Filme do Dia: Os Resultados do Feminismo (1906), Alice Guy

 


Os  Resultados do Feminismo (Les Résultats du Féminism, França, 1906). Direção: Alice Guy.

Vive-se numa sociedade de inversão de papéis:  mulheres masculinizadas, homens efeminados. Uma dessas mulheres másculas se apaixona por um homem de trejeitos delicados e o acaba retirando, praticamente à força da casa dos pais, para viver com ela. Quando o casal já se encontra com filhos, esse, cansado de sua submissão e de ficar apenas cuidando desses enquanto ela é que tem a vida social e do trabalho fora do lar,  resolve abandoná-la brutalmente e invadir com outros homens, incentivados por seu clamor, o clube feminista, expulsando-as todas e saudando uma nova sociedade masculina.

Guy parodia o movimento feminista através dessa confusa narrativa, típica do Primeiro Cinema, na qual a maior atração humorística pretensamente é a da inversão de papéis sexuais. Curiosamente tal sátira antecipa em uma dúzia de anos uma comédia bem mais famosa,  Algie, o Mineiro (1912), igualmente centrada no apelo humorístico ao homossexual caricato e, mais próximo dessa, a inversão de papéis de gênero de A Florida Enchantment (1914). É interessante que esse tema, recorrente na carreira da realizadora, havia sido tratado com bem mais lirismo, ainda que não intencional, em algumas de suas produções iniciais, tal como Les Fredaines de Pierette (1900). E é curioso igualmente como esse filme se encontra exatamente a meio caminho aqui entre a narrativa mais clássica do filme de 1912 e a mera apresentação de um número burlesco ao qual se pretende o primeiro. E, talvez por isso mesmo, seja o que mais sofra com uma pretensão de narração da qual o primeiro é destituído e que aqui se vê frustrada, ao menos em termos retrospectivos, pelas estratégias narrativas de então – muita informação visual ocorrendo ao mesmo tempo, sem que a decupagem demonstre uma hierarquia do que seria mais relevante a ser destacado, precário encadeamento de uma ação para a seguinte e conseqüente descaso com a temporalidade (a cena em que o casal já surge com filhos demonstra um avanço no tempo que não possui qualquer delimitação precisa pelo próprio filme, etc). O mesmo pode ser dito de seus cenários abertamente estilizados. Foi dado como perdido por muito tempo e o mais interessante seria certamente compará-lo com uma nova versão feita pela própria Guy, In The Year 2000 (1912), pois daria uma rara oportunidade de observar o mesmo tema narrativo trabalhado por dois modos  bastante distintos e característicos de seus respectivos períodos de produção.  Algo infelizmente impossível de ser efetivado, pois o mesmo é considerado perdido.  Destaque para a cena em que as duas mulheres brigam pela atenção do protagonista e uma acaba estapeando a outra, talvez uma das poucas efetivamente divertidas. Ainda que a sua mensagem seja eminentemente anti-progressista, sobretudo sob uma perspectiva politicamente correta de mais de um século após, não deixa de ser criativa ao questionar, mesmo que involuntariamente, justamente o papel de submissão da mulher sob um signo invertido, na figura do homem cansado de ser explorado.  Gaumont. 7 minutos e 20 segundos.


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