo, Tercera Guerra Mundial - filmado coletiva e espontaneamente no Vietnã no auge da ação militar estadunidense - como modelo, o grupo gerou um contorno teórico para seu documentário analítico.

Por fim, o roteiro tomou a forma de um "mapa na parede",  listando os pontos-chaves do esforço revolucionário, acompanhados por outra lista de elementos que já haviam sido filmados. O coletivo editorial da revista Chile Hoy, incluindo Marta Harnecker, também se juntou ao grupo neste momento. Eles filmaram quase todos os dias, utilizando uma única câmera Éclair e um gravador de som Nagra, com filme virgem (de outra forma indisponível no Chile, dado o embargo dos Estados Unidos) enviado por eles da França por Chris Marker. Eles nunca buscaram entrevistar outras mídias e mantiveram sua identidade clandestina, carregando diversas credenciais com eles, algumas vezes se passando como uma equipe de TV francesa ou suiça, e trabalhando em pequena escala. Com uma quantidade de filme virgem limitada, planejavam cuidadosamente o que queriam filmar, finalizando com um total de somente 25 horas de material em 16 mm. O barco sueco, o Rio de Janeiro, levou dois meses a chegar a Estocolmo, onde Elton e Guzmán coletaram os rolos, levaram-nos a Paris e, por fim, Cuba. Após o golpe, Guzmán foi preso e levado ao Estadio Nacional por duas semanas, e Elton e Menz foram detidos por um período, mas ninguém entrou em pânico e todos, exceto Müller que "desapareceu", reuniram-se  em Cuba, após serem convidados pelo ICAIC. Pedro Chaskel, apesar de trabalhar já na equipe, deixou o Chile especificamente para ser montador, e Harnecker já se encontrava em Cuba há dois meses, quando os outros chegaram. 

O foco da primeira parte, "A Insurreição da Burguesia"  (1974), é sobre as forças da direita em oposição ao governo de Allende e, em sua maior parte, compila filmagens realizadas antes do fim de junho. Um estilo cinema direto, câmera na mão vacilante, sujeitos entrevistados em primeiro plano, é utilizado para entrevistas nas ruas, predominantemente com eleitores anti-Allende. Quando a câmera então se move a uma residência burguesa, pode-se detectar a influência de Guzmán; por sua própria descrição, ele permanece próximo do ombro de Müller "para dirigir movimentos que são muito mais facilmente identificados com o cinema ficcional que documental." Então, o movimento de câmera descreve o estilo de vida ostentatório dos ricos chilenos, varrendo gabinetes repletos de adereços inúteis. Após apresentar o fracasso de Allende de legislações no Congresso, o uso do estilo como retórica pode ser novamente detectado em panorâmicas fugazes não cortadas, intensificando o dinamismo dos protestos dos trabalhadores, utilizando uma câmera bastante baixa, representando os líderes da oposição, tão grotescos quanto nos filmes de Eisenstein. A primeira parte finaliza sugerindo um salto temporal adiante: um cinegrafista argentino, trabalhando para a televisão sueca, Leonardo Henrichsen, é baleado, e a imagem de sua própria câmera se torna turva quando ele cai (as filmagens de sua câmera foram recuperadas e incluídas em A Batalha do Chile). A imagem é então congelada numa máscara em forma de círculo a destacar o soldado chileno atirando diretamente à câmera, ao que a filmagem de "morte" é repetida.

A segunda parte, "O Golpe de Estado" (1976), leva o espectador através dos três últimos meses do governo da Unidade Popular, e foca muito mais em Allende e seus seguidores que a primeira parte. As diferenças dentro da Esquerda são exploradas e, no centro do episódio, há um plano extremamente longo do discurso apaixonado de um operário em uma pequena reunião. Allende visivelmente envelhece, e se torna  mais desesperado, embora permaneça determinado a manter o processo democrático. A Parte Dois é agraciada por uma brilhante edição de som, reminiscente de Terra Espanhola, de Joris Ivens. Aqui o som de um helicóptero se torna o motivo sinistro, a ganhar proeminências sobre as filmagens aéreas do bombardeio aos prédios governamentais e marcando o golpe e morte de Allende. Logo antes do desfecho, um forte zumbido - presumivelmente uma falha técnica - complementa perfeitamente à imagem muito granulada e de baixa qualidade. O grupo de Guzmán filmou cenas do bombardeio diretamente da televisão, observando posterioremente que ninguém mais pensou em filmar a transmissão audaciosa do golpe militar e do ataque ao Palácio Nacional. 

Tão intensa havia sido a experiência de filmar à "batalha", e então partir ao exílio e editá-lo por dois anos inteiros, que Guzmán teve que se afastar por dois anos do projeto. Então a Parte Três, "O Poder Popular" (1979), foi lançado muito depois das duas outras partes e proporciona uma certa liberação nostálgica destas, com seu foco quase exclusivo, nas forças da Unidade Popular. Este segmento cobre o período dos dois filmes prévios e apresenta os trabalhadores se organizando e discutindo estratégias em torno da infilitração da Direita no sindicato dos caminhoneiros, redes de distribuição de comida, fábricas e organizações comunais, e redistribuição de terra. Observamos camponeses, revolucionários e latifundiários argumentando sobre a situação, em longos planos, com o boom do microfone claramente enquadrado. Tais intrusões tornam o público cinematográfico mais consciente do processo de filmagem, uma atitude que é exagerada em relação ao final do filme, quando um professor é apresentado em classe, discutindo os movimentos populares, e o final propriamente dito, quando mineiros de nitrato são enquadrados contra estilizados fundos em branco e então substituídos pela imagem de uma paisagem vazia, acompanhada por sons mecânicos. Nesta parte final, as estratégias dialéticas da  Equipe Tercer Año são mais claramente demonstradas: dispositivos, o distanciamento ocasional do público ao afastar a câmera para uma tomada mais ampla, e a análise das estratégias dos trabalhadores são nitidamente contrastados com as atividades da Direita.

Texto: Rist, Peter H. Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano.  Rowman & Littlefield, 2014, pp. 129-31.

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