Filme do Dia: Adoráveis Mulheres (2019), Greta Gerwig

 


Adoráveis Mulheres (Little Women, EUA, 2019). Direção: Greta Gerwig. Rot. Adaptado: Greta Gerwig, a partir do romance de Louisa May Alcott. Fotografia: Yorick Le Saux. Música: Alexandre Desplat. Montagem: Nick Huoy. Dir. de arte: Jess Gonchor & Chris Farmer. Cenografia: Claire Kaufman. Figurinos: Jacqueline Durran. Com: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Timothée Chalamet, Tracy Letts, Bob Odenkirk, James Norton, Louis Garrel, Chris Cooper, Meryl Streep.

Jo Marsh (Ronan) é uma aspirante a escritora que relembra, numa narrativa grandemente autobiográfica, aspirações, dores e alegrias compartilhadas com suas três irmãs, Meg (Watson), Amy (Pugh) e Beth (Scanlen), criadas boa parte do tempo apenas pela mãe (Dern), já que o pai (Odenkirk), encontra-se afastado lutando na Guerra Civil. Todas as irmãs, que brincavam de teatro quando pequenas, possuem aspirações que passam pela arte, mas tomam rumos bastante distintos. Beth é apaixonada por música e um projeto de pianista talentosa, mas se torna portadora de uma doença que virá a lhe tirar a vida, escarlatina. Amy, possui aspirações como pintora e é apaixonada pelo vizinho, de família bem mais rica, Laurie (Chalamet), que vem a ser apaixonado por sua irmã mais velha, Jo, que tem como propósito não casar na vida e ser uma escritora de sucesso, ainda que tal convicção titubeei quando conhece, morando sozinha em Nova York, o circunspecto professor Friedrich (Garrel), com quem rompe a amizade após ele efetuar uma leitura crítica de sua produção literária. Já Meg abre mão de qualquer aspiração individual cedo, pelo projeto de se casar com John (Norton), de ótima índole, mas poucos recursos. Ocasionalmente auxiliam a família o tio rico de Laurie, Laurence (Cooper) e a tia solteirona e ácida das garotas (Streep).

Ao ser adaptado pelo menos sete vezes em pouco mais de um século para a tela grande – existe uma quantidade bem maior de produções para a TV – o romance de Alcott tem demonstrado sua perenidade, em oposição a maior parte das obras literárias que serviram de estofo à época do cinema mudo de temática similar. A versão em questão, segunda dirigida por uma realizadora, sendo a primeira a da australiana Gilliam Armstrong, em 1994, está certamente impregnada de exaltação às figuras femininas retratadas, numa postura de sororidade que busca dialogar com o momento ao qual foi produzido, inclusive na própria indústria do cinema, mas sem cair no risco do proselitismo, que torna-se talvez mais pesado e de longe esquemático na releitura que Sofia Coppola empreendeu de O Estranho Que NósAmamos (2017). E também tira valoroso partido do jogo reflexivo entre obra literária e cinematográfica, não apenas no que se restringe à própria narrativa, por sinal costurada em labirínticas idas e vindas no tempo, mas também em termos das pressões econômicas diante do processo criativo. Assim Gerwig consegue chegar ao seu final feliz, mas ao mesmo tempo se distanciar com comicidade desse final ao traçar paralelos com as recomendações irrefutáveis do editor do livro e em notório diálogo com a indústria do cinema, do período clássico até os dias de hoje. A busca de criar cumplicidade entre a figura inadaptada socialmente, mas de coração intenso, sem deixar de lado nessa intensidade os clamores de seu próprio ego, e o público jovem contemporâneo talvez nunca seja tão cravado que quanto Jo e Laurie dançam ao seu modo, completamente destrambelhado e anárquico, o que do outro lado da parede é vivido segundo a etiqueta das restritas convenções sociais ou ainda quando Laurie impreca bêbado e completamente decomposto em uma festa ou afirma não gostar de “fru-frus e frescuras” provocando as lágrimas de Meg. E o proselitismo surge forte numa deixa em que Amy destaca as implicações econômicas de um casamento, particularmente para a condição feminina e de classe que vivencia – sua tia, por exemplo, deu-se ao prazer de ser solteirona porque é rica, como ela mesma afirma – em um pequeno sermão ao jovem porra-louca Laurie. Porém, no conjunto do filme não soam descabidas ou forçosas. Aos embates entre Amy e Jo, que poderiam ser lidos como reprodutores do clichê da competitividade feminina como traço fundante de algumas personalidades femininas, trabalha-se como sendo coadjuvantes diante do irrestrito amor, que não permite que se perca tempo, no período tão curto de uma vida, de se alimentar a animosidade. Columbia Pictures/Instinctual VFX/New Regency Pictures/Pascal Pictures/Regency Enterprises/Sony Pictures Ent. para Columbia Pictures. 135 minutos.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: El Despojo (1960), Antonio Reynoso

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng