Filme do Dia: Portrait of Jason (1967), Shirley Clarke
Portrait of Jason (EUA, 1967). Direção
e Montagem: Shirley Clarke. Fotografia: Jerry Sopanen.
Muito provavelmente Clarke realizou um
retrato mais intenso do que qualquer outro esboçado no campo do documentário a
respeito dos meandros da subjetividade exposta através do discurso oral até
então – em termos comparativos, os depoimentos de qualquer um dos personagens
de Crônica de um Verão soam de uma
reserva contida, mesmo em seus momentos de maior entrega – ou mesmo depois.
Tendo como personagem único a ser observado pelas lentes da câmera, mas não necessariamente
ouvido – ocasionalmente se observam perguntas ou indicações da própria Clarke
ou, mais frequentemente, de Carl Lee, o entrevistador se assim se pode dizer –
Jason Holliday. Negro e homossexual, Jason desfia em um estilo próximo do fluxo
de consciência, acentuado pela constante presença de álcool, o que seria algo
como suas memórias sentimentais da infância, dos tempos em que foi criado em
casas de pessoas de maior poder aquisitivo e, sobretudo, das figuras parentais,
assim como de sua própria sexualidade. O caráter fluido da fala, mais próximo
em termos de paralelo literário com a escrita de um Allen Ginsberg que
propriamente de uma Virginia Woolf, torna-se por vezes tão desfocado quanto à
própria imagem, tendo em vista Clarke fazer uso de planos-sequencias que
consomem rolos inteiros de filmes, e as vezes para além deles, ficando somente
o áudio sobre um fundo em negro e
ajustando o foco ao início ou o perdendo ao final. Se o uso dos
planos-sequencias pode suscitar uma comparação com as obras contemporâneas de
um Andy Warhol, aqui parecem favorecer o jorro verbal de seu único personagem
que propriamente um esboço paródico da dramaturgia hollywoodiana a partir de
estratégias opostas como em Warhol. O filme, desde a sua primeira tomada,
também assevera como poucos o caráter eminentemente performativo de qualquer
relação social, sobretudo, como é o caso, de caráter confessional e
autobiográfico. Em diversos momentos, Jason se encontra consciente de tal jogo,
algo que o dispositivo claustrofóbico armado por Clarke tende a acentuar,
incluindo o fato do espaço filmado aparentemente não ser a sua moradia. Em
diversos momentos e com o avançar da metragem (e do estado etílico de Jason) se
observa um linguajar chulo como impossível de ser encontrado no cinema
ficcional contemporâneo, mesmo em suas contrapartes mais ousadas (tais como Quem Tem Medo de V.Woolf?). National
Film Registry em 2015. Shirley Clarke Prod./Graeme Ferguson Prod. 105 minutos.
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